Netanyahu-Mohammad bin Salman. Uma cimeira para Joe Biden ver

O primeiro-ministro de Israel e o príncipe herdeiro da Arábia Saudita ter-se-ão reunido em segredo numa cidade futurista à beira do Mar Vermelho. Esta inédita cimeira, sem confirmação nem desmentido oficial, acontece menos de dois meses de Joe Biden entrar na Casa Branca, decidido a corrigir decisões de Trump. Dois importantes aliados dos EUA no Médio Oriente recordam a Washington que o Irão é seu inimigo comum

Apesar da transferência de poderes já ter começado nos Estados Unidos, Donald Trump parece continuar em negação, fechado na Casa Branca a alimentar no Twitter teorias da conspiração para a sua derrota. Já o seu secretário de Estado não cessa de circular pelo mundo, empenhado em viagens de agenda cheia ao estilo de um governante em início de mandato.

Prestes a sair de cena, Mike Pompeo regressou há dias à Península Arábica para encontros que prometem (continuar a) mudar o Médio Oriente. O chefe da diplomacia americana visitou os Emirados Árabes Unidos, o Qatar — onde se reuniu com os talibãs afegãos — e a Arábia Saudita, onde se encontrou com o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman (M.B.S.) em Neom, cidade futurista saudita nas margens do Mar Vermelho.

Nesse mesmo dia, o voo de um jato privado entre Telavive, em Israel, e Neom captou a atenção dos curiosos da aviação. O aparelho esteve cinco horas em terra, regressando depois a Israel.

https://twitter.com/IntelliTimes/status/1330737295629168643

Por não haver voos diretos entre os dois países — que não têm relações diplomáticas oficiais —, aquele rasto aéreo nos radares desencadeou palpites e análises geopolíticas.

O ministro saudita dos Negócios Estrangeiros negou-o, mas quer imprensa norte-americana quer israelita noticiaram um frente a frente inédito entre o príncipe herdeiro da Arábia Saudita e seu líder de facto, Mohammed bin Salman (M.B.S.) e o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.

Pompeo esteve presente — embora no Twitter só tenha noticiado o seu encontro bilateral com M.B.S. — nesta reunião não assumida a nível oficial, que revela que Israel e Arábia Saudita já estiveram mais de costas voltadas do que hoje.

“Não penso que a Arábia Saudita vá normalizar as relações com Israel agora”, diz ao Expresso o investigador Ely Karmon, do Instituto de Política e Estratégia de Herzliya (Israel). “Vão deixar o assunto como opção para a Administração Biden.”

Um inimigo comum chamado Irão

O fim do isolamento de Israel perante o mundo sunita foi uma prioridade da agenda externa da Administração Trump, e já deu frutos. Nos últimos meses, três países árabes corresponderam aos esforços diplomáticos norte-americanos e normalizaram a sua relação diplomática com Israel: os Emirados Árabes Unidos e o Bahrain, que a 15 de setembro assinaram com Israel os Acordos de Abraão, na Casa Branca – e o Sudão, numa decisão que não colheu o consenso nos corredores políticos nacionais.

A aproximação entre Israel e a Arábia Saudita pode ser entendida como um novo capítulo dessa estratégia, mas há outro assunto incontornável que empurra Riade e Telavive na direção uma da outra: um inimigo comum chamado Irão.

Neste aspeto, a cimeira em Neom – onde, segundo a imprensa israelita, Netanyahu teve a companhia do chefe da Mossad, Yossi Cohen – pode funcionar como recado para o novo Governo norte-americano, que irá, previsivelmente, reavaliar a sua política em relação ao Irão.

Irá Omã reconhecer Israel?

Outro alvo árabe da diplomacia de Washington tem sido o sultanato de Omã, país discreto que adota uma política de coexistência pacífica com todos os estados da região, incluindo Israel e o Irão. “É possível” que Omã também reconheça Israel, diz Ely Karmon. “Mas por ver a era de Trump chegar ao fim, e com possíveis eleições em Israel, Omã pode decidir esperar para ver.”

O investigador israelita chama a atenção para outros países que poderão, em breve, assinar acordos de normalização da relação com Israel. “Muito provavelmente, alguns países muçulmanos africanos, como o Níger, poderiam vir a seguir.”

O Níger é dos Estados africanos que mais tem estado na mira da diplomacia israelita. Os dois países tinham relações diplomáticas desde a independência do Níger (1960), que as rompeu em 1973 por causa da guerra israelo-árabe do Yom Kippur. Foram retomadas em 1996 e de novo suspensas em 2002, durante a segunda Intifada (revolta) palestiniana.

Ely Karmon afirma também que “será interessante olhar para a Indonésia”. O gigante muçulmano, com cerca de 230 milhões de habitantes, nunca reconheceu o Estado de Israel, mas mantém relações discretas com o Estado judeu a nível de comércio, turismo e segurança – ao contrário, por exemplo, da não longínqua Malásia, em cujos passaportes pode ler-se: “Este passaporte é válido para todos os países exceto Israel”.

(ILUSTRAÇÃO O saudita Mohammed bin Salman, o norte-americano Joe Biden e o israelita Benjamin Netanyahu THE WASHINGTON INSTITUTE FOR NEAR EAST POLICY)    

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Os sarauís esgotaram a paciência e regressaram às armas. “Marrocos quer uma guerra de desgaste moral do nosso povo”

Um conflito que estava em ponto morto há quase 30 anos acaba de se reacender. Em entrevista ao Expresso, o delegado da Frente Polisário em Portugal justifica o que levou os sarauís a romperem o cessar-fogo com Marrocos e a voltarem a pegar em armas. Mohamed Fadel explica também porque se sente traído por António Guterres

SOUTH WORLD

A avalancha de notícias sobre a pandemia de covid-19 e ainda sobre as eleições nos Estados Unidos quase deixou passar despercebido o reacendimento de um velho conflito que cumpria uma trégua há quase 30 anos — a disputa do território do Sara Ocidental entre Marrocos e a Frente Polisário, o movimento de independência reconhecido pela comunidade internacional como legítimo representante do povo sarauí.

“Marrocos tem o seu exército destacado ao longo de todo o muro de 2700 quilómetros” que separa o Sara administrado por Marrocos e o território controlado pela Frente Polisário. “Onde quer que haja concentração de tropas marroquinas, essas áreas estão a ser atacadas dia e noite”, garante ao Expresso Mohamed Fadel, delegado da Frente Polisário em Portugal.

A gota que fez transbordar a paciência sarauí pingou faz esta sexta-feira uma semana. Militares marroquinos entraram na zona desmilitarizada de Guerguerat — junto à fronteira com a Mauritânia, na ponta sudoeste do Sara Ocidental — para expulsar dezenas de civis sarauís que bloqueavam uma estrada importante desde 21 de outubro, impedindo que o trânsito que saía de Marrocos seguisse para sul.

Para Marrocos, a rota por Guerguerat representa a principal ligação por terra com o resto do continente africano. Para a Frente Polisário, trata-se de uma passagem ilegal. “Quando foi assinado o acordo de paz, e se instaurou no território a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sara Ocidental (MINURSO), só havia quatro brechas abertas ao longo do muro, para que o pessoal da ONU pudesse deslocar-se no interior do território, para os dois lados”, explica Mohamed Fadel. “A brecha de Guerguerat foi aberta arbitrariamente por Marrocos.”

A Frente Polisário considerou a incursão militar marroquina na zona tampão uma violação unilateral do acordo de paz e, faz amanhã uma semana, decretou o fim da trégua. “A paciência dos sarauís tem os seus limites. A abertura da brecha e a expulsão dos civis deu-nos a oportunidade de reiniciarmos as hostilidades. Os nossos estão dispostos a continuar com elas indefinidamente até que Marrocos respeite a legalidade internacional no conflito do Sara Ocidental.”

A soberania marroquina sobre o Sara Ocupado não é reconhecida pelas Nações Unidas, nem por Estados Unidos e União Europeia, apesar de, no caso desta última, isso não ser obstáculo ao aprofundamento de uma parceria económica com Marrocos, por vezes com contornos embaraçosos para os europeus.

O mesmo acontece com a União Africana, onde se dá a insólita situação de ocupante e ocupado — Marrocos e República Árabe Sarauí Democrática (RASD), o Estado que os sarauís decretaram em 1975 e que reivindica a soberania sobre o antigo Sara Espanhol — serem membros da organização ao mesmo nível.

Hoje, dezenas de países reconhecem a RASD, mas nenhum deles é europeu. “Apesar da alardeada unidade, a União Europeia tem uma política externa absolutamente díspar. Infelizmente, é notória a influência da França em toda a agenda europeia.”

A centralidade do referendo

Segundo o representante da Polisário, uma única condição pode levar os sarauís a depor novamente as armas: a realização do prometido referendo à sua autodeterminação. “Não haverá cessar-fogo até a comunidade internacional se comprometer com a realização do referendo, numa data definida”, diz Mohamed Fadel.

Sem recenseamento feito, estima-se que o número de sarauís ande à volta de meio milhão de pessoas, repartidas entre o Sara administrado por Marrocos, os campos de refugiados de Tindouf (na Argélia) e a diáspora.

Instituída pela Resolução 690 do Conselho de Segurança, de 29 de abril de 1991, a MINURSO foi criada para supervisionar o cessar-fogo e, como o seu próprio nome indica, realizar um referendo de autodeterminação, que chegou a estar planeado para fevereiro de 1992.

Quase 30 anos depois, e 15 representantes especiais nomeados pelo secretário-geral da ONU desde 1988, “as Nações Unidas não estão a fazer o seu trabalho”, avalia o responsável sarauí. “Existem claras intenções de desvio em relação ao acordo de paz inicial. Gradualmente, estão a procurar uma maneira de subtrair dos seus textos a referência ao referendo. Isso é percetível em especial nas últimas resoluções do Conselho de Segurança”, acusa Mohamed Fadel.

MINURSO finge que não vê

“E temos provas suficientes de que a MINURSO tem servido de instrumento de Marrocos para ocultar as violações dos direitos humanos que ocorrem todos os dias diante do nariz dos funcionários da ONU. Assistem diariamente à violação sistemática dos direitos de mulheres, que são espancadas nas ruas, e a ataques a casas de pessoas suspeitas de simpatizarem com a causa sarauí.”

Mas até hoje, “a MINURSO nunca deu informações sobre estas situações”, nem sobre “a exploração dos recursos do território que saem em camiões que passam pela brecha ilegal de Guerguerat para toda a África. Está confirmado com provas evidentes que a maioria desses camiões, para além de vegetais, vão carregados de droga.”

Por ser o principal rosto da organização, mas também pelo seu currículo em defesa dos direitos humanos, António Guterres é especialmente visado pelas críticas de Mohamed Fadel. “Sinto-me totalmente traído. Ele foi Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, conhece este dossiê muito bem.” Em 2009, nessa qualidade, Guterres visitou os campos de refugiados sarauís, em Tindouf (Argélia), onde vivem cerca de 190 mil pessoas.

“Mantivemos a esperança um pouco ingénua de que António Guterres, como tinha defendido o referendo em Timor-Leste [em 1999, era ele primeiro-ministro de Portugal], seguisse a mesma linha em relação ao conflito do Sara Ocidental.”

Autonomia em vez de autodeterminação

Da perspetiva sarauí, o português não correspondeu. “Prestou-se a servir a política que Marrocos quer para o território, de imposição dos factos consumados. As últimas resoluções do Conselho de Segurança da ONU fazem uma referência muito discreta à autodeterminação e dão prioridade à proposta marroquina de autonomia, como uma proposta real, pragmática e viável.”

O último relatório do secretário-geral da ONU classifica a situação no Sara ocupado como “calma”, expressão que se repetiu no texto da resolução do Conselho de Segurança de 30 de outubro passado, com a qual foi renovado por um ano o mandato da MINURSO. Os sarauís criticam também que a ONU continue a não estar mandatada para proteger os direitos humanos e que não haja qualquer referência à brecha ilegal de Guerguerat.

Após a escalada dos acontecimentos junto à brecha de Guerguerat, o secretário-geral da ONU falou ao telefone com o rei de Marrocos, Mohamed VI. Segundo um comunicado divulgado pela casa real, “durante a conversa, Sua Majestade o Rei sublinhou que depois do fracasso de todas as louváveis tentativas por parte do secretário-geral, o Reino de Marrocos assumiu as suas responsabilidades no âmbito do seu mais legítimo direito, tanto mais que esta não é a primeira vez que as milícias ‘polisário’ se envolvem em ações inaceitáveis”.

Segundo o comunicado, Marrocos resolveu a situação, restabeleceu o tráfego automóvel e enfatiza “o firme compromisso com o cessar-fogo. Da mesma forma, o Reino continua firmemente determinado a reagir, com a maior severidade e no âmbito da legítima defesa, a qualquer ameaça à sua segurança e à paz dos seus cidadãos”.

Guerra em tempo de pandemia

Com o mundo tomado pela pandemia, o regresso dos sarauís às hostilidades corre o risco de não colher a compreensão e apoio por parte de quem pouco ou nada conhece do assunto. “É uma realidade que o mundo inteiro está imerso na luta contra a pandemia. Mas também é uma realidade que Marrocos e as Nações Unidas se têm servido de múltiplos pretextos para atrasar indefinidamente a resolução do conflito”, conclui Mohamed Fadel.

“Nós respeitamos estritamente o cessar-fogo até 13 de novembro, e a principal causa [para o seu fim] foi Marrocos violar mais uma vez o cessar-fogo sem que a ONU se pronuncie. A estratégia de Marrocos, lamentavelmente com a cumplicidade das Nações Unidas, é fazer com que o tempo passe e que haja uma guerra de desgaste moral dos sarauís.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui

ONU assinala Dia Mundial da Sanita, um “luxo” inacessível a 4200 milhões de pessoas

As sanitas salvam vidas e previnem a proliferação de doenças mortais, mas mais de metade da população mundial não tem uma em casa. A diretora da delegação da Fundação Aga Khan na Índia explica ao Expresso as implicações sociais da falta de lavabos seguros, em especial para as mulheres

Em qualquer casa portuguesa damos naturalmente por adquirido a existência de, pelo menos, uma sanita para uso de quem ali vive. Tal não é, porém, a realidade para mais de metade da população mundial, que (sobre)vive sem acesso às mínimas condições de higiene e saneamento.

A pensar nestes muitos milhões para quem uma sanita é um bem de luxo, e sobretudo no impacto desta situação ao nível da saúde e da segurança globais, a Organização das Nações Unidas instituiu o Dia Mundial da Sanita, que se assinala esta quinta-feira.

“Este é um dia dedicado a enfrentar o desafio global do saneamento. Celebra-se para dar ênfase à enorme crise sanitária que o mundo está ainda a combater: 4200 milhões de pessoas vivem ainda sem saneamento — o que corresponde a mais de metade da população global — e 673 milhões ainda praticam a defecação a céu aberto”, explica ao Expresso Tinni Sawhney, diretora-executiva da Fundação Aga Khan (Índia).

Fatima Ibrahim, de 10 anos, dirige-se para as casas de banho instaladas na sua escola, no campo de refugiados Tabareybarey, no Níger UNICEF / PHELPS

Com mais de 1300 milhões de habitantes — e a caminho de ultrapassar a China como país mais populoso à face da Terra —, a Índia é dos países onde o impacto decorrente de condições sanitárias de cientes é maior.

Essa vulnerabilidade reflete-se desde logo ao nível da segurança individual nomeadamente das mulheres. Muitos crimes sexuais, nomeadamente violações, acontecem no momento em que as indianas saem de casa para fazerem as necessidades em locais afastados, seja à beira da estrada ou junto a linhas de comboio, seja atrás de arbustos ou montes de lixo.

Risco psicológico e sexual

O problema está à vista de todos e tem sido amplamente analisado. “Vários estudos indicam que a falta de saneamento aumenta as vulnerabilidades de mulheres e meninas de várias formas. Para além da humilhação de terem de se aliviar ao ar livre, há também o medo de serem assediadas e violentadas, e sofrem de stresse psicossocial decorrente de tudo isto”, diz a dirigente do ramo indiano da Fundação Aga Khan.

Eriam Sheikh, de 7 anos, regressa de uma ida à casa de banho, montada sobre estacas, na cidade indiana de Bombaim UNICEF / MANPREET ROMANA

“A situação tem sido particularmente grave em comunidades informais urbanas, onde compartilhar os lavabos públicos com os homens coloca as mulheres em grande risco de sofrerem atos de violência e agressão sexual”, continua Tinni Sawhney.

A falta de casas de banho nas escolas, por exemplo, torna-se fator de absentismo, com consequências nefastas para o percurso educativo das raparigas. Mesmo nos casos em que existe algum tipo de instalação sanitária, muitas alunas são levadas a faltar às aulas durante o período menstrual.

“É inegável que melhorar o saneamento tornaria as vidas de mulheres e meninas mais seguras e saudáveis. Elas são afetadas de forma desproporcional pela falta de acesso a água potável, saneamento e higiene”, a rma Tinni Sawhney. Providenciar estas condições básicas “pode significar que todas as meninas possam continuar na escola quando atingirem a puberdade e que todas as mulheres que acedam a lavabos seguros e protegidos quem libertas do medo de serem agredidas e de perderem a dignidade.”

Uma jovem regressa de uma casa de banho improvisada no mato, na Guiné-Bissau UNICEF / GIACOMO PIROZZI

Trabalho de mais de um século

A presença da Fundação Aga Khan na Índia remonta ao início do século XX quando, em 1905, em Mundra (estado de Gujarate), foi fundada a primeira escola da organização. Nas últimas décadas, a Fundação — que tem delegações em 30 países, entre os quais Portugal — tem desenvolvido trabalho especializado nas áreas do acesso à água potável, saneamento e promoção de hábitos higiénicos.

“Nos últimos cinco anos, a Fundação Aga Khan (Índia) tem apoiado o maior programa de saneamento do mundo — a Missão Índia Limpa — convergindo com os esforços do Governo indiano para eliminar a defecação a céu aberto em todo o país”, diz Tinni Sawhney.

“A Fundação juntamente com as suas agências Programa Aga Khan de Apoio Rural e Agência Aga Khan para o Habitat têm sido fundamentais para facilitar o acesso ao saneamento a mais de 150 mil famílias em cinco estados da Índia. Isto foi possível através de uma combinação de abordagens, como a mudança de comportamentos, a melhoria da capacidade de funcionários do governo e o fortalecimento de instituições comunitárias que foram incentivadas a assumir a responsabilidade pelo processo de mudança.”

Wiseman e Job limpam uma casa de banho comunitária, em Mukuru kwa Ruben, arredores de Nairobi (Quénia)UNICEF / MODOLA

Apesar da pandemia de covid-19, que afeta a Índia em força — é atualmente o segundo país com mais casos (atrás dos EUA) e o terceiro em número de mortos (a seguir a EUA e Brasil) —, a Fundação Aga Khan (Índia) não deixou de assinalar o Dia da Sanita deste ano com um programa de eventos.

“As atividades incluem a colocação de postos de lavagem das mãos e a distribuição de sabonetes em centros de primeira infância, escolas e entre as comunidades, não só para prevenir a propagação de covid-19 e outras doenças infecciosas [como a cólera e a febre tifoide], mas também para garantir a e ciente utilização de água.”

Com este programa, a Fundação Aga Khan espera envolver mais de 50 mil pessoas de comunidades vulneráveis, dos estados de Bihar, Gujarat, Madhya Pradesh, Maharashtra, Telangana e Uttar Pradesh. A longo prazo, está a contribuir para que se cumpra o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 6 — de um conjunto de 17 metas globais, estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2015 — que promete saneamento para todos até 2030.

(Nas Ilhas Fiji, este menino está sentado sobre uma sanita abandonada UNICEF / SOKHIN)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Passada a era exclusiva das segundas-damas, o que chamar ao marido de Kamala Harris?

A eleição de uma mulher para o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos coloca um dilema ao protocolo: como designar formalmente o marido de Kamala Harris? Nos órgãos de informação e nas redes sociais, proliferam os palpites

Kamala Harris fez história nos Estados Unidos ao tornar-se a primeira mulher eleita para o cargo de vice-presidente (foi apenas a terceira escolhida para candidata por um dos dois grandes partidos). Em contagem decrescente para tomar posse — a 20 de janeiro, dia em que Joe Biden prestará juramento como Presidente —, esta conquista tem suscitado um dilema entre os norte-americanos: como tratar formalmente Douglas Emhoff, o advogado de 56 anos com quem Kamala, da mesma idade, está casada desde 2014?

Nas redes sociais proliferam os palpites. Segundo-homem? Segundo-marido? Vice-esposo? Segundo-cavalheiro? Diz a agência Associated Press que a opção recairá em “segundo-cavalheiro”, como complemento a “segunda-dama”, como têm sido designadas as esposas dos vice-presidentes. Há, porém, quem defenda que esta ocasião inédita deve ser aproveitada para eliminar de vez a terminologia dos cônjuges.

“Devemos deixar de dizer ‘primeira-dama’?”, questiona “The Lily”, publicação associada ao jornal “The Washington Post”. “Sem nenhum título predeterminado para Emhoff, talvez a Administração Biden vá por fim aposentar ‘segunda-dama’ e ‘primeira-dama’, trocando-os por algo mais radical. Talvez simplesmente ‘Sr. Emhoff’ e ‘Dr.ª Biden’”, para Doug e Jill, respetivamente cônjuges de Kamala Harris e Joe Biden.

Ouvida pela mesma publicação, Betty Caroli, autora do livro “First Ladies” (1987), defende: “Os títulos são ridículos. Já ninguém usa esses termos, exceto nas casas de banho”.

Hillary, Laura e Michelle mudaram o cargo

Quando estes termos começaram a ser usados, no século XIX, esperava-se que tanto a primeira como a segunda-dama fizessem aquilo que se esperava de uma qualquer dona de casa norte-americana: organizar eventos, tratar das decorações de Natal e aparecer sempre em público sorridente e bem vestida para cumprir uma agenda primordialmente social.

Nas últimas presidências, porém, umas e outras têm adotado abordagens radicalmente diferentes. Umas chamaram a si projetos próprios: Hillary Clinton dedicou-se à reforma do sistema de saúde, Laura Bush à literacia familiar e Michelle Obama abraçou a causa da obesidade infantil. Outras prosseguiram com as suas vidas profissionais: Jill Biden e Karen Pence, por exemplo, continuaram a ser professoras quando os maridos foram vice-presidentes do país.

Doug Emhoff, advogado de sucesso, já fez saber que deixará de ser sócio do seu atual escritório de advocacia, em Los Angeles, antes de Kamala tomar posse. Quer impedir eventuais conflitos de interesses. Durante a campanha, Emhoff já pedira licença para poder envolver-se no combate político ao lado da mulher.

Harris é a segunda mulher de Emhoff — do primeiro casamento tem dois filhos, do atual nenhum. No Twitter, o nova-iorquino descreve-se, entre outros, como “marido de Kamala Harris” e nas suas publicações não esconde a enorme admiração pela mulher. “Tão orgulhoso de ti”, escreveu no dia em que foi confirmada a vitória da dupla democrata nas eleições de 2020.

(FOTO Kamala Harris e Douglas Emhoff, no gabinete da vice-presidente na Casa Branca, a 21 de janeiro de 2021, o dia seguinte à tomada de posse TWITTER KAMALA HARRIS / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui

Cinco países que (ainda) não saudaram Joe Biden

Uma constante do mandato de Donald Trump foi a afinidade criada com líderes autoritários. Solidários, cinco países ainda não aceitaram a sua derrota

CHINA
Quatro anos de guerra comercial com os Estados Unidos e uma agressividade verbal feia a propósito da pandemia do novo coronavírus — “o vírus da China”, repetiu Donald Trump — não levaram Pequim a querer voltar rapidamente a página do Presidente republicano e a reconhecer a vitória do adversário democrata. “Nós soubemos que [Joe] Biden anunciou a sua vitória. No nosso entendimento, o resultado das eleições presidenciais será determinado de acordo com a legislação americana e os procedimentos estabelecidos”, disse Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês. Durante a campanha eleitoral, Joe Biden mostrou-se defensor de uma atitude dura dos EUA em relação à China, dizendo que obrigará Pequim “a funcionar de acordo com as regras internacionais”.

RÚSSIA
Em 2016, o Presidente Vladimir Putin demorou apenas horas a cumprimentar o vitorioso Donald Trump. Agora, tem-se mantido em silêncio. Segundo Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, Moscovo irá aguardar pela divulgação do resultado oficial para fazer um comentário. Se a Rússia fora, até Trump, ‘o inimigo de sempre’ dos EUA, o 45º Presidente nunca procurou disfarçar os seus elogios a Putin, avolumando com essa postura as suspeitas de que teria beneficiado de interferência russa nas eleições de 2016. Durante a campanha, comentando essa possibilidade, Joe Biden considerou qualquer interferência estrangeira “um ato adversário”. Em entrevista ao programa “60 Minutes”, elegeu a Rússia como “a principal ameaça” à segurança nacional dos EUA.

BRASIL
Um dos silêncios que mais indiciam dificuldade em aceitar o resultado é o do Presidente Jair Bolsonaro. Confesso admirador de Donald Trump, o brasileiro dividiu o país ao copiar do norte-americano as referências misóginas, racistas e homofóbicas e ao desvalorizar a pandemia de covid-19. Esta semana, o vice-presidente Hamilton Mourão tentou justificar a posição: “Eu julgo que o Presidente está aguardando terminar esse imbróglio aí de discussão se tem voto falso, se não tem voto falso, para dar o posicionamento dele”, disse. “É óbvio que na hora certa ele vai transmitir os cumprimentos a quem for eleito.”

MÉXICO
A forma como Trump abordou a questão do muro do México — um país de “traficantes, criminosos, violadores”, disse — enxovalhou o vizinho. Causa pois estranheza que Andrés Manuel López Obrador se junte ao núcleo de Presidentes que resistem a vitoriar Biden. “Temos muito boa relação com Trump, de respeito, e não temos problemas com o candidato democrata Biden. Esperemos que as autoridades resolvam. Não vamos ser imprudentes”, disse. Com mais de 3 mil quilómetros de fronteira comum, uma explicação possível para a cautela de Obrador prende-se com possíveis ‘estragos’ na relação que Trump possa fazer até 20 de janeiro.

COREIA DO NORTE
Em 2008, quando Barack Obama foi eleito, a imprensa oficial norte-coreana demorou dois dias a dar a notícia. Quando Trump venceu, em 2016, a notícia de uma “nova administração” surgiu passados dois dias, sem se referir o nome do Presidente. A reação de Pyongyang costuma ser tardia e prudente. É possível que, desta vez, esteja à espera de perceber qual será a nova política em relação à Coreia. Com Trump, Kim Jong-un não se deu mal.

(FOTO RAWPIXEL)

Artigo publicado no “Expresso”, a 13 de novembro de 2020. Pode ser consultado aqui