Há cidadãos estrangeiros ou com dupla nacionalidade, alguns deles académicos, detidos arbitrariamente no Irão em nome de interesses superiores da República Islâmica. Roland Marchal, um sociólogo francês libertado há três meses, partilha a sua experiência com o Expresso

Roland Marchal está em liberdade há 87 dias. E ainda que, por estes dias, a pandemia de covid-19 limite os movimentos daquele que é um dos maiores especialistas franceses na área dos conflitos em África, nada é comparável aos quase dez meses que passou na sinistra prisão iraniana de Evin, nos arredores de Teerão.
“Nunca fui espancado ou torturado”, diz ao Expresso. Mas “o isolamento absoluto era aterrorizante, especialmente no início quando eu não compreendia porque estava detido. Eu preciso da luz do dia, de livros, de saber como estão os meus familiares, adoro o meu trabalho. Tudo isso desapareceu no momento da minha prisão”.
O francês esteve encarcerado entre 5 de junho de 2019 e 20 de março passado, numa ala de alta-segurança controlada pelos Guardas da Revolução.
“Para ser rigoroso, não tenho uma explicação para a minha detenção. O que sei é que depois de ser libertado e deixar o Irão houve uma troca, envolvendo um engenheiro iraniano [Jalal Rohollahnejad] descrito pela imprensa como próximo dos Guardas da Revolução e que tinha sido preso em França em fevereiro de 2019. Dias antes da minha prisão [no aeroporto de Teerão], a perspetiva desse iraniano ser extraditado para os Estados Unidos tinha-se tornado possível”. A detenção de Roland parou o processo.
O francês deslocara-se ao Irão para visitar a namorada, a antropóloga Fariba Adelkhah, cidadã franco-iraniana que, como Roland, é investigadora no prestigiado Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po). Ambos planeavam passear pelo país — “ainda estávamos a discutir se iríamos visitar Tabriz ou Mahalat”, diz Roland —, mas ele não passou das formalidades no aeroporto.
Semanas depois de estar preso, viria a descobrir que Fariba também estava detida no mesmo local — ambos acusados de “conluio para ameaçar a segurança interna no Irão” e ela também de “propaganda”.
Mas os processos de ambos tiveram desfechos opostos: enquanto Roland foi libertado em março passado, Fariba foi condenada em maio a seis anos de prisão — a sua dupla nacionalidade de pouco lhe vale, já que a República Islâmica não reconhece esse estatuto.
Na prisão, o francês teve a certeza que os motivos que levaram à sua detenção em nada se deviam à sua conduta. “Durante os interrogatórios, tive a impressão que o objetivo das acusações fantasiosas formuladas contra mim visava, acima de tudo, dificultar as boas relações entre a França de Emmanuel Macron e o Irão de Hassan Rouhani”, recorda.
“Falaram-me a primeira vez do caso do engenheiro iraniano detido em França em meados de janeiro quando eu fiz greve de fome por não me deixarem falar com a minha família, ver o meu advogado e receber novos livros. Explicaram-me que as minhas condições de detenção eram ditadas pelas condições do engenheiro iraniano. Depois confirmaram mais em detalhe durante um interrogatório.”
Pena pesada por contactar com o inimigo
Nos calabouços iranianos há vários académicos estrangeiros ou com dupla nacionalidade que — suspeita-se — estão destinados a funcionar como moeda de troca. Um deles poderá ser o conservacionista iraniano-americano Morad Tahbaz, co-fundador da Persian Wildlife Heritage Foundation, detido em janeiro de 2018 juntamente com mais oito membros da sua organização.
Em novembro passado, a justiça iraniana não foi branda e condenou-o a dez anos de prisão por “contactos com o Governo inimigo dos Estados Unidos”. A 5 de junho, quando se assinalou o Dia Mundial do Ambiente, o Departamento de Estado dos Estados Unidos divulgou um vídeo apelando à libertação de Morad Tahbazen.
Roland Marchal acredita que a detenção de alguns académicos é “uma resposta a prisões que se multiplicaram especialmente nos Estados Unidos desde que Donald Trump chegou ao poder e, acima de tudo, desde o fim da sua participação no acordo sobre o nuclear”.
Um caso recente envolve Sirous Asgari, de 59 anos, um cientista iraniano da área das baterias de iões de lítio, doutorado numa universidade da Pensilvânia. Detido nos Estados Unidos em 2016, acusado de tentativa de roubo de segredos relativos a um projeto de investigação, foi ilibado em finais de 2019, mas continuou preso indefinidamente num centro de detenção para imigrantes na Louisiana.
Só em maio passado, após dizer ao jornal britânico “The Guardian” que temia não sobreviver à covid-19 dado o tratamento “desumano” de que era alvo, foi autorizado a regressar a casa. A sua libertação produziu resultados e a 4 de junho, Teerão abriu as portas da cadeia a Michael White, de 48 anos, um veterano da Marinha dos EUA detido no Irão durante 683 dias. No mesmo dia, no Twitter, o Presidente Donald Trump anunciava a libertação.

Esta estratégia poderá, porém, não ser consensual entre as autoridades iranianas. “Desde 1979 que não é óbvio quem são ‘as autoridades iranianas’”, comenta o francês. “O Presidente Hassan Rouhani [moderado] e seu Governo estão cientes de que estas prisões reduzem a sua capacidade negocial”, no seu caso pessoal com a França e, até certo ponto, com os europeus.
“Talvez seja isso que os Guardas da Revolução que nos prenderam [e que pertencem à ala dura do regime] quiseram em primeiro lugar.” Dificultar o diálogo com o estrangeiro para cerrar fileiras em torno de um poder cada vez mais conservador.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de junho de 2020. Pode ser consultado aqui











































