Porque é que a família de Tareq voltou por um dia para jantar nas ruínas da sua casa

Em duas cidades sírias, habitantes regressaram às casas de onde fugiram durante bombardeamentos, e que agora não passam de um amontoado de destroços, para quebrar o jejum do Ramadão. Um fotógrafo local, que registou esses momentos, explica ao Expresso o porquê destas refeições entre escombros

A guerra obrigou a família de Tareq Abu Ziad a fugir de casa, na cidade síria de Ariha. O cessar-fogo que se lhe seguiu possibilitou que regressasse ao que dela resta, ainda que por apenas um dia, para um ato simbólico: cumprir ali um “iftar”, a refeição após o pôr do sol com que os muçulmanos quebram diariamente o jejum do Ramadão.

Acomodados sobre três colchões de espuma, que ali estenderam após afastarem o entulho para abrir uma clareira, estão oito membros de uma mesma família: Tareq Abu Ziad, de 29 anos, a mulher, quatro filhos, a mãe e a irmã.

Ao centro, sobre um tapete, há copos e embalagens com comida que a família trouxe consigo. À volta, por companhia, apenas edifícios tão esventrados quanto o deles e memórias de tempos felizes.

“Esta família quis fazer esta refeição no meio de casas destruídas para mostrar ao mundo o grande sofrimento que se vivem em Idlib, e especialmente em Ariha”, diz ao Expresso Aaref Watad, o fotógrafo sírio que captou as imagens, algumas delas com recurso a um drone. “Eles queriam partilhar a sua história e, como eu sou jornalista, fizeram-me chegar essa vontade através de conhecidos em comum.”

FOTOGALERIA Família de Idlib quebra o jejum do Ramadão junto à sua casa destruída

Alojamento barato no meio dos destroços

Ariha é uma cidade da província de Idlib, no noroeste da Síria. Nove anos após o início da guerra, a região é um dos últimos focos de resistência ao regime de Bashar al-Assad.

Em finais do ano passado, quando Ariha estava nas mãos de grupos rebeldes e jiadistas, uma ofensiva militar desencadeada por tropas leais ao Presidente e apoiada pela Força Aérea russa provocou o êxodo de cerca de um milhão de pessoas, em poucas semanas.

“Ariha foi completamente destruída”, testemunha o fotógrafo, que vive na cidade de Al-Dana, perto da fronteira com a Turquia, na mesma província. “A maioria das casas foram bombardeadas.”

Com o calar das armas, muitos habitantes arriscaram regressar à cidade e procuraram alojamento barato entre as ruínas. Foi o caso desta família, que voltou a Ariha em abril. “Atualmente, a família vive na cidade, num local próximo da antiga casa”, diz Aaref Watad.

“Eles não têm quaisquer planos para reconstruir a casa. É muito caro e eles não têm meios. E além disso, não é clara a situação em Idlib, não sabemos se a guerra vai começar outra vez ou se vai terminar.”

Vizinhos que a guerra separou

Para leste de Idlib, a província de Alepo — igualmente fronteira à Turquia — é outro bastião da oposição ao regime sírio. Nesta região, o fotógrafo registou outra refeição entre ruínas.

Na cidade de Atareb, uma organização de jovens voluntários designada Maan, que opera em situações de emergência, promoveu uma refeição para antigos vizinhos numa rua agora ladeada por prédios esventrados.

Num espaço a céu aberto, foi estendida no solo uma toalha comprida para colocar embalagens com a comida, garrafas de água e iogurtes líquidos. Rodeados por montes de cascalho, dezenas de homens descalçaram-se antes de se sentarem no chão, à volta daquela mesa improvisada.

FOTOGALERIA Antigos vizinhos regressam à zona onde moravam para um jantar entre ruínas

“O objetivo foi reunir antigos moradores daquela rua perto das suas casas em ruínas para tomarem o ‘iftar’ em conjunto. E, ao mesmo tempo, mostrar o nível de destruição em Atareb”, conta o fotógrafo. “Todas estas pessoas continuam a viver no mesmo bairro ou perto. Vivem em casas que não foram danificadas.”

Antes do convívio, membros da Defesa Civil Síria — organização mais conhecida por Capacetes Brancos — desinfetaram o local contra a covid-19. Um novo drama dentro do drama.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Antigos vizinhos regressam à zona onde moravam para um jantar entre ruínas

Viviam todos na mesma zona de Atareb, na província de Alepo, até os bombardeamentos ordenados por Bashar al-Assad ter reduzido o bairro a cinzas. Dezenas de homens regressaram agora para um jantar simbólico

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Estes homens são antigos vizinhos. Moravam nesta zona da cidade síria de Atareb, na província de Alepo, até ser bombardeada AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
A refeição foi organizada por uma organização local de jovens voluntários AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Membros dos Capacetes Brancos desinfetaram o local antes de ser estendida a toalha AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Enquanto esperam que o sol se ponha, para iniciar o “iftar” (a quebra do jejum do Ramadão), estes homens põem a conversa em dia AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Um jantar ao ar livre, rodeado por montes de entulho, na cidade síria de Atareb AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Família de Idlib quebra o jejum do Ramadão junto à sua casa destruída

Na cidade de Ariha, província de Idlib, uma família que viu a sua casa ser arrasada por bombardeamentos regressou ao local para quebrar o jejum do Ramadão. Com esta refeição simbólica quis recordar tempos felizes e mostrar ao mundo o sofrimento que se vive na Síria, nove anos após o início da guerra

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Uma família de oito pessoas regressou ao que resta da sua antiga casa, na cidade síria de Ariha, para partilhar uma refeição AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Esta família teve de fugir de casa quando forças do regime sírio, apoiado por bombardeamentos aéreos russos, atacaram Ariha AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
À volta desta mesa estão um casal com quatro filhos, mais a mãe e a irmã do homem AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Ariha é uma cidade da província de Idlib, um dos últimos bastiões da oposição a Bashar al-Assad AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Esta família síria voltou a viver na mesma cidade, num sítio próximo à sua antiga casa AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Afastado o entulho, estende-se colchões para acomodar a família e tornar possível a refeição AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES
Uma presença humana quase impercetível no meio de tanta destruição AAREF WATAD / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Coronavírus, um amigo para líderes políticos em apuros

Na Europa, o combate ao coronavírus catapultou alguns líderes políticos para níveis de popularidade impensáveis. Para outros, como no Reino Unido e Japão, a mudança de estratégia de combate à pandemia está a penalizar os índices de aprovação dos governantes. Já para Donald Trump, a pandemia é mais um palco para mostrar o seu lado combativo, a meio ano de tentar a reeleição nas eleições presidenciais marcadas para 3 de novembro

O novo coronavírus veio momentaneamente resolver problemas de popularidade a uns quantos líderes políticos. O caso mais flagrante talvez seja o do primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, que estava sob críticas por ter reagido tarde e de forma desastrada à época dos fogos florestais, que se tornou uma das mais devastadoras da história do país.

Uma sondagem realizada entre 22 e 25 de abril atribuiu ao conservador uma taxa de aprovação junto do eleitorado de 68%, a segunda mais alta para um chefe de Governo australiano desde 2008. E revelou que para 56% dos inquiridos, Morrison é o político certo à frente do Executivo, enquanto apenas 28% preferiam ter no cargo o trabalhista Anthony Albanese, líder da oposição.

No grupo dos líderes cuja popularidade cresceu na casa dos dois dígitos pela forma como estão a reagir ao coronavírus está o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau. Depois de um período de quarentena voluntária — determinado pelo teste positivo à covid-19 da sua mulher, após viagem a Londres —, o governante tem dado a cara todos os dias em briefings realizados em frente a sua casa, em Otava. E tem capitalizado com isso.

Segundo a última atualização do “Trudeau tracker”, do Instituto Angus Reid, o governante canadiano tinha, em abril, uma taxa de aprovação de 54%, quando em fevereiro estava nos 33%. Trudeau já não obtinha tão boa apreciação pública desde meados de 2017.

Há cerca de duas semanas, a revista norte-americana “The Atlantic” defendia que Jacinda Ardern, a primeira-ministra da Nova Zelândia, de 39 anos, “pode ser a líder mais eficaz do planeta”. Numa consulta de opinião realizada entre 21 e 27 de abril — quando o país estava ainda em fase de confinamento —, a popularidade da trabalhista atingiu os 65%, contra escassos 7% do líder da oposição conservadora, Simon Bridges.

“O estilo de liderança de Jacinda Ardern, focado na empatia, não tem ressonância apenas junto do seu povo — está a colocar o país na rota do sucesso contra o coronavírus”, lê-se na revista “The Atlantic”.

António Costa entre os mais reconhecidos

Na Europa — que sucedeu à China como epicentro da pandemia —, o combate ao novo coronavírus alterou a perceção pública de muitos governantes, transformando-os em homens de ação, com reflexo nas taxas de popularidade.

Em Itália, o primeiro-ministro Giuseppe Conte chegou aos 71% de aprovação; na Holanda, Mark Rutte tem 75%; na Áustria o chanceler Sebastian Kurz atingiu os 77%; na Dinamarca e na Alemanha, respetivamente, Mette Frederiksen e Angela Merkel ficaram apenas a um ponto dos 80%.

Também em Portugal, a crise pandémica elevou o chefe de Governo ao patamar dos líderes mais reconhecidos. Segundo a sondagem de domingo do “Jornal de Notícias” e da TSF, “António Costa continua a bater recordes de aprovação”, com 74% de apreciações positivas à forma como tem gerido esta crise de saúde pública — um aumento de 14% em relação há um mês.

Ainda que com resultados mais modestos, há dirigentes para quem esta crise ajudou a estancar a queda de popularidade que vinham a sofrer. Com muita contestação nas ruas de França há mais de um ano — centrada no movimento dos coletes amarelos —, Emmanuel Macron tem travado um duplo combate: contra a covid-19 e contra as más sondagens, que não lhe permitem descolar do rótulo de líder impopular.

Em março — foi no dia 11 que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia —, o Presidente francês subiu ao verde, com 51% de aprovação. Foi sol de pouca dura, já que em abril a sua popularidade voltou a descer, para os 42%.

Quem também não sai do vermelho é o britânico Boris Johnson, que já viveu o problema da covid-19 na primeira pessoa. Passou três noites nos cuidados intensivos, de um total de sete dias de internamento no hospital St. Thomas, em Londres.

O Reino Unido iniciou o combate à pandemia apostando na imunidade de grupo — permitindo de forma consciente que milhões de pessoas fossem infetadas —, mas os custos humanos que a estratégia teria obrigaram o Governo a uma mudança de rumo. A situação tarda em estabilizar e, hoje, é o quarto país com mais casos positivos e o segundo com mais vítimas mortais, mais de 32 mil. Isso traz custos políticos para Boris Johnson.

Segundo o barómetro YouGov, o primeiro-ministro britânico não vai além dos 34% de aprovação pública. Ainda assim, recorda o jornal “The Daily Express”, “embora o índice geral de aprovação pareça baixo, ainda assim é 9% mais popular do que Theresa May”, sua antecessora, à época em que deixou funções em Downing Street.

Shinzo Abe em dificuldades olímpicas

No Japão, um dos primeiros países a reportar casos de covid-19, que de início, resistiu a aplicar medidas de confinamento, Shinzo Abe tem acumulado dores de cabeça, em especial após o adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio para 2021. Esta segunda-feira, o primeiro-ministro prolongou o estado de emergência decretado para todos os municípios do país até 31 de maio, em virtude das dificuldades em controlar a pandemia.

Uma sondagem realizada para o jornal “Mainichi Shimbun”, em 18 e 19 de abril, revelou que apenas 39% dos inquiridos aprovam a gestão da crise do primeiro-ministro, uma queda de dez pontos comparativamente à auscultação de março.

Nos Estados Unidos, Donald Trump está “indo bem, apesar das notícias falsas!”, escreveu, no domingo passado, o Presidente na rede social Twitter.

Divulgada a 28 de abril, a última sondagem da Gallup — empresa experiente na quantificação da aprovação dos presidentes, desde 1938 — atribui a Trump 49% de aprovação e 47% de reprovação. Na pesquisa anterior, a 14 de abril, as percentagens eram, respetivamente, de 43% e 54%.

Donald Trump começou mal o combate ao coronavírus, tendo mesmo ignorado, ainda em janeiro, alertas feitos por um conselheiro sobre o novo vírus. Mas as acusações que faz à China, responsabilizando-a de não ter ter estancado a pandemia à nascença, bem como à Organização Mundial de Saúde, que diz ser cúmplice de Pequim, contribuem para uma imagem combativa. E que Trump quererá manter a escassos seis meses de tentar a reeleição.

(IMAGEM PXHERE)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui

Conferência de doadores vai tentar angariar 7500 milhões de euros para desenvolver vacina

A verba cobrirá apenas “necessidades iniciais”, alertam seis líderes europeus numa carta conjunta. “Fabricar e entregar medicamentos à escala global exigirá recursos bem acima dessa meta”. A conferência de doadores, que decorre esta segunda-feira, é liderada pela União Europeia. António Costa representa Portugal

A corrida por uma vacina contra a covid-19 tem, esta segunda-feira, um impulso importante com a realização, esta segunda-feira, de uma conferência “online” de doadores (com início às 14 horas de Portugal Continental). A iniciativa, onde Portugal estará representado pelo primeiro-ministro António Costa) visa angariar 7500 milhões de euros para aplicar numa resposta global à covid-19.

“Nenhum de nós está imune à pandemia e nenhum de nós pode derrotar este vírus sozinho”, declararam, numa carta conjunta, o Presidente de França, a chanceler da Alemanha, os primeiros-ministros de Itália e Noruega, bem como os presidentes da Comissão e do Conselho Europeu.

“Os fundos que arrecadarmos” — que serão canalizados para reconhecidas organizações da área da saúde como CEPI, Gavi, Vaccines Alliance, Global Fund e Unitaid — “darão início a uma cooperação global sem precedentes entre cientistas e reguladores, indústria e governos, organizações internacionais, fundações e profissionais de saúde”, defendem os líderes europeus.

Emmanuel Macron, Angela Merkel, Giuseppe Conte, Erna Solberg, Ursula von der Leyen e Charles Michel, respetivamente, defenderam que este “desafio global” passa por “reunir as melhores e mais preparadas mentes do mundo para encontrar as vacinas, tratamentos e terapias de que necessitamos para tornar o nosso mundo novamente saudável”.

Em causa está não só o desenvolvimento rápido de uma vacina e tratamentos à covid-19 como também a garantia de acesso e da sua distribuição onde haja necessidade.

Na carta, os líderes europeus declararam apoio à Organização Mundial de Saúde (OMS) e anunciaram parcerias com organizações experientes como a Fundação Bill e Melinda Gates e o Wellcome Trust.

“Se conseguirmos desenvolver uma vacina que seja produzida pelo mundo e para todo o mundo, isso será um bem público global único do século XXI”, defenderam os líderes europeus, que alertam: “Sabemos que esta corrida será longa. A partir de hoje, correremos na direção do nosso primeiro objetivo, mas em breve estaremos prontos para uma maratona. A meta atual cobrirá apenas as necessidades iniciais: fabricar e entregar medicamentos à escala global exigirá recursos bem acima dessa meta.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de maio de 2020. Pode ser consultado aqui