A falta de comida tem levado populações a violar o confinamento. A América do Sul é agora o epicentro da pandemia
Parece uma rendição mas é, na realidade, um desesperado pedido de ajuda. Em bairros pobres da Guatemala, panos brancos pendurados fora das casas alertam para a falta de comida. O SOS dirige-se às autoridades, mas, em especial, a vizinhos desafogados que possam dispensar alimentos.
O recolher obrigatório e as restrições à circulação deixaram muitos guatemaltecos sem sustento, sobretudo quem trabalhava no sector informal. Além do branco da fome, panos vermelhos alertam para a falta de medicamentos, azuis para a urgência de alguém ser visto por um médico, pretos para alguém morto dentro de casa e púrpura para situações de violência doméstica.
Este código de cores nasceu no país após a imposição do primeiro cordão sanitário, a 5 de abril, no município de Patzún, onde houve um caso de transmissão comunitária do novo coronavírus. As bandeiras galgaram fronteiras e hoje, no vizinho El Salvador, há cidadãos que não cederam à vergonha da pobreza e estão na berma da estrada a abanar panos brancos, na esperança de que alguém pare o carro e lhes dê comida.
No ano passado, Guatemala e El Salvador foram dos países que mais alimentaram as caravanas de migrantes que partiram da América Central a pé rumo aos Estados Unidos. A miséria torna-os dos mais vulneráveis à pandemia de covid-19, cujo epicentro, diz a Organização Mundial da Saúde, foi da Europa para a América do Sul.
Com o Brasil destacado a nível mundial pelas piores razões, o Peru surge como segundo país mais afetado. A situação descontrolou-se após o confinamento ter sido violado por populações desesperadas pela falta de trabalho.
‘Piñeravírus’ no Chile
No Chile, que tem o maior PIB per capita da região, as carências alimentares originaram protestos violentos. “O Piñeravírus [referência ao Presidente Sebastián Piñera] é mais mortal do que o coronavírus”, ouviu-se nas ruas. Para tentar conter uma explosão social, o Governo anunciou a distribuição de 2,5 milhões de cabazes de alimentos e outros bens essenciais.
Há menos de um ano, muitos países latino-americanos estavam tomados por manifestações por melhores condições de vida. Ao Expresso, Rossana Castiglioni, da Universidade Diego Portales, de Santiago do Chile, aponta dois fatores que podem levar ao recrudescimento dos protestos: “A capacidade de os sistemas de saúde absorverem uma procura crescente por cuidados especializados, camas de cuidados intensivos e ventiladores. E a capacidade de os países adotarem medidas que permitam mitigar os efeitos da crise económica, que ocorrerá de qualquer maneira, sobretudo junto dos mais vulneráveis. Sem políticas que resolvam a perda de rendimentos e o acesso a bens e serviços básicos, os conflitos podem escalar.”
Como em 2019, a fachada da Torre Telefónica, em Santiago, voltou recentemente a iluminar-se com um slogan projetado por um estúdio de arte local. Dizia apenas: “Fome.”
(FOTO Um trapo branco sinaliza um pedido de comida neste casebre em San Salvador JOSE CABEZAS / REUTERS)
Artigo publicado no “Expresso”, a 30 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui
























