Trump: 25 tweets polémicos

Escolheu o Twitter como megafone para os seus mais de 87 milhões de seguidores. Em menos de 280 carateres, Trump ameaçou países, insultou adversários e demitiu colaboradores

No lindo Midwest, as temperaturas geladas estão a chegar aos 60 graus negativos, o mais frio alguma vez registado. Nos próximos dias, é esperado ainda mais frio. As pessoas não podem ficar fora mesmo durante minutos. Que raio se passa com o Aquecimento Global? Por favor, volta depressa, nós precisamos de ti!

Devíamos ter um concurso para saber qual das estações de televisão, incluindo a CNN mas não a Fox, é a mais desonesta, corrupta e/ou distorcida na sua cobertura política ao vosso Presidente favorito (eu). São todas más. A vencedora recebe o TROFÉU NOTÍCIAS FALSAS!

Mike Pompeo está a fazer um grande trabalho, tenho muito orgulho nele. O seu antecessor, Rex Tillerson, não tinha a capacidade mental necessária. Era burro como uma pedra e eu não consegui livrar-me dele suficientemente rápido. Ele também era preguiçoso. Agora é todo um novo jogo, grande espírito no Departamento de Estado!

Quem consegue descobrir o verdadeiro significado de “covfefe”??? Divirtam-se!

Contexto:
Ninguém sabe ao certo o que significa, mas Trump aproveitou o sururu desencadeado nas redes sociais para voltar à carga. Num primeiro tweet, cuja escrita parece ter ficado a meio, ele digitou: “Apesar da constante covfefe negativa da imprensa.” Pensa-se que “covfefe” seja “coverage” (cobertura), escrito de forma atabalhoada. Trump apagaria o tweet inicial, mas “covfefe” já se tornara meme na internet. Na Wikipedia, há uma entrada sobre o assunto.

A Dinamarca é um país muito especial com pessoas incríveis, mas com base nos comentários da primeira-ministra, Mette Frederiksen, de que não teria interesse em discutir a compra da Gronelândia, eu adio o nosso encontro marcado para dentro de duas semanas para outra altura…

LIBERTEM A VIRGÍNIA, e salvem a grande segunda Emenda. Está em perigo!

Contexto:
Em quatro minutos, Trump disparou três tweets a defender a ‘libertação’ dos estados do Minnesota, Michigan e Virgínia, todos liderados por governadores democratas. As publicações são uma referência às medidas restritivas, então em vigor em vários estados por causa da pandemia de covid-19, que contrariavam a intenção do Presidente de reabrir a economia de todo o país. A segunda emenda da Constituição protege o direito do indivíduo ao porte de arma.

https://twitter.com/realDonaldTrump/status/1313186529058136070

Vou deixar o grande Centro Médico Walter Reed hoje às 18h30. Estou a sentir-me mesmo bem! Não tenham medo da covid. Não deixem que ela domine a vossa vida. Sob a Administração Trump, temos desenvolvido alguns medicamentos e conhecimento realmente ótimos. Sinto-me melhor do que há 20 anos!

Para o Presidente iraniano Rohani: NUNCA MAIS VOLTE A AMEAÇAR OS ESTADOS UNIDOS OU IRÁ SOFRER CONSEQUÊNCIAS COMO POUCOS AO LONGO DA HISTÓRIA SOFRERAM ANTES. JÁ NÃO SOMOS UM PAÍS QUE APOIA AS VOSSAS PALAVRAS DEMENTES DE VIOLÊNCIA & MORTE. TENHA CUIDADO!

Parabéns a Boris Johnson pela sua grande VITÓRIA! A Grã-Bretanha e os Estados Unidos agora estarão livres para fechar um novo Acordo Comercial maciço após o BREXIT. Este acordo tem o potencial para ser muito maior e mais lucrativo do que qualquer acordo que pudesse ser feito com a União Europeia. Comemore Boris!

Tenho grande confiança no Rei Salman e no Príncipe Herdeiro da Arábia Saudita, eles sabem exatamente o que estão a fazer…

A revista Time ligou a dizer que PROVAVELMENTE eu iria ser nomeado “Homem (Pessoa) do Ano”, como no ano passado, mas que eu teria de concordar com uma entrevista e uma sessão fotográfica. Eu disse que provavelmente não é uma boa ideia e declinei. Obrigado de qualquer forma!

O louco do Joe Biden está a tentar agir como um durão. Na realidade, ele é fraco, tanto mental como fisicamente, e mesmo assim ameaça-me, pela segunda vez, com agressão física. Ele não me conhece, mas seria derrotado depressa e duramente, chorando todo o tempo. Não ameace pessoas, Joe!

Rússia, Rússia, Rússia! É tudo o que se ouvia no início deste Embuste de Caça às Bruxas… E agora a Rússia desapareceu porque eu não tive nada a ver com a ajuda da Rússia para que fosse eleito. Foi um crime que não existiu.

Estamos unidos nos nossos esforços para derrotar o Vírus Invisível da China, e muitas pessoas dizem que é Patriótico usar máscara quando não se pode manter distância social. Não há ninguém mais Patriota do que eu, o vosso Presidente favorito!

Uma tendência em alta (no Google) desde imediatamente a seguir ao segundo debate é POSSO MUDAR O MEU VOTO? Isto refere-se a mudá-lo para mim. A resposta na maioria dos estados é SIM. Vão fazê-lo. A mais importante Eleição das vossas vidas!

Contexto:
É falso que a maioria dos estados permita mudar o voto: só acontece no Alasca, Michigan, Minnesota, Mississípi e Wisconsin. Em Nova Iorque, não há uma disposição específica, mas os eleitores que já tenham votado podem voltar a votar presencialmente no dia das eleições (só conta o voto presencial).

Ser simpático com o Rocket Man não funcionou durante 25 anos, porque haveria de funcionar agora? Clinton falhou, Bush falhou, e Obama falhou. Eu não vou falhar.

Muito interessante ver congressistas democratas “progressistas”, que vieram de países cujos governos são uma catástrofe completa e total, os piores, mais corruptos e ineptos em qualquer parte do mundo (se é que têm um governo funcional), dizerem agora ruidosa e maldosamente ao povo dos Estados Unidos, a melhor e mais poderosa nação da Terra, como o nosso governo deve ser gerido. Porque não voltam e ajudam a consertar os lugares destruídos e infestados de crime de onde vieram?

Contexto:
As congressistas democratas a que Trump se refere são Alexandria Ocasio-Cortez, Ayanna Pressley, Ilhan Omar e Rashida Tlaib. Deste quarteto apenas Omar não nasceu nos EUA, tendo chegado ao país com oito anos como refugiada de guerra da Somália. O ataque presidencial foi motivado pelo testemunho das congressistas na Câmara dos Representantes em que falaram das condições desumanas que presenciaram durante visitas a instalações de detenção de migrantes no Texas.

Precisamos do Muro para segurança e proteção do nosso país. Precisamos do Muro para ajudar a parar a entrada maciça de droga a partir do México, agora classificado como o país mais perigoso do mundo. Se não houver Muro, não há Acordo!

Por que razão haveria Kim Jong-un de me insultar chamando-me “velho”, quando eu NUNCA lhe chamaria “baixo e gordo”? Ah bem, eu tento tanto ser amigo dele — e talvez um dia isso aconteça!

TORNE A AMÉRICA GRANDE OUTRA VEZ!

De que serve a NATO se a Alemanha paga milhares de milhões de dólares à Rússia por gás e energia? Porque é que só há cinco de 29 países que honram o seu compromisso? Os EUA pagam pela proteção da Europa e depois perdem milhares de milhões em comércio. Têm de pagar 2% do PIB IMEDIATAMENTE, não até 2025.

Estes BANDIDOS estão a desonrar a memória de George Floyd e eu não vou deixar que isso aconteça. Acabei de falar com o governador Tim Walz e disse-lhe que os militares estão totalmente com ele. Qualquer dificuldade e assumo o controlo mas, quando a pilhagem começa, o tiroteio começa. Obrigado!

NOTÍCIAS FALSAS SÃO O INIMIGO DO POVO!

Começamos a ter avaliações MUITO boas da nossa gestão do coronavírus (o vírus da China), especialmente quando comparadas com outros países e áreas do mundo. Agora as vacinas estão a chegar e depressa!

Obama tem sorte por ter concorrido contra Mitt Romney, um homem com muito pouco talento ou capacidade política, por oposição a alguém que sabe como lutar e vencer!

Artigo publicado no “Expresso”, a 31 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Halloween em tempos de pandemia… e de eleições

A tradição não olha a imprevistos e como tal, nos Estados Unidos, nem a pandemia nem a campanha eleitoral impedem os norte-americanos de celebrar o Halloween. Seguem-se 20 fotos de uma festa que chega a ser um susto

Em contagem decrescente para as eleições presidenciais, este esqueleto de Halloween apela à participação, em Falls Church, Virgínia KEVIN LAMARQUE / REUTERS
Apoio a Joe Biden e Kamala Harris, numa casa de Nashville, Tennessee. Aqui não se esqueceu a época de Halloween JUSTIN SULLIVAN / GETTY IMAGES
Máscaras para vários gostos, numa rua de Nova Iorque CINDY ORD / GETTY IMAGES
Apelo ao voto esculpido numa abóbora de Halloween, em Hanover, Massachusetts DAVID L. RYAN / GETTY IMAGES
Nesta casa em Washington D.C., até os esqueletos decorativos protegem-se com máscara e procuram manter a distância social TOM BRENNER / REUTERS
Protegido do frio e do novo coronavírus, no bairro nova-iorquino de Upper West Side ALEXI ROSENFELD / GETTY IMAGES
Cartaz de apoio à dupla democrata candidata à Casa Branca numa vivenda “aterrorizada”, em Nashville, Tennessee JUSTIN SULLIVAN / GETTY IMAGES
A “selfie” da praxe, num espaço de atrações dedicado ao Halloween, em Buena Park, Califórnia MIKE BLAKE / REUTERS
Com muitos eventos de Halloween cancelados, em virtude da pandemia, nesta casa nova-iorquina celebra-se dentro de portas CINDY ORD / GETTY IMAGES
Esqueletos de Halloween, “ao serviço” da campanha de Donald Trump, num jardim de uma casa de Warren, Ohio SHANNON STAPLETON / REUTERS
Eleições e Halloween disputam as atenções no jardim desta casa, em Los Angeles, Califórnia LUCY NICHOLSON / REUTERS
Discreta decoração de Halloween, numa casa do bairro de Upper West Side, em Nova Iorque ALEXI ROSENFELD / GETTY IMAGES
Votos garantidos para Donald Trump e Joe Biden, neste subúrbio de St. Paul, Minnesota BING GUAN / REUTERS
Uma abóbora ao serviço da sensibilização contra a covid-19, em Nova Iorque NOAM GALAI / GETTY IMAGES
“Vote como que se a sua vida dependesse disso”, apela-se nesta casa de Murray Hill, Nova Iorque, profusamente decorada para o Halloween NOAM GALAI / GETTY IMAGES
Junto a esta instalação alusiva ao Halloween, em La Cañada Flintridge, Califórnia, não faltam pessoas interessadas, e protegidas com máscara MARIO ANZUONI / REUTERS
Duas mulheres e dois esqueletos “à conversa”, num bairro de Wilmington, Delaware KEVIN LAMARQUE / REUTERS
Brincadeiras sob uma gigantesca teia de aranha, numa casa que apoia Joe Biden, em Youngstown, Ohio SHANNON STAPLETON / REUTERS
De máscara e resguardada dentro do carro, esta criança diverte-se a brincar às “Travessuras ou Gostosuras”, em Woodland Hills, Califórnia MARIO ANZUONI / REUTERS
“Obrigado por usar uma máscara” TIMOTHY A. CLARY / AFP / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

Quintas eleições porão fim ao ciclo de crises políticas?

Os israelitas vão às urnas pela quinta vez em 43 meses. Há 39 partidos no boletim, mas as legislativas tornaram-se um referendo a Benjamin Netanyahu. O líder da oposição quer regressar à cadeira do poder

1. Que eleições se realizam terça-feira?

Legislativas, as quintas em três anos e meio. As quatro anteriores tiveram resultados inconclusivos — em duas, os partidos mais votados ficaram separados por menos de 1% dos votos —, de que resultaram governos frágeis que pouco duraram. O último, liderado primeiro por Naftali Bennett e depois por Yair Lapid (de partidos diferentes), era apoiado por oito formações com agendas irreconciliáveis, da extrema-direita judaica aos árabes islamitas. A dificuldade em formar governos estáveis é um desafio de Israel desde a fundação (1948): sempre foram de coligação. No dia 1, vão a votos 39 forças políticas.

2. Que preveem as sondagens?

Todas as pesquisas de opinião desde o início da campanha eleitoral, a 15 de setembro, dizem que o Likud (direita), um dos partidos históricos de Israel, será o votado pelos 6.788.804 eleitores. A confirmar-se, a vitória poderá constituir, porém, um amargo de boca para o seu líder — Benjamin Netanyahu, o israelita que mais tempo esteve no cargo de primeiro-ministro —, já que, para formar um Executivo, terá de garantir o apoio de 61 dos 120 deputados. As últimas sondagens dão ao Likud 31-32 lugares, o que significa que terá pela frente a tarefa de conquistar o apoio de quase outros tantos no futuro Parlamento (Knesset).

3. Quem apoia e se opõe a Netanyahu?

“Bibi”, como é conhecido, tem o apoio de fações ultrarreligiosas (Shas e Judaísmo Unido da Torá) e do Partido Sionista Religioso (direita e extrema-direita). O bloco opositor é liderado pelo Yesh Atid (centro), do atual primeiro-ministro, a que se juntam partidos de centro, esquerda e árabes. Netanyahu tem ainda contra si o facto de estar a ser julgado por corrupção, o que faz com que deixe de ser hipótese de coligação, nomeadamente para Yair Lapid. Num país enredado na eterna questão da Palestina, na ameaça do Irão e no aumento do custo de vida, o tema fraturante destas eleições é a sua aptidão para liderar Israel.

4. Que tem dito e feito “Bibi”?

Com a maioria parlamentar a curta distância, tem batalhado por cada voto de forma criativa. Percorre quilómetros a bordo do “Bibi-bus”, um camião com parede lateral em vidro à prova de bala, atrás da qual, de microfone em punho, o ex-governante discursa para quem se acerca para ouvi-lo. Ambicioso e resiliente, “Bibi” — que governou entre 2009 e 2021 e de 1996 a 1999 — prometeu um Governo “forte, estável e nacional” e “anular o terrorismo, restaurar o orgulho nacional e reduzir o custo de vida”. E, ao melhor estilo do “amigo” Donald Trump, disse que o seu julgamento é “manipulado” e “uma piada”.

5. Quem pode viabilizar um Governo?

As sondagens projetam uma forte subida do partido de extrema-direita Poder Judaico (na lista do Partido Sionista Religioso). É liderado pelo ultranacionalista Itamar Ben-Gvir, famoso por tiradas incendiárias contra os palestinianos e por defender judeus radicais em tribunal. Vive num colonato na Cisjordânia, já foi condenado por incitamento ao racismo e, não raro, provocou os árabes visitando a Esplanada das Mesquitas rodeado de seguranças. Após dizer que Ben-Gvir era “impróprio” para integrar um Governo seu, Netanyahu abriu-lhe a porta esta semana dizendo que “decerto pode” ser seu ministro.

6. Que força tem o eleitorado árabe?

Os árabes são um quinto da população de Israel, mas tradicionalmente têm fraca afluência às urnas. Queixam-se de serem negligenciados e enfrentam hoje um agravamento da criminalidade nas zonas onde vivem. Quatro partidos árabes são presença regular nos boletins de voto e a experiência diz que a adesão dos eleitores é maior quando concorrem juntos. Nos últimos anos, tal não tem acontecido neste mosaico de fações sionista, comunista, islamita e nacionalista. Agora, irão a votos divididos em três: se não atingirem a fasquia de 3,25% ficam fora do Knesset.

Artigo publicado no “Expresso”, a 28 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui e aqui

Dez altos e baixos da política externa de Donald Trump

Três analistas comentam a diplomacia do 45º Presidente. Do braço de ferro com a China à ambiguidade em relação às alterações climáticas

1 PANDEMIA A covid-19 tomou o mundo de assalto e os EUA em particular, tornando-os o país mais castigado. Donald Trump desvalorizou o problema, descredibilizou a Organização Mundial da Saúde e, mesmo após ter sido infetado, ignorou o perigo promovendo comícios de multidões. “É a primeira vez desde o pós-guerra que os EUA não estão na primeira linha de uma resposta a uma crise internacional relevante”, diz Carlos Gaspar, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais. “É uma mudança profunda. A principal potência internacional abdica da sua posição como garante da ordem e da estabilidade internacional.”

2 CHINA Com origem em Wuhan, a pandemia acentuou a ‘guerra fria’ entre EUA e China, levando Trump a encher a boca com “o vírus chinês”. “Barack Obama defendia que era impossível uma estratégia de contenção da ascensão da China por causa da interdependência entre as economias americana e chinesa”, diz Carlos Gaspar. “Trump decidiu ou foi levado a alinhar com uma estratégia de contenção da China cujo primeiro passo decisivo é o desacoplamento tecnológico e comercial entre as duas maiores economias mundiais. Está a pôr em causa a dinâmica de globalização.”

3 COREIA DO NORTE Quando Trump chegou à Casa Branca, a Península da Coreia, e o mundo por arrasto, estava em polvorosa perante sucessivos ensaios nucleares norte-coreanos. Trump fez tábua rasa da prática presidencial que o precedeu e tornou-se o primeiro Presidente a pisar a Coreia do Norte. Esteve três vezes com Kim Jong-un, mas o diálogo não deu frutos: Pyongyang não desnuclearizou, e Washington não levantou as sanções. “O que se vê a esta distância é que o Presidente dos EUA ofereceu uma gigantesca photo op a um ditador cruel, que não é de confiar, a troco de quase nada”, diz Germano Almeida, autor de quatro livros sobre presidências americanas.

4 ISRAEL-PALESTINA Trump fez uma escolha clara quando, a 6 de dezembro de 2017, reconheceu Jerusalém como capital de Israel. Acentuou esse alinhamento pelo Estado judaico a 15 de setembro passado ao surgir como o anfitrião da assinatura dos Acordos de Abraão, pelos quais duas monarquias árabes sunitas (Emirados Árabes Unidos e Bahrein) reconheceram Israel. “São o culminar de quatro anos de política pró-Israel, de diabolização do Irão [persa xiita] e sobretudo o ponto de chegada da preferência clara pela Arábia Saudita [árabe sunita]”, diz Germano Almeida. “É bom ver Israel assinar a paz, mas é preciso ver o que se perdeu à conta disso.” Os palestinianos foram ignorados e o Irão espicaçado.

5 IRÃO Trump deu total prioridade ao isolamento do Irão e isso ficou patente a 8 de maio de 2018 quando retirou os EUA do acordo internacional sobre o programa nuclear de Teerão. “A diabolização do Irão foi energizada pela necessidade de querer destruir tudo o que Obama fez”, diz Germano Almeida. Ao rasgar o acordo distanciou os EUA dos europeus, que mantiveram o compromisso, e desbravou caminho “a uma política para o Médio Oriente baseada em dois ‘pivôs’ por procuração: Israel e a Arábia Saudita”. O assassínio por um drone americano, a 3 de janeiro de 2020, do general Qasem Soleimani, o cérebro das intervenções iranianas na região, insere-se nessa guerra.

6 RÚSSIA Trump chegou à Casa Branca sob a suspeita de ter beneficiado de uma interferência russa nas eleições. Mas não evitou que a relação EUA-Rússia se degradasse. “A retórica utilizada em Washington relativamente à Rússia assumiu contornos nunca vistos”, diz o major-general Carlos Branco, autor do livro “Do fim da Guerra Fria a Trump e à Covid-19” (2020). “O secretário de Estado, Mike Pompeo, foi ao ponto de afirmar que a Rússia é um perigo para os EUA. O encerramento dos consulados russos em São Francisco, Nova Iorque e Washington foram precedentes perigosos. A classificação da Rússia pela Estratégia Nacional de Segurança, aprovada em 2017, como uma potência revisionista, colocando-a ao nível de ‘Estados párias’ como a Coreia do Norte, indica ao ponto a que chegou a relação.”

7 AFEGANISTÃO Com tropas neste país desde 11 de setembro de 2001, os EUA celebraram, a 29 de fevereiro deste ano, a paz com os talibãs que abre as portas ao regresso a casa. “Este acordo insere-se no cumprimento da promessa eleitoral de terminar com as ‘guerras intermináveis’”, diz o major-general Carlos Branco, antigo porta-voz do comandante da força da NATO no Afeganistão. “Os soldados americanos iniciarão uma retirada progressiva, pendente da evolução das negociações entre o Governo de Cabul e os talibãs, que não estão a ser fáceis.” Ao negociar diretamente com os talibãs, Trump contornou as dificuldades do diálogo intra-afegão. “Este acordo completa a estratégia de retraimento dos EUA, que decidiram pôr fim ao ciclo de intervenções militares no ‘arco islâmico’”, acrescenta Carlos Gaspar. “Quiseram impor a paz e sair com honra, mas este acordo não garante a paz aos afegãos, nem a honra dos norte-americanos e põe em causa tudo aquilo pelo qual os militares norte-americanos e os seus aliados combateram no Afeganistão.”

8 MULTILATERALISMO Um cunho da Administração Trump foi a denúncia de compromissos internacionais: Parceria Transpacífico, NAFTA, Acordo de Paris, Nuclear do Irão, UNESCO, Conselho dos Direitos Humanos… “Trump não simpatiza com o multilateralismo, sobretudo quando não é vantajoso para os interesses americanos. Mas é preciso avaliar com cautela as questões relativas à NATO”, alerta Carlos Branco. “As dificuldades de diálogo com os aliados europeus prendem-se, acima de tudo, com a sua reduzida contribuição financeira para o orçamento da organização. Contudo, nunca a NATO teve uma atividade tão intensa desde o fim da Guerra Fria.”

9 ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS A 1 de junho de 2017, Trump chocou o mundo ao retirar os EUA do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas, criando polémica num assunto consensual nos corredores científicos e políticos. “É o momento mais vergonhoso dos anos Trump”, diz Germano Almeida. “Dá mau nome à América e coloca os EUA como ‘Estado pária’ num assunto fundamental para esta e as próximas gerações.” O Presidente nunca se assumiu totalmente como um negacionista, mas foi ambíguo para agradar aos empresários.

10 TERRORISMO George W. Bush executou Saddam Hussein, Barack Obama eliminou Osama bin Laden e Trump o líder do Daesh, Abu Bakr al-Baghdadi. Como os antecessores, pode dizer que tem “um troféu de caça” que, de forma mais simbólica do que real, identifica a derrota da ameaça islamita.

(FOTO Encontro entre Kim Jong-un e Donald Trump, na Zona Desmilitarizada U.S. GOVERNMENT / RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui

“As posições da Europa encorajam Netanyahu”

Nabil Ahmad Abuznaid, embaixador palestiniano em Portugal, diz que haverá eleições dentro de seis meses

O recente reconhecimento do Estado de Israel por parte de dois países árabes abanou os palestinianos. Nas redes sociais, muitos disseram-se traídos pela decisão de Emirados Árabes Unidos e Bahrain. Nos corredores políticos, a brecha que fragilizou a unidade árabe em torno da causa palestiniana motivou as autoridades da Cisjordânia e da Faixa de Gaza a reorganizarem a casa.

“A Fatah, o Hamas e as outras fações políticas palestinia­nas concordaram em realizar eleições”, disse ao Expresso o embaixador da Palestina em Portugal, Nabil Ahmad Abuznaid, à margem de uma conferência que proferiu na Faculdade de Letras do Porto. “Primeiro serão as legislativas, depois as presidenciais e a seguir eleições para o Conselho Nacional”, o órgão legislativo da Organização de Libertação da Palestina (OLP).

A concretizarem-se — “dentro de seis meses”, aponta —, serão as primeiras em quase 15 anos. “Receamos que Israel não permita, mas estamos determinados em realizá-las”, diz. “Já sofremos muito tempo com a falta de união, mas agora está a haver um entendimento comum de que temos de combater a ocupação e não continuar a pensar que é um problema contra os judeus.”

Esta reação palestiniana ocorre perante a perspetiva de que mais países árabes normalizem a sua relação diplomática com Israel. O Sudão, que está na iminência de sair da lista de países terroristas dos Estados Unidos, pode ser o próximo. E as negociações com Omã também estão bem encaminhadas.

Que esperar de Joe Biden?

Com os EUA solidamente ao lado de Israel e perante a possibilidade de mudar o inquilino da Casa Branca, Nabil Ahmad Abuznaid, que já serviu na missão palestiniana em Washington, diz que “quem quer que venha a seguir a Donald Trump será melhor” para os palestinianos. “Estive com Joe Biden muitas vezes. É um bom homem, mas não é um lutador que vá mudar o Médio Oriente. Não irá fazer regressar a embaixada americana a Telavive, mas abrirá um consulado palestiniano em Jerusalém Oriental, reabrirá a missão palestiniana em Washington que Trump fechou e irá libertar alguns dos fundos para a UNRWA [a agência da ONU para os refugiados palestinianos] e algumas organizações internacionais. Não creio que possa exercer grande pressão sobre Israel. Mas se Trump sair, consigo ver Benjamin Netanyahu [o primeiro-ministro israelita] enfraquecido.”

Da União Europeia, o embaixador diz não esperar muito. “Os europeus apoiam os palestinianos, denunciam as políticas israelitas”, mas “Netanyahu não os leva a sério”. “Se a Europa proceder ao reconhecimento da Palestina estará a cumprir a sua posição sobre a solução de dois Estados. Mas enquanto não o fizer, as suas posições só encorajarão Netanyahu. Se a Europa disser que a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental são terras palestinianas, Netanyahu hesitará antes de as anexar.”

Em Lisboa desde 2017, questiona-se sobre a posição portuguesa. “O Parlamento, que representa a nação, disse [em 2014] que era hora de reconhecer a Palestina, mas o Governo diz que ainda não é o momento certo. Qual é o momento certo? Já conheço a resposta: é necessária uma posição europeia à qual Portugal possa aderir. É uma desculpa. Basta haver um país que não queira reconhecer e não há decisão europeia.”

(FOTO RUI DUARTE SILVA)

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de outubro de 2020. Pode ser consultado aqui