Teme-se que o farol democrático da Primavera Árabe esteja de regresso aos dias do regime de um homem só
1 O que levou os tunisinos às ruas?
A negligência das autoridades em relação à covid-19. Com um fraco ritmo de vacinação, o país regista a mais alta taxa de mortalidade do mundo árabe. Mas este descontentamento esconde frustrações maiores. “A questão social, que esteve na base da revolução democrática de 2011, não foi resolvida”, diz ao Expresso o analista político Álvaro de Vasconcelos. “Os problemas sociais agravaram–se, o desemprego aumentou, sobretudo entre os jovens, e instalou-se um enorme desagrado em relação aos partidos políticos.”
2 Por que motivo o Presidente é acusado de golpe?
Apoiando-se na contestação popular, o Presidente Kais Saied, professor de Direito Constitucional, eleito a 13 de outubro de 2019 com um discurso populista e antipartidos, atuou ao estilo de um ditador: demitiu o primeiro-ministro, suspendeu o Parlamento, retirou a imunidade aos deputados, nomeou-se procurador-geral da República e decretou o estado de emergência durante 30 dias. As medidas foram tomadas dia 25, invocando a Constituição e o descontentamento popular. “Podemos dizer que é um golpe constitucional”, diz Vasconcelos.
3 Como reagiram os militares?
Colocaram-se ao lado do chefe de Estado. “Em 2011, os militares não intervieram para apoiar Ben Ali [ditador contestado]. Agora surgiram ao lado de Kais Saied.” Uma característica do processo tunisino, em contraponto ao que aconteceu, por exemplo, no Egito, foi a não interferência política da instituição militar. “Houve uma mudança que não pressagia nada de bom, embora os militares tenham respeito pelas questões constitucionais, não sejam muito politizados e não tenham grandes interesses económicos, como os egípcios.”
4 Porque há receios a nível internacional?
A Tunísia foi o único país da Primavera Árabe a enveredar pela via democrática, inspirada na experiência portuguesa. “A esperança democrática no mundo árabe pode estar a desaparecer”, diz o investigador, que recorda que a Tunísia ainda não criou um Tribunal Constitucional. “Era a instituição que faltava. E, portanto, não há quem diga quais são os limites da ação do Presidente.” Álvaro Vasconcelos defende “uma pressão da UE e dos EUA”, que dão ajuda económica fundamental e “têm influência real no país”. “O sistema democrático tunisino não irá encontrar apoio na região.”
Artigo publicado no “Expresso”, a 30 de julho de 2021. Pode ser consultado aqui
