Como se explica a instabilidade persistente neste país caribenho?

Catástrofes naturais, golpes de Estado e pobreza têm marcado os últimos 100 anos do Haiti

Um pedido de ajuda em Port-au-Prince, a 19 de janeiro de 2010, uma semana após um sismo de 7.0 de magnitude. “Precisamos de água, comida, lâmpadas e ciberturas de lástico”, lê-se MASS COMMUNICATION SPECIALIST 2ND CLASS MICHAEL C. BARTON, U.S. NAVY / RAWPIXEL

1 Quem matou o Presidente Jovenel Moïse?

A investigação ao assassínio do chefe de Estado de 53 anos, na madrugada de 7 de julho, implicou diretamente 28 pessoas: 26 colombianos e dois americano-haitianos — apenas cinco colombianos estão por capturar. Foram presos ainda o chefe da segurança presidencial, Dimitri Hérard, e um terceiro americano, Christian Emmanuel Sanon, médico de 63 anos a viver na Florida, suspeito de ser o cérebro da operação, e o chefe da segurança presidencial. Chegara ao Haiti em junho, num avião privado e na companhia de mercenários. Teria como objetivo tomar a presidência. Moïse, chefe de Estado desde 2017, foi morto a tiro na sua residência particular, em Port-au-Prince. Impopular e autoritário, manifestações de rua pediam a sua demissão.

2 Quão vulnerável é o Haiti a golpes políticos?

Muito. A segunda metade do século XX é fértil em exemplos. Em 1957, o político e médico François Duvalier (conhecido como ‘Papa Doc’) foi eleito Presidente na sequência de um golpe militar. Praticante de vudu (culto animista reconhecido como religião em 2003), declarou-se chefe de Estado vitalício, apoiado na milícia Tonton Macoute. Morreu em 1971 e sucedeu-lhe o filho Jean-Claude Duvalier (‘Baby Doc’), de 19 anos, que acabaria contestado nas ruas e exilado em França. Seguiram-se golpes militares até às eleições de 1990, as primeiras livres e pacíficas, que colocaram no poder Jean-Bertrand Aristide. Este ex-padre católico salesiano, ligado à teologia da libertação, sairia passados sete meses, derrubado por um golpe, e voltaria mais tarde por duas vezes.

3 Como têm reagido os EUA à instabilidade no país?

Washington está a analisar um pedido do primeiro-ministro interino, Claude Joseph, para enviar tropas que ajudem a proteger infraestruturas, como o aeroporto. Não seria inédito. Em 1915, os EUA invadiram o Haiti, que levava quase 100 anos de independência, para “proteger os interesses americanos e estrangeiros”. As tropas retiraram-se em 1934, mas os EUA mantiveram controlo fiscal sobre o país até 1947. Outra intervenção aconteceu em 1994, com Bill Clinton na Casa Branca e uma junta militar sanguinária em Port-au-Prince. A chegada ao país de tropas dos EUA (Operação Democracia Sustentada) foi saudada nas ruas.

4 Que outras fragilidades tem o Haiti?

É o país mais pobre do hemisfério ocidental e está exposto a ciclones, tufões e chuvas. Em 2008, viveu a época de furacões mais trágica: 8% da população foi afetada, 70% das plantações destruídas e houve quase 800 mortos. A exposição a catástrofes naturais decorre da localização do país, nas Caraíbas, e é acentuada pela intervenção humana. Exemplo: com o petróleo inacessível a muitos, há grande procura de carvão proveniente de árvores queimadas; em épocas de chuva forte, encostas despidas de vegetação tornam-se cascatas. A 12 de janeiro de 2010, o Haiti foi atingido pela segunda pior catástrofe natural mundial dos últimos 40 anos — só superada pelo tsunami no oceano Índico de 2004. Um sismo de 7.0 fez mais de 100 mil mortos (há quem diga 300 mil), reativou doenças erradicadas, destruiu casas e infraestruturas e submergiu o país numa crise humanitária.

Artigo publicado no “Expresso”, a 16 de julho de 2021. Pode ser consultado aqui

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