O primeiro-ministro de Israel e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita ter-se-ão reunido em segredo numa cidade futurista à beira do Mar Vermelho. Esta inédita cimeira, sem confirmação nem desmentido oficial, acontece menos de dois meses de Joe Biden entrar na Casa Branca, decidido a corrigir decisões de Trump. Dois importantes aliados dos EUA no Médio Oriente recordam a Washington que o Irão é seu inimigo comum
Apesar da transferência de poderes já ter começado nos Estados Unidos, Donald Trump parece continuar em negação, fechado na Casa Branca a alimentar no Twitter teorias da conspiração para a sua derrota. Já o seu secretário de Estado não cessa de circular pelo mundo, empenhado em viagens de agenda cheia ao estilo de um governante em início de mandato.
Prestes a sair de cena, Mike Pompeo regressou há dias à Península Arábica para encontros que prometem (continuar a) mudar o Médio Oriente. O chefe da diplomacia americana visitou os Emirados Árabes Unidos, o Qatar — onde se reuniu com os talibãs afegãos — e a Arábia Saudita, onde se encontrou com o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman (M.B.S.) em Neom, cidade futurista saudita nas margens do Mar Vermelho.
Nesse mesmo dia, o voo de um jato privado entre Telavive, em Israel, e Neom captou a atenção dos curiosos da aviação. O aparelho esteve cinco horas em terra, regressando depois a Israel.
Por não haver voos diretos entre os dois países — que não têm relações diplomáticas oficiais —, aquele rasto aéreo nos radares desencadeou palpites e análises geopolíticas.
O ministro saudita dos Negócios Estrangeiros negou-o, mas quer imprensa norte-americana quer israelita noticiaram um frente a frente inédito entre o príncipe herdeiro da Arábia Saudita e seu líder de facto, Mohammed bin Salman (M.B.S.) e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Pompeo esteve presente — embora no Twitter só tenha noticiado o seu encontro bilateral com M.B.S. — nesta reunião não assumida a nível oficial, que revela que Israel e Arábia Saudita já estiveram mais de costas voltadas do que hoje.
“Não penso que a Arábia Saudita vá normalizar as relações com Israel agora”, diz ao Expresso o investigador Ely Karmon, do Instituto de Política e Estratégia de Herzliya (Israel). “Vão deixar o assunto como opção para a Administração Biden.”
Um inimigo comum chamado Irão
O fim do isolamento de Israel perante o mundo sunita foi uma prioridade da agenda externa da Administração Trump, e já deu frutos. Nos últimos meses, três países árabes corresponderam aos esforços diplomáticos norte-americanos e normalizaram a sua relação diplomática com Israel: os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain, que a 15 de setembro assinaram com Israel os Acordos de Abraão, na Casa Branca – e o Sudão, numa decisão que não colheu o consenso nos corredores políticos nacionais.
A aproximação entre Israel e a Arábia Saudita pode ser entendida como um novo capítulo dessa estratégia, mas há outro assunto incontornável que empurra Riade e Telavive na direção uma da outra: um inimigo comum chamado Irão.
Neste aspeto, a cimeira em Neom – onde, segundo a imprensa israelita, Netanyahu teve a companhia do chefe da Mossad, Yossi Cohen – pode funcionar como recado para o novo Governo norte-americano, que irá, previsivelmente, reavaliar a sua política em relação ao Irão.
Irá Omã reconhecer Israel?
Outro alvo árabe da diplomacia de Washington tem sido o sultanato de Omã, país discreto que adota uma política de coexistência pacífica com todos os estados da região, incluindo Israel e o Irão. “É possível” que Omã também reconheça Israel, diz Ely Karmon. “Mas por ver a era de Trump chegar ao fim, e com possíveis eleições em Israel, Omã pode decidir esperar para ver.”
O investigador israelita chama a atenção para outros países que poderão, em breve, assinar acordos de normalização da relação com Israel. “Muito provavelmente, alguns países muçulmanos africanos, como o Níger, poderiam vir a seguir.”
O Níger é dos Estados africanos que mais tem estado na mira da diplomacia israelita. Os dois países tinham relações diplomáticas desde a independência do Níger (1960), que as rompeu em 1973 por causa da guerra israelo-árabe do Yom Kippur. Foram retomadas em 1996 e de novo suspensas em 2002, durante a segunda Intifada (revolta) palestiniana.
Ely Karmon afirma também que “será interessante olhar para a Indonésia”. O gigante muçulmano, com cerca de 230 milhões de habitantes, nunca reconheceu o Estado de Israel, mas mantém relações discretas com o Estado judeu a nível de comércio, turismo e segurança – ao contrário, por exemplo, da não longínqua Malásia, em cujos passaportes pode ler-se: “Este passaporte é válido para todos os países exceto Israel”.
(ILUSTRAÇÃO O saudita Mohammed bin Salman, o norte-americano Joe Biden e o israelita Benjamin Netanyahu THE WASHINGTON INSTITUTE FOR NEAR EAST POLICY)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui








