Umas chegam acompanhadas por familiares, muitas outras seguem sozinhas. Há cada vez mais crianças a entrar ilegalmente nos Estados Unidos, vindas de países da América Central. O agravamento da crise migratória após a entrada de Joe Biden na Casa Branca obrigou o Presidente a recuperar as infames “gaiolas” que tantas críticas valeram a Donald Trump
Nunca houve tantas crianças ao deus-dará junto à fronteira entre os Estados Unidos e o México. Estatísticas do Serviço de Proteção das Alfândegas e Fronteiras dizem que só em março foram detetadas 18.890 crianças desacompanhadas, um recorde absoluto no contexto da crise migratória.
O anterior máximo acontecera em maio de 2019, quando foram registados 11.475 menores junto à fronteira. No total, só em março, foram detidas mais de 172 mil pessoas após entraram nos EUA de forma ilegal.
As chamadas “caravanas de migrantes”, alimentadas por gente em fuga à pobreza, à violência do crime organizado e mesmo a desastres naturais, como furacões, intensificaram-se após a chegada de Joe Biden à Casa Branca. Partem do chamado Triângulo Norte da América Central (Guatemala, Honduras e El Salvador).
“Não venham”, pede Biden
No seu primeiro dia em funções, o novo Presidente reverteu várias medidas da política migratória de Donald Trump. Suspendeu a construção de novos troços do muro, na fronteira com o México, e introduziu legislação com vista à legalização de quase 11 milhões de pessoas que já vivem no país.
A vontade de Biden de lidar com a pressão migratória de uma forma mais digna fez disparar rumores nos países de origem dos candidatos a migrantes, e criou a ilusão de que as fronteiras dos Estados Unidos estavam escancaradas.
“Ouvi no outro dia que eles estão a vir porque sabem que eu sou um bom tipo e que não vou fazer o que Trump fez. (…) ‘Não venham.’ (…) ‘Não abandonem a vossa cidade ou comunidade.” (Joe Biden, em entrevista à ABC News, a 16 de março, dirigindo-se aos potenciais migrantes)
Pressionadas pelas dificuldades quotidianas, milhares de pessoas ignoraram os apelos de Biden e continuaram a fazer-se à estrada, a pé ou à boleia, muitas vezes colocando as suas vidas nas mãos de traficantes, na esperança de viverem o sonho americano.
Sem ter onde alojar tantos menores desacompanhados que seguem nessas caravanas, a Administração Biden reativou centros de instalação temporários, geridos pelo Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras, que tantos protestos provocaram durante a Administração Trump.
As paredes em plástico substituíram o gradeamento, mas o conceito de detenção é o mesmo, e o espaço continua a ser exíguo.
Durante a era Trump, por força de uma política de tolerância zero à imigração ilegal, os EUA passaram a criminalizar quem entrava à socapa no país. Os adultos eram detidos em estabelecimentos federais que não admitiam crianças e estas eram separadas das famílias e ficavam a viver em jaulas de arame.
Em junho de 2018, o próprio Trump assinou um decreto executivo e acabou com a separação das famílias. O aumento do número de menores desacompanhados revela que o problema está muito longe de estar resolvido.
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De aspeto adoentado, a pequena Jocelyn, uma hondurenha de seis anos, é confortada pela mãe enquanto espera por transporte da polícia norte-americana. As duas, e dezenas de outros migrantes, acabaram de entrar nos EUA, em jangadas ADREES LATIF / REUTERSEsta criança espera por vez para tomar um duche, nas instalações para menores desacompanhados, em Donna, no Texas DARIO LOPEZ-MILLS / AFP / GETTY IMAGESTem apenas quatro meses. Adormecida, a hondurenha Karli vai ao colo do pai, quando o grupo em que seguem é intercetado por uma patrulha fronteiriça, em Hidalgo, no Texas JOHN MOORE / GETTY IMAGESMuitos migrantes entram nos Estados Unidos em frágeis jangadas, através do Rio Grande, a fronteira natural entre EUA e México JOHN MOORE / GETTY IMAGESUm hondurenho carrega a filha às costas, após entrarem nos EUA. A sujidade nas vestes revela a dureza de uma longa caminhada que ficou para trás ADREES LATIF / REUTERSMuito cansaço acumulado após uma longa caminhada que os levou da América Central aos Estados Unidos JOHN MOORE / GETTY IMAGESUm grupo de migrantes faz uma pausa, em San Pedro Sula, nas Honduras, já com a fronteira com a Guatemala à vista, antes de retomar a marcha a pé a caminho dos EUA WENDELL ESCOTO / AFP / GETTY IMAGESTêm ambos um ano de idade e nasceram na Guatemala. Marvin e Brando seguem às cavalitas das mães a caminho do ‘sonho americano’ ADREES LATIF / REUTERSOscar segue só. Tem 12 anos, partiu da Guatemala e acabou de atravessar o Rio Grande, que separa México e Estados Unidos ED JONES / AFP / GETTY IMAGESUm grupo de migrantes aguarda, num campo do Texas, que a polícia norte-americana os recolha e os leve para centros de acolhimento ADREES LATIF / REUTERSApós entrar nos EUA, muitos migrantes procuram a polícia para se entregarem e pedir asilo JOSE LUIS GONZALEZ / REUTERSMuitos migrantes são oriundos das Honduras. De Tegucigalpa, a capital, até território norte-americano são mais de 2500 quilómetros JOHN MOORE / GETTY IMAGESO descanso possível após muitos quilómetros nas pernas ADREES LATIF / REUTERSChegados aos Estados Unidos, vindos da Guatemala, pai e filho esperam que o seu pedido de asilo seja apreciado JOHN MOORE / GETTY IMAGESUma menina rasga um pedaço de papel higiénico, num ginásio de Ciudad Juarez, no México, convertido num centro de acolhimento de migrantes expulsos dos EUA PAUL RATJE / AFP / GETTY IMAGESDepois da longa aventura da viagem, começa a espera pela conclusão do processo burocrático, em solo americano ADREES LATIF / REUTERSEsta mulher, com um filho pequeno ao colo, foi largada na margem do Rio Grande. Os perigos que enfrenta são múltiplos JOHN MOORE / GETTY IMAGESA hondurenha Jennifer e o seu filho Carlos, de seis anos, descansam entre o feno, num campo texano, após entrar nos Estados Unidos ADREES LATIF / REUTERSFrancisco e Megan, pai e filha. Dois entre milhares de nomes que partiram das Honduras a caminho dos Estados Unidos ADREES LATIF / REUTERSCrianças contra o “muro”, uma batalha impossível de vencer JOSE LUIS GONZALEZ / REUTERSDe mão dada à mãe, Taznari, uma pequena hondurenha de três anos, prossegue caminho ADREES LATIF / REUTERSO carinho possível no seio de uma família guatemalteca, em Penitas, Texas JOHN MOORE / GETTY IMAGESO sonho terminou para estas crianças e respetivas famílias, sentadas num parque público de Reynosa, no México, após serem expulsas dos Estados Unidos DANIEL BECERRIL / REUTERSA noite foi passada a tentar dormitar, encostados ao gradeamento de um campo de beisebol, em La Joya, Texas ADREES LATIF / REUTERSPequenas mãos “espreitam” por entre as lâminas do “muro” entre os Estados Unidos e o México ADREES LATIF / REUTERSUm agente da polícia de fronteira dos EUA ajuda um insuflável que transporta migrantes a atracar, no fim da travessia do Rio Grande GO NAKAMURA / REUTERSPara esta criança e sua mãe, a viagem chegou ao fim. A polícia americana deixou-os numa paragem de autocarro entre Brownsville, no Texas, e a cidade mexicana de Matamoros, para que regressem a casa CHANDAN KHANNA / AFP / GETTY IMAGESEste pai e o seu filho bebé foram deportados dos EUA. Este repouso, num centro de acolhimento mexicano, não está isento de preocupações JOSE LUIS GONZALEZ / REUTERSNão é este o caso, mas há cada vez mais crianças desacompanhadas a chegar aos Estados Unidos ADREES LATIF / REUTERSApós atravessarem o Rio Grande pela calada da noite, estes migrantes escutam as instruções da polícia. Começa a batalha pela legalização GO NAKAMURA / REUTERS
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de abril de 2021. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.