As principais instituições políticas do Kosovo, o país europeu com a população mais jovem, estão nas mãos de trintões e quarentões. “Os jovens começaram a acreditar que há uma possibilidade de prosperidade no Kosovo e que não precisam de pensar em emigrar para a Europa ou para os Estados Unidos”, diz ao Expresso uma investigadora kosovar
O Kosovo é um país que leva a sua juventude ao exagero. É uma das nações mais recentes em todo o mundo — só é superado pelo Sudão do Sul —, tem a população mais jovem da Europa e tem as principais estruturas do poder político nas mãos de trintões e quarentões.
A Presidente do país, Vjosa Osmani, tem 38 anos; o primeiro-ministro, Albin Kurti, tem 46. E muitos dos outros membros do Governo, que tomou posse a 22 de março, nasceram da década de 1980, como os titulares das pastas das Finanças, da Justiça e da Economia. Os ministros mais velhos são de 1971.
“O primeiro-ministro, o Presidente e o presidente do Parlamento têm todos menos de 50 anos. A idade média dos ministros do Governo é de 40 anos. É uma nova geração de políticos, mas uma característica distintiva é que as três principais posições do Estado são ocupadas por pessoas que podem ser jovens em idade, mas não são novas na política”, diz ao Expresso a kosovar Engjellushe Morina, investigadora no Conselho Europeu de Relações Externas (ECFR).
“Kurti e Osmani estão na cena política do Kosovo há mais de 20 anos: Kurti desde 1997, quando liderou os protestos estudantis [na Universidade de Pristina, contra o regime jugoslavo de Slobodan Milosevic, que entre outras coisas os impedia de estudar albanês] e Osmani desde 2007, quando se tornou assessora do então Presidente Fatmir Sejdiu. Juntos, Kurti e Osmani conseguiram conquistar a velha guarda (velha não em idade, mas em termos de liderança partidária) composta sobretudo por pessoas que lutaram na guerra de 1999”.
A independência do Kosovo foi um parto longo e difícil. Após o desmembramento da Jugoslávia, no início da década de 1990, o Exército de Libertação do Kosovo pegou em armas e travou a luta pelo sonho independentista daquela província sérvia de esmagadora maioria albanesa. Em 1999, a NATO bombardeou posições sérvias durante 78 dias em apoio às populações kosovares reprimidas pelas forças leais a Belgrado.
“O Kosovo conquistou a independência a 17 de fevereiro de 2008. E os principais líderes do Exército de Libertação do Kosovo assumiram a liderança do país”, recorda ao Expresso a economista albanesa Isilda Mara, do Instituto de Viena para os Estudos Económicos Internacionais (WIIW). “Eles também eram muito jovens quando carregaram esse fardo sobre os ombros.”
Treze anos após a independência, o reconhecimento do Kosovo como Estado soberano continua a ser o principal cavalo de batalha das autoridades de Pristina. Mais de 100 países já o fizeram, mas alguns outros, politicamente na órbita da Sérvia — como a Rússia e a China — resistem a fazê-lo.
Recentemente, dois episódios revelaram como a afirmação da soberania kosovar é um desafio quotidiano. A 26 de fevereiro, a então ministra dos Negócios Estrangeiros kosovar, Meliza Haradinaj-Stublla (de 36 anos), enviou uma carta a um alto responsável da Netflix protestando contra o facto de os subscritores da plataforma de streaming residentes na República do Kosovo serem obrigados a localizar-se… na Sérvia.
A 31 de março, as seleções de futebol de Kosovo e Espanha enfrentaram-se numa partida de qualificação para o Mundial do Qatar. Espanha, a braços com a ambição independentista da Catalunha, não reconhece o Kosovo e, para não ser admoestada pela UEFA e pela FIFA, a federação espanhola acedeu a que a bandeira kosovar fosse hasteada no Estádio de la Cartuja, em Sevilha, e que o hino fosse tocado.
Porém, nos documentos oficiais e no áudio do estádio, a equipa kosovar foi identificada como “Federação de Futebol do Kosovo”, “território do Kosovo” ou somente “Kosovo”, mas nunca pelo nome oficial — República do Kosovo.
Com o reconhecimento internacional transformado numa preocupação a tempo inteiro, o encanto daqueles que libertaram os kosovares do jugo sérvio foi-se perdendo à medida que os problemas do quotidiano foram ganhando dimensão.
- A taxa de desemprego é elevada sobretudo entre os jovens.
- A falta de desenvolvimento económico traduz-se numa grande dependência das remessas dos emigrantes.
- A corrupção, o crime organizado e o nepotismo estão em alta.
- O isolamento do país é uma realidade. Além de muitos países não reconhecerem o Kosovo, a UE ainda não isenta de visto os seus cidadãos.
A vez da meritocracia
Nas últimas eleições legislativas, a 14 de fevereiro passado, o partido de Albin Kurti — o Vetëvendosje (que em albanês significa Autodeterminação), de esquerda — obteve a confiança de 49,95% dos eleitores, conquistando 58 deputados num Parlamento de 120. Desde a independência, nunca um partido obtivera tanta confiança popular.
“Kurti fez uma campanha muito apelativa, especialmente para as gerações mais novas. Os jovens começaram a acreditar que há uma possibilidade de prosperidade no Kosovo e que não necessitam de pensar em emigrar para a Europa ou para os Estados Unidos”, diz Engjellushe Morina.
POPULAÇÃO DO KOSOVO
1.932.774
Total de habitantes do Kosovo, em julho de 2020
41%
dos kosovares têm idades até aos 24 anos, 42% têm entre 25 e 54 e 17% têm 55 ou mais anos
“Há uma crença acrescida de que é possível que as coisas funcionem e que é possível o envolvimento em movimentos que levem à mudança”, continua a investigadora kosovar. “A meritocracia começou também a ganhar terreno no Kosovo — algo que se tinha perdido nas últimas décadas, pois apenas os mais próximos dos círculos de poder e outros grupos de interesse poderiam ganhar e ter benefícios.”
“O espírito está em alta”, concorda Isilda Mara, “no sentido em que a nova liderança — com pessoas jovens, energia renovada e uma nova visão — trabalhará duramente pelos jovens e também para consolidar o novo Estado do Kosovo.”
Com o seu partido a conquistar quase 50% dos votos, Kurti personifica essa esperança, ainda que o seu percurso seja demonstração de uma singularidade na política kosovar… a duas semanas das eleições, o Tribunal Supremo decidiu que Kurti não poderia ir a votos, porque em 2018 fora condenado a 18 meses de prisão (pena suspensa). Três anos antes, era ele deputado, Kurti arremessara gás lacrimogéneo em plena sala do Parlamento para inviabilizar a votação de uma polémica demarcação da fronteira com o Montenegro.
Agora, “o Tribunal Supremo decidiu que Kurti não poderia candidatar-se a deputado, decisão que, no entanto, não o impedia de se tornar primeiro-ministro caso o seu partido vencesse, o que veio a acontecer”, explica Isilda Mara. “O Vetëvendosje ganhou e, enquanto líder do partido, ele pode ser primeiro-ministro”, mesmo sem ter sido eleito deputado.
Mas nem sempre a política “leva a melhor” sobre a justiça. A 5 de novembro de 2020, Hashim Thaçi demitiu-se da presidência do país após ter sido formalmente acusado de crimes de guerra e crimes contra a Humanidade pelo Tribunal Especial para o Kosovo, com sede em Haia.
Thaçi terá de prestar contas pelos anos em que assumiu responsabilidades nas fileiras do Exército de Libertação do Kosovo. É ainda o passado de guerra a ensombrar o futuro do país.
(FOTO Esta bandeira do Kosovo, feita com mais de 127.400 origamis, valeu à autora, a artista kosovar Arbnora Fejza Idrizi, a entrada para o Guinness Book ARMEND NIMANI / AFP / GETTY IMAGES)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de maio de 2021. Pode ser consultado aqui