Israel e Kosovo estabelecem relações
diplomáticas — via Zoom

Dois países em busca de aceitação internacional reconheceram-se mutuamente esta segunda-feira. Israel garantiu a abertura da primeira embaixada em Jerusalém por um país de maioria muçulmana. O Kosovo averbou um sucesso diplomático após vários países terem recuado no seu reconhecimento enquanto Estado independente. Em tempos de pandemia, a diplomacia inovou e o tratado foi assinado… à distância

Um tem 72 anos de vida, o outro apenas 12. Viviam de costas voltadas e, esta segunda-feira, acordaram em seguir juntos. Israel e Kosovo oficializaram o seu reconhecimento mútuo, numa cerimónia que decorreu de forma virtual, em que participaram os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países.

Meliza Haradinaj, a jovem ministra dos Negócios estrangeiros kosovar, tinha viagem marcada para Israel para participar na cerimónia, mas, devido à pandemia, o aeroporto Ben Gurion, de Telavive, foi encerrado — mesmo a visitas com esta importância política.

A cerimónia decorreu na data prevista, através do programa de software Zoom, com direito a aplauso no fim. A partir dos respetivos gabinetes, o israelita Gabi Ashkenazi assinou o acordo em Jerusalém e a kosovar Meliza Haradinaj em Pristina. A tecnologia possibilitou não só a transmissão da cerimónia como o envio do documento entre as duas capitais.

A existência destes dois países não colhe unanimidade no concerto internacional: Israel é penalizado, sobretudo entre os países árabes, pela ocupação da Palestina e o Kosovo pela declaração unilateral de independência em relação à Sérvia.

Este reconhecimento diplomático garante aos israelitas uma conquista simbólica: o Kosovo é o primeiro país de maioria muçulmana a abrir a sua embaixada em Jerusalém. Atualmente, apenas dois países têm as suas missões diplomáticas em Israel instaladas na cidade santa: os Estados Unidos e o Paraguai.

Para os kosovares este momento tem dupla importância, já que, além do reconhecimento em si, “acontece numa altura em que o Kosovo precisa realmente de ampliar os seus aliados diplomáticos, sobretudo após sofrer uma agressão diplomática por parte da Sérvia, que persuadiu mais de 15 países a retirar o seu reconhecimento”, diz ao Expresso o kosovar Gëzim Visoka, professor de Estudos de Paz e Conflito na Universidade da Cidade de Dublin, Irlanda.

Serra Leoa diz que foi prematuro

Segundo o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Kosovo, 116 países já reconheceram esta república balcânica (quase dez vezes mais pequena do que Portugal). Mas nos últimos anos, vários países recuaram nesse reconhecimento, ou pelo menos congelaram-no.

Um dos últimos a fazê-lo foi a Serra Leoa que, em carta enviada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Sérvia, a 3 de março de 2020, referiu: “O Governo da República da Serra Leoa considera que qualquer reconhecimento que tenha conferido (expressamente ou por implicação necessária) à independência do Kosovo pode ter sido prematuro”.

“Além de aprofundar as relações bilaterais políticas, económicas, militares e socioculturais”, continua Gëzim Visoka, “o reconhecimento do Kosovo por Israel envia uma mensagem importante ao mundo de que o reconhecimento internacional do Kosovo está a avançar, e que outros países que ainda não o reconheceram devem fazê-lo, incluindo cinco Estados-membros da União Europeia”.

Rússia e China entravam adesão à ONU

Os países em causa são Espanha, Chipre, Grécia, Roménia e Eslováquia. Na mesma situação estão a Rússia e a China, membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Graças ao poder de veto que têm por serem membros permanentes, tornam-se obstáculos à adesão do Kosovo à organização.

“O Kosovo cumpre os critérios objetivos de um Estado e aqueles relacionados com a adesão à ONU. Demonstrou vontade em agir como uma nação que ama a paz e que aceita a Carta das Nações Unidas, que são duas pré-condições formais para o pedido de admissão. Apesar disso, o Kosovo ainda não se candidatou formalmente às Nações Unidas devido à falta de apoio suficiente na Assembleia-Geral e no Conselho de Segurança, órgãos que desempenham um papel vital no processo de admissão”, explica o professor kosovar.

“Para o Kosovo aderir à ONU, é necessário chegar a um acordo com a Sérvia que desbloqueie o veto da Rússia e da China [no Conselho de Segurança] e também gere apoio suficiente na Assembleia Geral e na comunidade mais ampla de Estados soberanos.”

Um acordo entre Sérvia e Kosovo tem-se revelado um dos quebra-cabeças da geopolítica dos Balcãs.

Desde 2008 que a questão do reconhecimento internacional domina a agenda política kosovar. “O Kosovo é reconhecido pela esmagadora maioria dos países democráticos em todo o mundo. Embora o Estado não dependa inteiramente do reconhecimento internacional, quantos mais países reconhecerem o Kosovo, maiores são as hipóteses de defender a sua soberania e de consolidar a sua posição internacional, tornando-se membro de organizações internacionais e regionais e desempenhando um papel modesto nas relações internacionais”, diz Gëzim Visoka.

“E quantos mais países reconhecerem o Kosovo, haverá menos espaço para a Sérvia interferir nos seus assuntos internos”, acrescenta. “Além disso, o reconhecimento internacional abre novas possibilidades a investimentos estrengeiros, comércio e desenvolvimento económico, que são vitais para esta jobem nação.”

O reconhecimento bilateral entre o Kosovo e Israel é — à semelhança dos Acordos de Abraão — uma conquista da Administração liderada por Donald Trump.

A 4 de setembro de 2020, o ex-Presidente dos Estados Unidos foi o anfitrião de uma cerimónia sui generis, na Casa Branca. Kosovo e Sérvia, que não têm relações diplomáticas, assinaram um documento de “normalização económica” entre ambos. Porém, os signatários — o primeiro-ministro kosovar, Avdullah Hoti (à esquerda de Trump na foto em cima), e o Presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic (à direita) — não rubricaram o mesmo documento, mas antes cópias separadas de um texto que não era exatamente igual.

No último ponto dos dois documentos há uma referência a Israel. No texto assinado pelo Kosovo, lê-se: “O Kosovo e Israel concordam em reconhecer-se mutuamente”. No da Sérvia diz: “A Sérvia concorda em abrir um escritório comercial e um ministério de escritórios oficiais em Jerusalém, a 20 de setembro de 2020, e a mudar a sua embaixada [de Telavive] para Jerusalém, a 1 de julho de 2021”.

Apesar do investimento da diplomacia norte-americana, a cimeira da Casa Branca não produziu um acordo bilateral ou trilateral. “Atualmente, Kosovo e Sérvia estão presos num conflito intratável, que se renova em torno do Estado e da soberania de Kosovo”, conclui Gëzim Visoka.

“Existe uma paz informal, ainda que frágil, entre os dois países, que é imposta pela comunidade internacional e apoiada, no terreno, pelas forças de manutenção da paz da NATO, bem como por uma rede de missões internacionais mais pequenas. No entanto, isso não é sustentável, pois as perspetivas de tensões étnicas continuam presentes, especialmente porque a liderança política de cada lado está acostumada a uma cultura de hostilidade mútua e não está disposta a superar as incompatibilidades existentes.”

DATAS CHAVE

2008 — A 17 de fevereiro, o Parlamento do Kosovo — província autónoma da Sérvia, de maioria albanesa — declarou unilateralmente a sua independência

1999 — Forças da NATO efetuaram bombardeamentos aéreos contra a Sérvia durante 78 dias, justificados com a urgência em parar a repressão sangrenta dos albaneses muçulmanos do Kosovo

IMAGEM Bandeiras de Israel e do Kosovo MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS DO KOSOVO

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 1 de fevereiro de 2021. Pode ser consultado aqui

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