Bennett já governa. E Netanyahu já quer abatê-lo

O “Governo da mudança” enfrenta desafios internos e externos e uma moção de censura no Parlamento

Naftali Bennett, com a kippah, e Benjamin Netanyahu MIRIAM ALSTER / FLASH90

Os primeiros dias do autoproclamado “Governo da mudança” — sem Benjamin Netanyahu ao leme após muitos anos — mais parecem dignos da era… Netanyahu. Terça-feira, uma marcha nacionalista desfilou, de forma provocadora, em Jerusalém Oriental, celebrando a conquista dessa parte da cidade aos árabes em 1967.

Aos gritos de “morte aos árabes”, “Maomé está morto” e “a segunda Nakba [expulsão de árabes da Palestina] está a chegar”, a marcha não evitou passar pela Porta de Damasco — principal entrada no bairro árabe da Cidade Velha —, tornando os confrontos com palestinianos inevitáveis.

Tal como aconteceu há um mês, quando a iminência de despejos de famílias árabes do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, desencadeou uma inédita chuva de rockets sobre Israel, disparados pelo Hamas, o grupo islamita reagiu agora à marcha lançando balões incendiários a partir da Faixa de Gaza. Os artefactos provocaram 20 fogos no sul de Israel, que respondeu com bombardeamentos a Gaza — em maio durante 11 dias, esta semana durante umas horas.

Estes acontecimentos traduzem o principal desafio interno que enfrenta o novo Governo em funções desde domingo, liderado pelo nacionalista Naftali Bennett: a coexistência entre israelitas árabes e judeus. Na frente externa, o grande problema é o de sempre nos últimos anos: o programa nuclear iraniano.

“Netanyahu juntou-se à viagem vergonhosa dos seus co-conspiradores anti-Irão — Bolton, Trump e Pompeo — para o caixote do lixo da história. (…) É hora de mudar de rumo”
Javad Zarif, ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão

A saída de cena de Netanyahu significa para o Irão o desaparecimento de um entrave ao diálogo com o Ocidente. Mas se esse tipo de política é defendida pelo atual Presidente iraniano (o moderado Hassan Rohani), poderá não ser a do seu sucessor, que será eleito nas presidenciais de hoje.

Esta semana, no Parlamento israelita, Bennett não se distanciou da posição do seu antecessor, considerando “um erro” a reativação do acordo nuclear de 2015 (de que Donald Trump retirou os EUA, mas a que Joe Biden quer regressar). “Israel não permitirá que o Irão se equipe com armas nucleares”, disse o novo primeiro-ministro. Este dossiê será, porventura, o principal braço de ferro entre Israel e a Administração Biden.

“Israel não tem melhor amigo do que os EUA”
Joe Biden, Presidente norte-americano

Após entrar na Casa Branca, a 20 de janeiro, Biden demorou quase um mês para fazer o seu primeiro telefonema para Netanyahu (Trump ligara-lhe no segundo dia em funções). A demora na cortesia causou ansiedade em Israel e suspeitas de que Biden quisesse menosprezar Netanyahu, que era unha com carne com Trump.

Desta vez, o Presidente dos EUA ligou a Bennett no próprio dia em que o Parlamento o confirmou como primeiro-ministro. Num ato paralelo, o secretário de Estado americano, Antony Blinken telefonou ao seu homólogo Yair Lapid (que a meio da legislatura trocará de cargo com Bennett). “O vínculo que une os nossos povos é prova dos valores que partilhamos e de décadas de estreita cooperação” disse Biden. “Os Estados Unidos permanecem inabaláveis no seu apoio à segurança de Israel.”

“Estou convosco, amigos, na batalha diária contra este mau e perigoso Governo de esquerda, para derrubá-lo”
Benjamin Netanyahu, ex-primeiro-ministro israelita

Netanyahu demorou apenas três dias a declarar guerra à coligação de oito partidos — da extrema-direita judaica ao islamismo árabe — que se uniram para o afastar do poder. Na quarta-feira, o seu partido (Likud, direita) apresentou uma moção de censura ao Executivo, acusando-o de ter sido formado com base em “fraude e mentiras”. Será votada na próxima segunda-feira, no mesmo Parlamento que aprovou o Governo Bennett por um triz: 60 votos contra 59.

Artigo publicado no “Expresso”, a 18 de junho de 2021. Pode ser consultado aqui

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