Dois países da região do Golfo Pérsico assinam esta terça-feira acordos de normalização diplomática com Israel. Nos últimos meses, a Administração Trump fez deste assunto uma prioridade e desenvolveu intensos contactos com outros países da região do Médio Oriente e não só, visando quebrar o isolamento internacional do Estado hebraico

Vinte e seis anos depois, a Casa Branca volta a abrir portas para possibilitar a assinatura de um acordo “de paz” relativo ao Médio Oriente. É assim que são apresentados os pactos celebrados entre Israel, por um lado, e Emirados Árabes Unidos e Bahrain, pelo outro, ainda que nenhum dos signatários tenha alguma vez estado em guerra.
Esta terça-feira, a relação diplomática entre Israel e os Emirados será normalizada através de um “Tratado de Paz” e a que envolve o Bahrain através de uma “Declaração de Paz”. A Administração Trump, que fez a mediação, designou esta conquista diplomática de Acordos de Abraão.
Por Israel, assina esses documentos históricos o primeiro-ministro Benjamin Netahyahu. “Passaram 26 anos entre o segundo acordo de paz com um país árabe [com a Jordânia, em 1994] e o terceiro [com os Emirados Árabes Unidos, anunciado a 13 de agosto passado]. Mas apenas 29 dias entre o terceiro e o quarto [com o Bahrain, anunciado a 11 de setembro]. E haverá mais”, garantiu o governante israelita.
Nas últimas semanas, por iniciativa do Governo dos Estados Unidos, têm-se multiplicado iniciativas junto de vários países — árabes e não só — com o intuito de tornar Israel um país menos isolado no Médio Oriente e criar uma frente de entendimento entre países que olham para o Irão como inimigo. O esforço tem-se concentrado sobretudo na região do Golfo Pérsico, onde já começou a produzir resultados.
EMIRADOS ÁRABES UNIDOS
Torna-se esta terça-feira o terceiro país árabe a reconhecer Israel a nível oficial, após o Egito em 1979 e a Jordânia em 1994. “Este avanço histórico abrirá um novo capítulo de oportunidades e estabilidade para a região. Agora que a anexação [israelita do território palestiniano da Cisjordânia] foi descartada, podemos trabalhar juntos na construção dessa base sólida de paz”, afirmou Yousuf al-Otaiba, embaixador dos Emirados nos Estados Unidos.
O novo acordo prevê o desenvolvimento de relacões comerciais, a intensificação do turismo, a realização de voos diretos, cooperação científica e abertura de embaixadas — não sendo certo, para já, que a delegação dos Emirados fique instalada em Jerusalém.
Num primeiro passo rumo a essa normalização, os Emirados aboliram, a 29 de agosto, uma lei que boicotava Israel e, na prática, inviabilizava o desenvolvimento de relações comerciais e financeiras entre as duas nações. Dois dias depois, a realização do primeiro voo comercial entre Telavive e Abu Dabi começava a dar cor a essa nova realidade.
A autorização da Arábia Saudita para que o avião da israelita El Al atravessasse o seu espaço aéreo — encurtando o voo de sete para pouco mais de três horas — foi outra medida inédita. Implicitamente, Riade não se opõe à aproximação entre os Emirados e o Estado judeu: o tempo dirá se também seguirá nesse caminho.
BAHRAIN
O anúncio da normalização da relação entre o Bahrain e Israel aconteceu a 11 de setembro, dia em que os Estados Unidos assinalavam o 19.º aniversário dos atentados terroristas de 2001. “Não há resposta mais poderosa ao ódio que gerou o 11 de Setembro do que este acordo”, disse Trump, no próprio dia.
Ao contrário dos Emirados, o Bahrain já tinha retirado do seu ordenamento jurídico legislação anti-Israel, em 2005, após assinar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos durante a presidência de George W. Bush.
Na hora de tornar público o estabelecimento de relações diplomáticas com Israel, também Manama — à semelhança de Abu Dabi — não esqueceu a questão palestiniana. Israel e o Bahrain “continuarão os seus esforços para alcançar uma solução justa, abrangente e duradoura para o conflito israelo-palestiniano e permitir que o povo palestiniano concretize todo o seu potencial”, lê-se num comunicado conjunto divulgado pelos dois países e pelos EUA, que tem a sua Quinta Frota sediada precisamente nesta pequena ilha do Golfo Pérsico.
OMÃ
Tal como os Emirados e o Bahrain, também o sultanato de Omã recebeu recentemente a visita do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, num périplo por vários países do Médio Oriente e África com quase um ponto único na agenda: a aproximação a Israel.
Omã acolheu positivamente o estabelecimento de relações entre Israel e os dois vizinhos do Golfo, suscitando muitas interrogações sobre se este país poderá ser a próxima peça do dominó a tombar. Omã tem desenvolvido contactos secretos com Israel e em 2018 recebeu mesmo a visita de Netanyahu, que não tem muitas portas abertas na região.
SUDÃO
Quando do périplo de Mike Pompeo pela região, o Sudão foi outro dos Estados árabes visitados e sondados. O país vive uma fase de transição iniciada com a deposição de Omar al-Bashir — ao fim de 30 anos no poder — e tem como prioridade a aceitação internacional e a saída da lista dos Estados-párias associados ao terrorismo.
Em fevereiro passado, após encontro no Uganda entre o atual Presidente do Sudão, Abdel Fattah al-Burhan, e Netanyahu, o gabinete do primeiro-ministro israelita fez saber que “ficou acordado o início de uma cooperação que conduzirá à normalização dos laços entre os países”.
No final de agosto, em entrevista à televisão Channel 13, o ministro da Informação israelita, Eli Cohen, afirmou: “Haverá, este ano, outro [acordo] com um país africano. Na minha opinião, o Sudão também assinará um acordo de paz com o Estado de Israel”.
No Sudão, contudo, a questão não é consensual. Recentemente um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi despedido após dizer que estava iminente um acordo entre Cartum e Telavive. “O que afirmei refletiu a política do nosso Governo relativamente à normalização com Israel, porque há contactos e reuniões políticas abertas ao mais alto nível governamental”, reagiu depois Haydar Sadig.
Também a causa palestiniana é argumento para haver sectores no Sudão que rejeitam o diálogo com Israel. “Defendemos os direitos do povo palestiniano e estamos contra a normalização com Israel”, afirmou Sadiq Yousef, membro do Comité Central do Partido Comunista do Sudão.
SÉRVIA E KOSOVO
Os esforços da Administração Trump para minimizar o isolamento internacional de Israel não se ficam pelo mundo árabe. A 4 de setembro, a Casa Branca foi cenário de dois dias de conversações entre o Presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, e o primeiro-ministro do Kosovo, Avdullah Hoti, que terminaram com a formalização de um acordo de cooperação económica, assinado na Sala Oval. “É um facto histórico”, celebrou Trump. “Tenciono visitar os dois países num futuro não muito distante.”
Nesse dia histórico para sérvios e kosovares, Trump conseguiu que o fosse também para Israel, ao anunciar que a Sérvia vai mudar a sua embaixada em Israel de Telavive para Jerusalém (como fez Washington) e que o Kosovo — antiga província sérvia de maioria muçulmana —, vai em breve reconhecer o Estado judeu.
Esta aproximação entre sérvios e kosovares acontece 21 anos após os 78 dias de bombardeamentos da NATO sobre a Sérvia, com o intuito de acabar com a repressão aos albaneses do Kosovo. Este território declarou a sua independência da Sérvia em 2008, mas as tensões continuam e Belgrado nunca reconheceu a soberania kosovar. Trump bem pode dizer que a paz está mais próxima destes dois países graças à sua liderança.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 15 de setembro de 2020. Pode ser consultado aqui