A geografia, os interesses geopolíticos e as características socioculturais fazem do Afeganistão um país único no mundo. O regresso dos talibãs ao poder deve ser interpretado à luz de todas essas especificidades. 2:59 JORNALISMO DE DADOS PARA EXPLICAR O PAÍS
O regresso dos talibãs ao poder no Afeganistão apanhou o mundo de surpresa. Perceber o que está na origem deste grupo e como chegou ao governo pela segunda vez em 25 anos, implica refletir sobre particularidades que fazem deste um país único.
Como a GEOGRAFIA.
Situado no coração da Ásia Central, o Afeganistão é um país sem litoral, com extensas zonas escassamente povoadas e montanhas de mais de 7000 metros.
Ao longo da fronteira com o Paquistão, a cordilheira do Hindu Kush simboliza a importância dos terrenos acidentados para os afegãos. Hindu Kush significa “assassina de hindus”. Este nome terá nascido depois de muitos escravos indianos terem morrido ao frio durante as invasões árabes.
A topografia agreste, onde muitas vezes o transporte de pessoas e bens só é possível no dorso de burros, produziu combatentes de excelência. Os afegãos ganharam fama de serem indomáveis e o país um cemitério de impérios.
A GEOPOLÍTICA explica.
Vários poderes tentaram dominar o Afeganistão com objetivos maiores em mente: chegar às planícies férteis da Índia, ao mar Arábico ou às jazidas energéticas da Ásia Central.
Pelos desfiladeiros deste país passaram comandantes como o grego Alexandre O Grande ou o mongol Gengis Khan. E ainda exércitos árabes, persas e turcos.
Os sucessivos conquistadores foram deixando genes pelo caminho, o que explica o mosaico étnico que é hoje a população afegã. Não raras vezes, os vários grupos guerreiam-se entre si. Mas em presença de um invasor estrangeiro, unem-se.
Nos últimos 200 anos, os afegãos derrotaram o Império Britânico três vezes. E durante a Guerra Fria, a União Soviética terminou a sua ocupação do Afeganistão vergada a pesadas derrotas. Já os Estados Unidos viram 20 anos de intervenção militar pós-11 de Setembro culminar no regresso pujante dos talibãs que proclamaram um Emirado Islâmico.
Isto leva-nos à RELIGIÃO.
Um dos legados dos invasores árabes foi a fé islâmica, que teve o condão de criar unidade num território dividido em tribos.
Quando se fez anunciar no Afeganistão, o movimento talibã tinha nas suas fileiras não só combatentes da guerra aos soviéticos mas também estudantes do Alcorão. Muitos eram órfãos desse conflito, criados em campos de refugiados e radicalizados em escolas religiosas do Paquistão.
Uma vez no poder, além de acolherem a Al-Qaeda de Osama bin Laden, os talibãs exerceram a autoridade com base numa interpretação extremista do Islão, misturada com preceitos culturais.
Hoje, um afegão de 40 anos viveu mais tempo em guerra do que em paz. E esse estado de conflito permanente condena o país à pobreza e a um subdesenvolvimento crónico, tornando-o um dos grandes emissores de refugiados do mundo.
Com pouca terra arável, o Afeganistão é o maior produtor mundial de ópio. Para muito afegãos, isso significa ter trabalho. Para os senhores da guerra, as papoilas são fonte de financiamento das suas milícias. Com ou sem talibãs, o certo é que o potencial do Afeganistão para o conflito é grande.
Episódio gravado por Pedro Cordeiro.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de outubro de 2021. Pode ser consultado aqui