Contados cerca de 90% dos votos nas legislativas de terça-feira em Israel, nem o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu nem quem se lhe opõe tem garantidos apoios suficientes para formar uma coligação de Governo. Nesta reta final do processo, a expectativa reside nos sufrágios por escrutinar, bem como no posicionamento de um partido islamita que não fecha as portas a Netanyahu
Se é chavão dizer-se que em eleições todos os votos contam, em Israel essa máxima é levada ao extremo. Os resultados finais das legislativas de terça-feira não deverão ser conhecidos antes de sexta-feira, pelo que só então será possível pegar na calculadora e perceber se alguma das forças políticas que foram a votos tem condições para formar Governo.
O partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (Likud, direita) foi de longe o mais votado, mas com cerca de 90% dos votos escrutinados, não tem garantido o apoio de pelo menos 61 deputados, de que precisará para continuar a mandar no país.
BLOCO QUE APOIA NETANYAHU
Likud (direita conservadora): 30 deputados
Shas (religioso ultraortodoxo): 9
Yamina (direita sionista): 7
Judaismo da Torá Unida (religioso ultraortodoxo): 7
Esta contagem integra o partido Yamina, liderado por Naftali Bennett. Este foi ministro da Defesa de Netanyahu em 2019 e 2020 e, durante a campanha eleitoral, posicionou-se como desafiador do primeiro-ministro, deixando em aberto um eventual apoio.
Dando como certo esse apoio, a esperança de Netanyahu está em cerca de 450 mil votos, depositados por diplomatas, militares, presos, residentes em lares, doente com covid-19 e pessoas a cumprir quarentena, que só serão abertos após terminar a contagem dos votos em urna. Normalmente, estes envelopes contêm mais votos de direita.
Quanto aos partidos que querem ver Netanyahu fora do poder, também não totalizam o número de deputados suficientes para se lançarem a formar o futuro Executivo. Ainda que matematicamente esse cenário fosse possível, na prática implicaria um entendimento entre sensibilidades políticas difíceis de compatibilizar.
BLOCO ANTI-NETANYAHU
Yesh Atid (centro): 17
Azul e Branco (centro): 8
Yisrael Beiteinu (direita nacionalista): 7
Partido Trabalhista (centro-esquerda): 7
Nova Esperança (direita): 6
Lista Conjunta (árabe): 6
Meretz (esquerda): 5 TOTAL: 56 deputados
De fora do bloco que deseja o afastamento de Netanyahu do poder está, para já, a Lista Árabe Unida (Ra’am), partido árabe (islamita) que desde 2003 tem ido a votos em coligação com outras formações árabes mas que nestas eleições decidiu concorrer ‘a solo’.
Para já, os votos contados atribuem ao Ra’am cinco deputados no Knesset. Esta quarta-feira, em entrevista à televisão pública Kan, o seu líder, Mansour Abbas, afirmou que o partido “não está obrigado em relação a nenhum bloco ou candidato. Não estamos no bolso de ninguém, nem à direita nem à esquerda”.
Se for opção para Netanyahu, será a primeira vez que um partido árabe fará parte de um Governo em Israel.
(FOTO Um militar participa nas eleições de 23 de março IDF SPOKESPERSON’S UNIT / WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de março de 2021. Pode ser consultado aqui
Esta terça-feira, Israel realiza as quartas eleições legislativas em menos de dois anos. A fadiga eleitoral parece não afetar a dinâmica política do país, já que se apresentam a votos 39 partidos. Treze deles têm reais possibilidades de eleger deputados e será junto desses que Benjamin Netanyahu, o grande favorito à vitória, terá de procurar apoio para conseguir formar Governo. Sob pena de Israel seguir para a quinta ida às urnas
Líderes partidários nas eleições de 23 de março de 2021. De cima para baixo e da esquerda para a direita: Itamar Ben Gvir (do Otzma Yehudit, que integra o Sionismo Religioso); Bezalel Smotrich (Sionismo Religioso); Naftali Bennett (Yamina); Aryeh Deri (Shas); Moshe Gafni (Judaísmoda Torá Unida); Avigdor Liberman (Yisrael Beytenu); Gideon Sa’ar (Nova Esperança); Benjamin Netanyahu (Likud); Yair Lapid (Yesh Atid); Merav Michaeli (Partido Trabalhista); Benny Gantz (Azul e Branco); Nitzan Horowitz (Meretz); Ayman Odeh (Lista Conjunta); Mansour Abbas (Ra’am); Yaron Zelekha (Nova Economia) MONTAGEM FOTOGRÁFICA PUBLICADA NO THE TIMES OF ISRAEL
Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, perto de 200 partidos políticos já participaram em eleições. A maioria deles durou poucos anos, mas pelo menos 110 conseguiram representação no Parlamento (Knesset). Esta fragmentação parlamentar — que espelha a complexidade da sociedade israelita — explica o porquê de, em Israel, os governos serem sempre de coligação.
É o que vai acontecer também após as eleições legislativas desta terça-feira, as quartas em menos de dois anos, após escrutínios em abril e setembro de 2019 (de onde não saiu Governo) e em março de 2020 (de onde saiu um Governo, mas que não conseguiu ver aprovado o orçamento no Parlamento).
As urnas fecham às 22 horas locais (20 horas em Portugal Continental), após 6.578.084 eleitores terem a possibilidade de escolher um de 39 partidos que se apresentam a votos.
13 partidos têm reais possibilidades de eleger deputados. Para que isso aconteça, têm de garantir pelo menos 3,25% dos votos
Benjamin Netanyahu, o atual primeiro-ministro, está no centro de todas as equações possíveis. O seu partido (Likud, de direita) lidera, destacado, as sondagens publicadas até sexta-feira, podendo angariar um quarto dos 120 lugares do Knesset.
As formações de direita são, no seu conjunto, largamente maioritárias, mas o impacto daquele que já é o israelita que durante mais tempo ocupou o cargo de primeiro-ministro (está no poder há 12 anos, depois de um período de três anos no século XX) fragmentou esse campo político entre forças pró-Netanyahu e outras que não aceitam que ele continue a liderar o Executivo.
É nesta complexa teia política que Netanyahu terá de procurar o apoio de pelo menos 61 deputados para continuar no poder, sob pena de Israel ter de avançar para as quintas eleições.
LIKUD (direita): Com Netanyahu até ao fim
É um dos partidos históricos de Israel. Teve na liderança nomes como Menachem Begin, Yitzhak Shamir ou Ariel Sharon. Foi fundado em 1973 e governa de forma ininterrupta desde 2009. De ideologia conservadora e visão económica liberal, fez duas grandes promessas durante esta campanha: a recuperação económica pós-pandemia e o aumento de tratados bilaterais com países árabes.
Os estudos de opinião foram-lhe atribuindo, de forma constante, entre 27 e 29 deputados, mas no passado fim de semana — enquanto muitos israelitas celebravam, com festas e ajuntamentos ao ar livre, o regresso à normalidade após uma campanha de vacinação à covid-19 bem-sucedida —, as previsões para o Likud deram um pulo até aos 32 deputados.
NOVA ESPERANÇA (direita): Já chega de Netanyahu
O partido Nova Esperança é a novidade destas eleições. Resulta de uma cisão dentro do Likud, encabeçada por um antigo ministro de Netanyahu, Gideon Sa’ar. A prioridade deste partido passa por afastar do poder “Bibi” (como também é conhecido Netanyahu) e “restaurar uma liderança respeitosa e responsável para Israel”.
O Nova Esperança promete ainda uma reforma judicial e a limitação a oito anos do mandato de primeiro-ministro. O partido diz-se comprometido com a “concretização dos direitos naturais e históricos do povo judeu na Terra de Israel”, opõe-se a um Estado palestiniano e promete dar prioridade aos colonatos no território palestiniano ocupado da Cisjordânia.
Sa’ar espera ter votos suficientes para liderar uma coligação de direita sem o Likud de Netanyahu: “Precisamos de um Governo que não dependa de extremistas”. Quando foi fundado, em dezembro passado, as sondagens atribuíam-lhe 21 lugares no Knesset. Ao longo da campanha perdeu gás e as últimas previsões dão-lhe entre 9 e 10 deputados.
YAMINA (direita): Contra Netanyahu, mas…
De matriz sionista, religiosa, conservadora e liberal, é outro partido recente, fundado em julho de 2019, por outro ex-ministro de Netanyahu. Naftali Bennett orientou a sua mensagem durante a campanha em especial para os israelitas que ficaram desempregados durante a pandemia.
Bennett já se declarou candidato ao cargo de primeiro-ministro, mas é apontado como uma provável muleta de Netanyahu na hora de somar apoios com vista à formação de Governo. Atualmente, o Yamina tem seis deputados no Knesset, as sondagens dão-lhe 10.
YISRAEL BEITEINU (direita): Tudo contra Netanyahu e os religiosos
“Israel é a Nossa Casa” é um partido nacionalista secular que, nos últimos anos, se tem assumido contra a influência dos partidos religiosos na sociedade israelita e a dependência política de Netanyahu em relação às fações ultraortodoxas.
Defende, nomeadamente, a instituição do casamento civil e a obrigatoriedade do serviço militar também para os israelitas ultraortodoxos, o que não acontece atualmente.
O partido nasceu em 1999, tem sólida base de apoio entre os judeus originários da antiga União Soviética e é liderado desde então por Avigdor Lieberman. Tem um discurso antiárabe e defende uma solução para o conflito israelo-palestiniano com base no intercâmbio de populações e a criação de dois Estados etnicamente homogéneos.
O Yisrael Beiteinu recusa participar numa coligação de Governo liderada por Netanyahu ou que inclua os partidos religiosos haredi. As sondagens preveem um aumento dos atuais sete para oito deputados.
SHAS E JUDAÍSMO DA TORÁ UNIDA (religiosos): Com fé em Netanyahu
São dois partidos religiosos ultraortodoxos (haredi), defensores da subordinação do Estado à lei de Deus, que têm integrado os últimos executivos de Netanyahu. Concentram as suas prioridades nas áreas da Educação e da Saúde.
Nos primeiros meses da pandemia, o ministro da Saúde de Israel era Yaakov Litzman, líder do Judaísmo da Torá Unida (JTU), o que se revelou uma incongruência, dado o comportamento desafiador da comunidade ultraortodoxa em relação às restrições decretadas pelo Governo para combater a covid-19, nomeadamente a oposição ao encerramento das sinagogas e das yeshivas (escolas religiosas).
Nas eleições de 2020, o Shas (acrónimo de “Guardiões sefarditas”) foi multado pela Comissão Eleitoral por distribuir junto a assembleias de voto amuletos protetores contra a covid-19.
Em fevereiro, os dois partidos reafirmaram lealdade a Netanyahu, prometendo não participar em nenhum Governo saído destas eleições que não seja liderado pelo Likud. O Shas e o JTU têm, respetivamente, nove e sete deputados no Knesset. As sondagens preveem que mantenham essa representação.
SIONISMO RELIGIOSO (Extrema-direita): Com a bênção de Netanyahu
Partido de extrema-direita, tem uma aliança com fações neo-Kahanistas (extremismo judaico) e anti-LGBT (homofóbicas). Esta fusão foi incentivada por Netanyahu para impedir que votos em pequenos partidos da direita sejam desperdiçados.
Nas últimas eleições, esta formação concorreu integrada no Yamina, mas nestas participa por conta própria, focada na união do sionismo religioso e em ser a voz ideológica da direita no Knesset. No decorrer da campanha, o Sionismo Religioso esteve aquém dos 3,25% de votos necessários para obter representação parlamentar, mas as últimas sondagens atribuem-lhe cinco assentos.
YESH ATID (Centro): Oposição a Netanyahu
Projeta-se como o partido mais votado a seguir ao Likud, com 18 deputados. Yesh Atid (“Há um Futuro”, em hebraico) reclama a defesa da classe média secular israelita. Foi fundado em 2012 e é, desde então, liderado por Yair Lapid, ex-jornalista e antigo ministro das Finanças, filho de um antigo ministro da Justiça que chefiou o partido Shinui, secular e ferozmente anti-ultraortodoxos.
Em 2019, o Yesh Atid aderiu à aliança Azul e Branco (formada por fações de centro), que desde então se tornou principal adversário eleitoral do Likud (ver abaixo). Abandonou-a após uma das fações ter aceitado viabilizar um Governo liderado por Netanyahu, a seguir às eleições de 2020.
No seu programa, constam medidas como o reforço da supervisão do Parlamento sobre o Governo, o limite à quantidade de ministros, a limitação de mandatos de primeiro-ministro, a instituição do casamento civil, incluindo entre pessoas do mesmo sexo, o funcionamento parcial dos transportes ao sábado (shabbat) e a retoma das negociações com os palestinianos.
AZUL E BRANCO (Centro): O poder depois da queda?
Nasceu da aliança de três partidos de centro e, presentemente, apenas a Resiliência de Israel, a fação liderada pelo ex-chefe de Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel Benny Gantz, continua a responder por esse nome.
A coligação nasceu para derrotar Netanyahu e desfez-se após Gantz ter aceitado um esquema rotativo de partilha de poder, na sequência das últimas eleições, em março de 2020, viabilizando com isso mais um Governo liderado por Netanyahu.
Fundado em fevereiro de 2019, o Azul e Branco obteve 35 deputados nas eleições de abril de 2019 e 33 nos sufrágios de setembro de 2019 e de março de 2020. Agora, as sondagens atribuem-lhe entre quatro e cinco lugares no Knesset.
Ironicamente, se destas eleições não sair um Executivo e o impasse político continuar, Gantz assumirá em novembro a chefia do Governo atual, graças ao acordo celebrado com Netanyahu.
PARTIDO TRABALHISTA (Esquerda): Em nome de uma ‘revolução cor-de-rosa’
De matriz sionista e social-democrata, é um partido histórico de Israel, fundado em 1968. Teve primeiros-ministros carismáticos como Golda Meir, Yitzhak Rabin e Shimon Peres, mas desde 2001 deixou de ser opção para chefiar o Governo.
Merav Michaeli, feminista e antiga jornalista de 54 anos, lidera o partido desde 24 de janeiro passado. Prometeu “uma revolução dos trabalhadores de colarinho rosa” e algumas medidas do seu programa eleitoral refletem esse propósito: um ano de licença de maternidade/paternidade paga e uma reforma legal da forma como as autoridades lidam com crimes sexuais, abuso infantil e assédio sexual.
Nas eleições de abril de 2019, o “Labor” perdeu 13 deputados, não conseguindo mais de seis. Para não correr o risco de desaparecer do Parlamento, nas eleições seguintes coligou-se com o centrista Gesher e manteve os seis deputados. Em março de 2020, juntou-se ao Gesher e ao Meretz (esquerda) e subiu para sete. Nestas eleições, apresenta-se ‘a solo’ e deverá ter entre cinco e seis deputados.
MERETZ (Esquerda): Remar contra a extinção política
Social-democrata, verde e abertamente de esquerda, é um partido com quase 30 anos de vida e perto da extinção política. Fundado em 1992, aquela que é atualmente a única força política israelita filiada na Internacional Socialista tem quatro deputados no Knesset (já teve o triplo) e, segundo as sondagens, deverá mantê-los. Apoia uma Palestina independente, os direitos das minorias, a liberdade religiosa e a separação de religião e Estado.
É mais um partido encabeçado por um antigo jornalista, Nitzan Horowitz, de 56 anos, primeiro político assumidamente gay a assumir uma liderança partidária. O Meretz é o único a defender mais impostos para os salários mais altos. Pugna também por um forte aumento dos orçamentos para a saúde e educação. Não aceita participar num Governo liderado por Netanyahu.
LISTA CONJUNTA E RA’AM (Árabes): Falta de união
Cerca de 20% da população israelita é culturalmente de origem árabe. Cidadãos de pleno direito como qualquer judeu, têm direito ao voto e a constituírem partidos políticos. Três concorrem coligados na Lista Conjunta: Hadash (comunista árabo-judeu), Balad (nacionalista) e Ta’al (nacionalista). Um quarto, o Ra’am (islâmico conservador), vai a votos separadamente pela primeira vez desde 2003.
A Lista organizou-se em 2015, quando a percentagem de votos necessária para garantir a eleição de deputados subiu para os 3,25%. Para todos, o combate ao aumento da violência e do crime organizado nas comunidades árabes é prioritário. Igualmente, querem ver revogada a Lei da Nacionalidade de 2018, que consagra Israel como Estado-nação do povo judeu e secundariza o estatuto das populações árabes.
Nas duas últimas legislativas, os quatro partidos concorreram juntos e conquistaram 13 deputados (em setembro de 2019) e 15 (em 2020). Agora as sondagens atribuem oito à Lista Conjunta e três ao Ra’am, um partido forte entre as populações beduínas. Este último não descarta participar numa coligação liderada por Netanyahu. Uma desunião que fragiliza ainda mais a minoria árabe israelita.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 23 de março de 2021. Pode ser consultado aqui
O partido de Benjamin Netanyahu lidera as sondagens. Mas nem todos à direita querem que ele continue no poder
Nos últimos dois anos, Israel organizou, em média, eleições legislativas de meio em meio ano. As próximas, as quartas, realizam-se na próxima terça-feira. Uma sondagem do Instituto de Democracia de Israel indica que apenas 29% do eleitorado acreditam que o impasse político que tem originado tantos sufrágios seja, por fim, ultrapassado.
Benjamin Netanyahu, que se tem mantido ao leme do país — apesar da instabilidade política e do julgamento por corrupção — é, mais uma vez, o favorito à sua própria sucessão. O primeiro-ministro pôs o país nas bocas do mundo pela rapidez com que levou à prática o processo de vacinação contra a covid-19 e espera capitalizar com isso.
“Não creio que as eleições sejam um referendo à atuação de Netanyahu perante a pandemia. A eficácia da vacinação tem sido apontada como um sucesso. Eu argumentaria ainda que o bloqueio de Israel à vacinação dos palestinianos nos territórios ocupados tem servido para captar mais alguns votos. Nesse sentido, Netanyahu tem sido bem-sucedido, ao passar a ideia de que Israel não é responsável pela administração da vacina a esta população, mesmo que esta decisão possa comprometer a imunidade de grupo, considerando a circulação diária de trabalhadores palestinianos”, diz ao Expresso Marta Silva, investigadora na área dos estudos da sociedade israelita.
Porém, “a instabilidade na liderança política dos últimos anos deve-se à sua incapacidade em resolver problemas estruturais que afetam os israelitas no dia a dia e que poderão ter mais peso na hora do voto: o aumento do custo de vida e o desemprego. Estes problemas têm-se acentuado com a adoção de um programa cada vez mais neoliberal e com a privatização de vários serviços públicos”.
Direita maioritária
As sondagens dizem que o partido de Netanyahu (Likud, direita) continuará a ser o mais votado entre as 39 formações em que os 6.578.084 eleitores poderão votar. Mas num país onde, desde a independência, os Governos sempre foram de coligação, uma vitória eleitoral só será real se levar esse partido à formação de um Executivo apoiado por pelo menos 61 deputados dos 120 que compõem o Parlamento (Knesset).
O conjunto dos partidos à direita (que inclui a direita tradicional, a nacionalista, a extrema-direita e os religiosos ultraortodoxos) tem garantida uma maioria de votos confortável, mas nem todos aceitam que Netanyahu continue a mandar no país. É o caso do partido Yisrael Beiteinu (nacionalista secular), que não aceita a colagem de Netanyahu às formações religiosas, e também do partido que é a novidade destas eleições: o Nova Esperança, que resulta de uma cisão no seio do Likud e foi fundado, em dezembro passado, por Gideon Sa’ar, antigo ministro de Netanyahu.
O espetro político é dinâmico e reinventa-se a cada eleição. A novidade, desta vez, é uma cisão no Likud
Em Israel, o espetro político é dinâmico e reinventa-se a cada eleição. No escrutínio de 9 de abril de 2019, o primeiro desta série de quatro, a novidade foi a coligação Azul e Branco (centro), nascida mês e meio antes para combater Netanyahu. Acabou engolida pelo jogo deste último e foi crucial na viabilização do seu último Governo. Pagou um preço por isso: viu dois dos três partidos que a constituíam abandonarem o projeto e caiu a pique nas sondagens, que não lhe dão mais de quatro deputados.
Aos 71 anos, Netanyahu é o israelita que mais tempo serviu como primeiro-ministro. Apesar do desgaste — patente nas dissidências dentro do seu Likud —, não dá mostras de querer abandonar o palco.
“Netanyahu não sente pudor em liderar coligações com partidos de extrema-direita, ortodoxos e religiosos, alguns deles com mensagens perigosas e até abertamente racistas, com uma postura agressiva em relação à expansão dos colonatos e defensores de uma presença maior da religião na vida pública e política”, comenta Marta Silva.
Por outro lado, o governante é mestre na arte de “identificar ameaças externas e internas de cada vez que enfrenta o escrutínio político ou necessita de lidar com problemas domésticos. Sabe manipular os receios de grande parte da população, nomeadamente no que toca ao eleitorado palestiniano em Israel”, que é 20% da população.
“Sabe que partidos árabes-israelitas nunca foram convidados a integrar uma coligação, apesar de serem uma alternativa moderada e secular aos ultraortodoxos. Este elemento psicológico de sempre encontrar um bode expiatório para mascarar os problemas que não consegue resolver tem-no ajudado a manter-se no poder”, conclui a académica.
As autoridades cubanas confiam que até ao fim do ano conseguirão imunizar toda a população contra a covid-19. Para tal, contam com pelo menos quatro vacinas em desenvolvimento nos seus laboratórios. É a última conquista de um país pobre, mas eficiente ao nível da saúde pública, apesar das sanções do gigante vizinho setentrional. “O bloqueio económico dos Estados Unidos devia ser considerado uma violação dos direitos humanos”, defende ao Expresso um historiador norte-americano
Cuba está no lote dos países que ainda não administraram qualquer dose de qualquer vacina contra a covid-19. No entanto, as autoridades de Havana esperam ter os seus mais de 11 milhões de cidadãos imunizados até ao fim do ano. O “milagre” é fácil de explicar: o país abdicou de disputar a ‘corrida internacional à vacina’ e lançou-se a produzir o seu próprio fármaco.
Neste momento, há quatro vacinas em desenvolvimento nos laboratórios cubanos: a Soberana 01 e a Soberana 02, do Instituto de Vacinação Finlay, e ainda a Abdala e a Mambisa, do Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia. A última tem a particularidade de ser administrada por via intranasal e não intramuscular. A 3 de março, o Presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, anunciou uma quinta candidata.
Another hit of our Science: #Soberana01A is a new vaccine candidate (the 5th of #Cuba) for #COVID19 convalescents. The news was given by the creators of the vaccine in the weekly expert briefing session. Cuban Science keeps giving us good news. #SomosCuba#LivingCubapic.twitter.com/2wPjBlanrW
— Miguel Díaz-Canel Bermúdez (@DiazCanelB) March 3, 2021
Até ao final do ano, Cuba espera produzir 100 milhões de doses, o que lhe permitirá atender às necessidades internas e exportar o restante. Esta meta coloca a ilha entre a elite dos países com capacidade científica no domínio da saúde pública.
“Era expectável que Cuba tivesse uma vacina para a covid-19 na fase de ensaios clínicos. Cuba avançou na biomedicina durante décadas. Os Estados Unidos opuseram-se com ferocidade a esses avanços, rotulando falsamente as instalações cubanas de laboratórios de armas biológicas”, comenta ao Expresso o historiador norte-americano Ronn Pineo, especialista na área da América Latina.
“Cuba já exportava vacinas para países em desenvolvimento necessitados, sem procurar lucro. E exportará esta nova vacina se ela se mostrar segura e eficaz, o que parece muito provável. No entanto, o bloqueio dos Estados Unidos está a dificultar o fornecimento de suprimentos, como frascos de vidro, por exemplo, na quantidade necessária.”
As dificuldades decorrentes do embargo acicatam o orgulho nacional implícito nos nomes patrióticos dados às vacinas: além das “Soberana”, “Abdala” é nome de um poema escrito pelo herói revolucionário José Martí e “Mambisa” é referência a guerrilheiros independentistas cubanos que combateram Espanha, no século XIX.
As vacinas mais adiantadas são a Soberana 02 e a Abdala, que avançaram, este mês, para a fase III dos testes clínicos, a última antes da aprovação para uso. A eficácia do fármaco está a ser avaliada em mais de 85 mil voluntários em Havana, Santiago de Cuba e Guantánamo e noutras 50 mil pessoas… no Irão.
Aliança Cuba-Irão
Esta colaboração é ditada por razões geopolíticas, já que Cuba e Irão são alvo de sanções dos Estados Unidos que penalizam também os sectores da saúde. Para o Teerão, um dos países do Médio Oriente mais atingidos pela covid-19, que já começou a vacinar com a russa Sputnik V, Cuba afigura-se como uma porta de saída do pesadelo.
“O bloqueio económico dos Estados Unidos devia ser considerado uma violação dos direitos humanos. Qualquer que seja a justificação que os decisores políticos americanos erradamente pensaram existir durante a Guerra Fria, é óbvio que isso já não se aplica há mais de três décadas”, critica o professor da Universidade de Towson, Maryland (EUA).
No decorrer da pandemia, uma doação de máscaras, kits de testes rápidos e ventiladores feita pelo empresário chinês Jack Ma, fundador da empresa Alibaba, não conseguiu chegar a Cuba. A empresa de transporte norte-americana contratada para o efeito recusou-se a fazer o frete, escudando-se no Helms-Burton Act, que reforçou o embargo à ilha.
Noutro exemplo, duas empresas que habitualmente forneciam equipamentos médicos a Cuba — a IMT Medical AG e a Acutronic — terminaram a sua relação comercial com a ilha após serem compradas pela norte-americana Vyaire Medical Inc., em 2018.
Estes obstáculos obrigaram Cuba a procurar provisões em mercados mais distantes, como a China, a ter mais custos com o transporte e a sofrer demoras desnecessárias.
A pandemia de covid-19 deu relevância a outra vertente da política de saúde de Cuba que não cede ao peso das sanções: o envio de missões médicas para países em situações de emergência. Durante a primeira vaga, quando Itália era o epicentro da catástrofe, Cuba enviou 52 médicos para a região da Lombardia.
“Cuba tem sido muito generosa na ajuda a países em desenvolvimento por todo o mundo, fornecendo profissionais de saúde. Cuba vai aonde é convidada, independentemente da política do país anfitrião”, diz o professor Ronn Pineo. “Hoje, a ilha continua a mostrar um dos melhores rácios médico-população do mundo. Cuba não sofre com a falta de médicos ao enviá-los para o estrangeiro. Tem excedente de médicos.”
Um “exército de batas brancas”
Segundo o Banco Mundial, o rácio de Cuba é mesmo o melhor do mundo, com uma média de 8,4 médicos por mil habitantes (dados de 2018). Portugal tem 5,1 (dados de 2017).
Esse “exército de batas brancas”, como lhe chamou o líder cubano Fidel Castro, nasceu após a Revolução de 1959. A primeira missão foi enviada para o terreno em 1960, para o Chile, depois de um sismo na cidade de Valdivia ter provocado milhares de mortos.
400.000 profissionais de saúde cubanos já foram destacados para missões no estrangeiro, em pelo menos 164 países, para responder a crises de curto prazo, desastres naturais e, atualmente, à pandemia de covid-19
Em 2005, Fidel Castro batizou estes contingentes médicos de “Brigadas Henry Reeve”, em homenagem a um jovem norte-americano que combateu pela independência de Cuba, no século XIX. À época, o furacão Katrina tinha devastado, em particular, Nova Orleães. O histórico líder cubano ofereceu ajuda aos Estados Unidos, recusada pelo então Presidente George W. Bush.
Desde então, as “Brigadas” já proporcionaram ajuda em contextos de sismo (Paquistão e Indonésia), erupção vulcânica (Guatemala, 2018) ou emergências de saúde pública, como o surto de cólera no Haiti (2010) e a epidemia de Ébola na África Ocidental (2014).
Hoje, as missões médicas cubanas são um poderoso instrumento diplomático de soft power e uma das principais fontes de receita e de reconhecimento internacional para Cuba.
Para cada país beneficiário das suas missões médicas, Cuba celebra um acordo diferente. No caso da Venezuela, por exemplo, a ilha caribenha recebeu petróleo.
Muitas vezes, os médicos cubanos são encarados como uma espécie de guarda avançada do regime de Havana e, consequentemente, alvo de retaliações. No Brasil, após a eleição de Jair Bolsonaro, milhares de médicos cubanos que trabalhavam no Programa Mais Médicos receberam guia de marcha de regresso a casa. O mesmo ocorreu na Bolívia e no Equador após a saída do poder dos presidentes Evo Morales e Rafael Correa, respetivamente.
“Regras draconianas” nas missões médicas
Em julho do ano passado, a Human Rights Watch denunciou que o Governo cubano impõe “regras draconianas” aos médicos destacados nas missões, que “violam os seus direitos fundamentais”. “Os governos interessados em receber apoio de médicos cubanos deviam pressionar o Governo cubano para rever este sistema orwelliano, que dita com quem os médicos podem viver, apaixonar-se ou conversar”, defendeu então José Miguel Vivanco, diretor da organização para o continente americano.
“Uma forma de avaliar as condições dos profissionais de saúde cubanos nas missões no exterior é tentar averiguar quantos desses trabalhadores abandonam o programa. Quase nenhum o faz”, contrapõe o professor Pineo. “Aqueles que deixaram as missões expressaram, muitas vezes, descontentamento com as condições. As autoridades cubanas deviam fazer mais para levar a sério essas preocupações expressas. Todos os cubanos devem gozar do direito político de expressar as suas opiniões, seja em Cuba ou em missões médicas no estrangeiro.”
Em Cuba, o lema parece ser ‘fazer muito com pouco’. “É um modelo para muitos países”, disse o anterior secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, quando visitou Cuba em 2014, elogiando o sistema de saúde local.
“Cuba teve um êxito notável nas medidas sanitárias mais importantes. Embora tenha um rendimento per capita de cerca de um décimo do dos Estados Unidos, a taxa de mortalidade infantil em Cuba é bem mais baixa”, conclui o historiador norte-americano. “O foco de Cuba na saúde pública e na medicina preventiva, por oposição à medicina curativa, começa a explicar as suas conquistas na área da saúde.”
A Síria é hoje um campo de batalha onde países terceiros não se inibem de atacar quando sentem os seus interesses em perigo
O ano 2021 leva pouco mais de dois meses e a Síria já foi bombardeada por dois países. A 28 de fevereiro, Israel disparou rockets sobre o sul de Damasco, num ataque lançado dos Montes Golã contra alvos ligados ao Irão. Dois dias antes, foram os Estados Unidos a alvejar infraestruturas utilizadas por uma milícia apoiada pelo Irão, no leste da Síria. O ataque foi justificado como resposta ao disparo de mísseis contra posições norte-americanas no vizinho Iraque.
Dez anos após o início da guerra na Síria, assinalados a 15 de março, o país está transformado num amplo campo de batalha onde Estados com interesses na região não se inibem de atacar quando sentem os seus objetivos em perigo.
“Nos últimos dez anos, a guerra civil degenerou num conflito por procuração envolvendo várias potências regionais e internacionais, cada qual visando a defesa ou a promoção dos seus interesses neste Estado-chave do Médio Oriente”, diz ao Expresso o historiador Eugene Rogan. “Porém, nenhum dos poderes que intervieram na Síria tem meios para resolver o conflito sozinho ou fornecer o nível de ajuda necessário à reconstrução de um país arruinado. Terão de trabalhar em conjunto se quiserem recuperar a Síria e torná-la um país estável numa região conturbada”, prossegue este professor de História Contemporânea do Médio Oriente na Universidade de Oxford.
Interferências externas
Localizada na interseção de três continentes (Europa, Ásia e África), contígua a grandes potências do Médio Oriente (como Turquia, Israel e Iraque) e debaixo do radar de Arábia Saudita e Irão (interessados em estender a sua influência), a Síria reflete hoje uma série de disputas regionais.
Se, há dez anos, o conflito começou com manifestações populares pacíficas contra o regime autocrático de Bashar al-Assad — no espírito do movimento da “Primavera Árabe” que varreu o Médio Oriente —, nos anos que se seguiram espartilhou-se por guerras internas que transformaram a Síria num rendilhado de territórios controlados pelo regime, por fações rebeldes antirregime, pelos peshmergas curdos e por grupos jiadistas, todos apoiados a partir do exterior.
A Rússia é o principal apoio de Bashar al-Assad, que sobreviveu à guerra mas continua sem ganhar a aceitação do seu povo
Muitas contendas continuam por sanar. Da cidade de Ad-Dana, na província de Idlib (noroeste) — último bastião da resistência ao regime, junto à fronteira com a Turquia, onde oficialmente vigora um cessar-fogo acordado por russos e turcos em março de 2020 —, Aaref, sírio de 27 anos, descreve ao Expresso a situação no terreno.
“Idlib está relativamente tranquila. Os bombardeamentos são intermitentes. De vez em quando, aviões militares russos sobrevoam e bombardeiam algumas zonas. A cada dez dias, mais ou menos, as forças do regime lançam projéteis de artilharia sobre cidades e aldeias, em especial em zonas montanhosas. Ao nível da segurança, a situação melhorou um pouco: não há atentados e o ritmo das detenções policiais acalmou bastante.”
Russos e turcos no terreno
Os caças russos de que fala Aaref visam redutos do autodenominado “Estado Islâmico” (Daesh). Esta semana, o Observatório Sírio dos Direitos Humanos contabilizou mais de 280 operações aéreas russas e 43 jiadistas mortos em menos de 100 horas. Também a Turquia tem tropas no terreno, atentas às movimentações dos separatistas curdos sírios e ao efeito de contágio que possam ter junto dos independentistas curdos turcos.
De aliada da Síria, a Rússia é hoje seu principal apoio e garante da liderança de Bashar al-Assad. O Presidente sobreviveu à guerra, mas continua sem ganhar a aceitação do seu povo. “Dez anos após o início da revolução, as populações anseiam pela queda do regime de Assad e por uma Síria livre de todas as tiranias”, diz Aaref. “A guerra não terminará enquanto este regime não desaparecer e os refugiados não regressarem ao país.”
Mais de 12 milhões de refugiados e deslocados internos traduzem a imensa tragédia humana em que a Síria se tornou
Cerca de 5,6 milhões de refugiados e 6,6 milhões de deslocados internos traduzem a imensa tragédia humana em que a Síria se transformou. Acrescem 390 mil a 595 mil mortos e a fatura da reconstrução de um país reduzido a escombros, orçada em mais de 250 mil milhões de dólares (210 mil milhões de euros).
“A situação está difícil para as populações. Há deslocados por todo o lado, os campos ficam inundados no inverno, no verão a densidade populacional torna a situação dramática e insuportável”, diz Aaref. “A ajuda e a assistência são escassas.”
“É improvável que a Síria fique refém da agenda de um ou de outro país, mas antes da capacidade da comunidade internacional para superar divisões de longa data e trabalhar em conjunto para resolver o conflito e financiar a reconstrução”, conclui Eugene Rogan. “Não é preciso ir além dos atuais esforços internacionais na Líbia para ver a necessidade de cooperação internacional, e as dificuldades que isso acarreta.”
Artigo publicado no “Expresso”, a 12 de março de 2021. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.