“Instabilidade no Norte de África já tem impacto nos fluxos migratórios para a Europa”, e para a costa algarvia

A instabilidade na Tunísia, a ausência de Estado na Líbia e a tensão militar entre Marrocos e Argélia podem alimentar fluxos migratórios na direção da Península Ibérica. Ao Expresso, o diretor do programa para o Norte de África do International Crisis Group diz que “um aumento vertiginoso da imigração ilegal para Portugal não é provável para já”, mas… esta terça-feira o tema será discutido numa conferência organizada pelo Observatório do Mundo islâmico, em Lisboa

Nos últimos anos, o Mediterrâneo tornou-se um cemitério para migrantes desesperados que arriscam a vida (e em muitos casos perdem-na) em frágeis embarcações para tentar chegar às costas da Europa. Um fluxo migratório tem-se feito sentir com maior intensidade junto às fronteiras da Europa de Leste, com milhares de pessoas escondidas em florestas (onde já existem campas de migrantes que morreram ao frio) à espera de oportunidade para pôr o pé em território da União Europeia.

De forma mais discreta e menos numerosa, há cada vez mais embarcações provenientes do continente africano a lançarem-se na direção da Península Ibérica e a chegarem à costa algarvia.

“Por enquanto, o número de tentativas para chegar ao Algarve é limitado. Não é possível falar numa verdadeira rota de imigração ilegal a partir de Marrocos. Portugal já recebeu cerca de 100 migrantes provenientes de Marrocos dessa forma e parece haver um ligeiro aumento este ano comparado com 2020”, diz ao Expresso Riccardo Fabiani, diretor do programa para o Norte de África do International Crisis Group.

“Ao longo deste ano, já foi possível observar um aumento (comparativamente a 2020) de embarcações provenientes de Marrocos para Espanha. Vale a pena lembrar também que a rota do Mediterrâneo Ocidental é a segunda mais importante, depois da rota entre Líbia/Tunisia e Itália.”

Maioria dos migrantes é magrebina

Uma constatação importante para se perceber e conseguir prever a evolução deste fenómeno prende-se com o facto de a maioria dos migrantes que usam a rota do Mediterrâneo Ocidental ser magrebina. “Isso revela que a situação política e económica no Norte de África está a piorar e que esta instabilidade já tem impacto na população e nos fluxos migratórios para a Europa”, explica Fabiani, que esta terça-feira irá desenvolver o tema na conferência “Norte de África: tensões e conflitos”, organizada pelo Observatório do Mundo Islâmico e realizada na Biblioteca Arquiteto Cosmelli Sant´Anna, em Lisboa (18h30), com transmissão online aqui.

“Há várias explicações para este fenómeno. Em primeiro, a situação económica no Norte de África é cada dia mais difícil, especialmente por causa da covid-19 mas também porque a esses países falta um modelo de desenvolvimento capaz de oferecer um número suficiente de empregos, sobretudo para os jovens”, desenvolve o investigador do International Crisis Group. “Em segundo, nos últimos anos, a promessa de abertura política e democracia desapareceu.”

  • TUNÍSIA: Dez anos após o movimento da Primavera Árabe, o país onde tudo começou continua sem consolidar a sua democracia e sem conseguir estabilidade. Invocando a urgência em combater a corrupção, em julho passado, o Presidente Kaïs Saïed dissolveu o Parlamento e concentrou em si os principais poderes do Estado. “A maioria da população está desiludida com a democracia, que não produziu os efeitos esperados de desenvolvimento económico e de combate à corrupção”, comenta Fabiani.
  • LÍBIA: É outro país que ainda não encontrou o seu rumo após a queda do ditador Muammar Kadhafi, há dez anos. Duas autoridades políticas disputam o poder, condenando a sociedade a uma ausência de perspetivas que se arrasta. “Assistimos a um impasse político devido às divisões crescentes entre as fações líbias relativamente às eleições [legislativas e presidenciais] previstas para 24 de dezembro”, neste país rico em petróleo.
  • MARROCOS: Em novembro de 2020, a Frente Polisário pôs termo a um cessar-fogo que durava há dez anos e retomou a luta armada contra Marrocos em nome da autodeterminação do território do Sara Ocidental. Este conflito contamina a relação entre Marrocos e a vizinha Argélia (que abriga milhares de refugiados sarauís). “Estas tensões militares entre Marrocos e a Frente Polisário e um risco cada dia maior de uma guerra entre Argélia e Marrocos podem alimentar nova vaga migratória”, alerta Fabiani.

“Embora um aumento vertiginoso da imigração ilegal para Portugal não seja provável para já, há uma hipótese de a desestabilização do Norte de África poder levar mais pessoas a tentar chegar a Espanha e a Portugal, e tornar a gestão da imigração ilegal nessa região muito mais complicada do ponto de vista político e logístico”, alerta Fabiani.

A estratégia de Portugal

A chegada ao Algarve de embarcações com migrantes marroquinos levou Portugal, em agosto do ano passado, a encetar conversações com Marrocos com vista à criação de uma rede de migração legal, dada a necessidade de Portugal relativamente a mão de obra estrangeira para determinadas atividades.

“O Governo português parece apostar numa estratégia preventiva face ao risco de um aumento da imigração ilegal e negocia com Marrocos um acordo para permitir a imigração legal deste país para Portugal. Parece-me uma estratégia inteligente mas também um sinal de que o problema da imigração clandestina poderia se tornar mais perigoso nos próximos anos.”

Com os migrantes a procurarem rotas alternativas para tentarem para chegar à Europa, a abordagem da União Europeia mantém-se a mesma de sempre: desembolsar milhões para conter o problema na margem sul do Mar Mediterrâneo. “A estratégia nunca mudou: a UE continua a apoiar os Estados ‘tampão’ do Norte de África para gerir os fluxos provenientes da África subsariana e para monitorizar o litoral e assim impedir tentativas de travessia para a Europa”, conclui Fabiani.

“Trata-se de uma estratégia focada na segurança e no controlo das fronteiras e que não presta muita atenção aos outros fatores por detrás deste fenómeno, como o desemprego, a instabilidade, as alterações climáticas e a falta de desenvolvimento económico.”

(FOTO Refugiados tentam atravessar o Mediterrâneo num insuflável, desde a costa da Turquia até à ilha grega de Lesbos MSTYSLAV CHERNOV / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 30 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Nova variante complica planos de viagem dos emigrantes na África do Sul. “Estão aí à minha espera para passarmos a consoada juntos”

A época do Natal é das mais procuradas pelos emigrantes portugueses na África do Sul para virem a Portugal. Com a perspetiva de as fronteiras se fecharem a voos desse país, os planos complicam-se. Ao Expresso, emigrantes no país, alguns com viagem marcada, contam o que pensam fazer

A presidente da Comissão Europeia defendeu esta sexta-feira, no Twitter, a suspensão de voos entre o espaço europeu e um conjunto de países da África Austral. Na origem da decisão está o surgimento de uma nova variante do vírus SARS-CoV-2, especialmente agressiva, designada por ómicron.

“A Comissão Europeia vai propor, em estreita coordenação com os Estados-membros, a ativação do travão de emergência para parar viagens aéreas provenientes da região da África Austral, devido à preocupante variante B.1.1.529”, explicou Ursula von der Leyen.

O Reino Unido adiantou-se à União Europeia (UE) e proibiu a entrada no país de voos provenientes de seis países africanos, entre os quais a África do Sul. Para cidadãos portugueses emigrados neste país africano — onde se estima que vivam 250 mil portugueses e lusodescendentes — há que aguardar para ver se os 27 vão atrás, e em que moldes. Entretanto, Alemanha e Itália, pelo menos, já anunciaram que vão proibir a entrada nos seus territórios de viajantes da África Austral.

“Se o Governo disser que deixa entrar quem tenha passaporte português, as vacinas e um teste de covid negativo, mesmo que obrigue a quarentena, muitas pessoas que têm casa em Portugal, ou mesmo família que os hospede, irão na mesma”, comenta ao Expresso Hélio Sá, de 33 anos, residente em Joanesburgo. “Mas quem for para hotéis vai pensar duas vezes.”

Turistas e emigrantes

Este português tem esperança que, a confirmar-se o encerramento das fronteiras aos passageiros vindos da África do Sul, haja uma distinção entre turistas (necessitados de visto) e emigrantes (detentores de passaporte português), e que as portas se abram a quem cumpra as normas de segurança exigidas.

A 8 de dezembro, o pai de Hélio tem viagem marcada para Portugal, através de Luanda, a bordo da TAAG (Linhas Aéreas de Angola). “Ainda estamos à espera de perceber o que a UE e Portugal vão fazer, se fecham só para turistas ou se fecham também para quem tem passaporte português. Não sabemos qual vai ser a lei.”

Este Natal, Hélio, que trabalha na área dos seguros financeiros, não tinha planos para visitar a família, que vive na zona de Santa Maria da Feira. A última vez que visitou o país foi em 2014, e desde então a vida mudou: casou-se, teve dois filhos e, além de as prioridades terem mudado, deixou de poder pagar os bilhetes de avião, que encareceram muito.

Não há voos diretos entre Portugal e África do Sul

“Os nossos voos para Portugal nunca são diretos. Fazem sempre escala em qualquer lado, Dubai, Paris, Frankfurt”, e também Londres para onde havia vários voos diários. “A TAP, infelizmente, não está a voar para aqui”, lamenta ao Expresso o fotógrafo Carlos Silva, de 66 anos, a trabalhar na África do Sul desde 1974. “Antes deste vírus, eu ía a Portugal no mínimo duas vezes por ano. Este Natal não tenho intenções de ir, tenho coisas a fazer por aqui.”

Nelson Reis, de 69 anos e emigrante na África do Sul há 50, já tem viagem marcada para Portugal. Ao Expresso, diz estar disposto a estudar alternativas para tentar passar o Natal com a família. “Estão aí à minha espera para passarmos a consoada juntos. Já marquei e já paguei o bilhete”, diz a partir de Joanesburgo. Tem as duas doses da vacina tomadas e, apesar de ter origens em Cantanhede, é para Cascais que quer viajar, onde vive a filha. Viajante experiente, costuma vir a Portugal três, quatro vezes por ano. Se as fronteiras europeias se fecharem a voos da África do Sul, “vou procurar alternativas”.

A viver na África do Sul desde 1985, Vasco de Abreu, de 66 anos, é conselheiro das Comunidades Portuguesas e uma das portas a quem muitos portugueses batem para tentar buscar orientação. “Ainda hoje, uma série de pessoas me telefonaram porque estão com receio”, diz ao Expresso. “Têm passagens marcadas para este mês e para o princípio de dezembro, para irem passar o Natal e Ano novo com as famílias, e estão todos um bocado em pânico, sem saber que fazer, se cancelar, se manter as reservas…”

Arejar a casa e ir à caixa

A época do Natal e Fim de Ano (onde na África do Sul é verão) é das favoritas dos emigrantes para regressarem a Portugal, juntamente com os meses do (nosso) verão. Hélio Sá prevê que os portugueses que mais insistirão em viajar sejam os mais velhos, “pessoas que têm casa em Portugal, e querem arejar o espaço, ou que têm de ir à Caixa tratar de burocracias.”

Para os mais jovens, é mais fácil aceitar as circunstâncias. É o caso de Fátima Piedade, de 33 anos, administrativa numa empresa em Joanesburgo. A última vez que veio a Portugal foi há seis anos e tem tudo marcado para vir este ano. “Muitas pessoas vão a Portugal no Natal. Em dezembro, a minha empresa fecha, temos férias, é boa época para irmos a Portugal”, diz ao Expresso. “Neste momento, a única coisa a fazer é aguardar, e esperar pelo reembolso da viagem se não der para ir. E depois ir noutra altura.”

Conhecedor da sensibilidade portuguesa na África do Sul, Vasco de Abreu considera que essa será a decisão a prevalecer, se a fronteira portuguesa se fechar. “A grande maioria prefere ir noutra altura, porque não está para se sujeitar a ter de ficar de quarentena em Portugal”, diz. “Não faz sentido gastar esse dinheiro todo [com a viagem] e não poder estar com a família e ter de ficar em quarentena.”

(IMAGEM Grafismo de um vírus sobre a bandeira da África do Sul DELOITTE.)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 26 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

A UE exigiu e a Albânia cumpriu. Então porque não arranca o processo de adesão?

A Albânia está na fila de espera para aderir à União Europeia, mas as negociações tardam em começar. Não por culpa dos albaneses, mas por o seu processo estar, por vontade dos 27, acoplado ao dossiê de adesão da Macedónia do Norte. Uma eurodeputada portuguesa, recentemente regressada da Albânia, descreve ao Expresso sinais de desilusão pela demora de Bruxelas em iniciar as negociações com Tirana

Nos últimos dois anos, a União Europeia (UE) foi confrontada com perspetivas de divórcio que desgastaram a sua imagem de um bloco político irresistível. Primeiro foi a saída do Reino Unido (‘Brexit’), concretizada a 31 de janeiro de 2020. Já este ano, diferendos entre a UE e a Polónia em torno de questões de Estado de Direito aventaram a possibilidade de um ‘Polexit’. E de tempos a tempos, fragilidades macroeconómicas têm confrontado países como a Grécia, por exemplo, com a possibilidade de saída do euro (‘Grexit‘).

Toda esta turbulência não obsta a que vários outros países olhem para a UE como o seu projeto de futuro e se esforcem para que Bruxelas lhes abra as portas e estenda a mão. É o caso da Albânia.

“A UE pediu uma série de reformas à Albânia. Não vou dizer que o país é um paraíso e que atingiu um nível exemplar em todas as áreas, mas houve um esforço sério para cumprir com as metas que lhe foram exigidas. Temos de o reconhecer”, diz ao Expresso Isabel Santos, relatora do Parlamento Europeu para o processo de adesão da Albânia à UE.

Regressada de uma visita à Albânia, a eurodeputada do PS recorda que o esforço das autoridades de Tirana para corresponder às exigências de Bruxelas não se refreou, apesar do contexto pandémico e do terramoto de 26 de novembro de 2019, que devastou o noroeste do país, provocou 51 mortos e teve impacto na economia nacional. “Apesar de tudo isso, a Albânia fez progressos naquilo que foram as reformas pedidas pela UE.”

Neste jogo político, a bola está no meio-campo da UE, de quem a Albânia (des)espera pelo agendamento da primeira Conferência Intergovernamental (CIG), que iniciará formalmente o processo de adesão. “Infelizmente, a situação tem sido de uma certa paralisia por parte da UE em dar a resposta à marcação dessa primeira CIG”, lamenta a eurodeputada.

Espera-se que o assunto seja debatido no próximo Conselho Europeu, de 16 e 17 de dezembro, em Bruxelas, mas há uma circunstância a determinar uma grande dose de pessimismo quanto ao desfecho final. Por decisão dos 27, o processo albanês decorre em paralelo ao da Macedónia do Norte. “Formalmente, não há nada que obrigue a que os processos de negociação para adesão dos dois Estados sejam feitos em simultâneo”, explica ao Expresso Pascoal Pereira, professor na Universidade Portucalense.

“Contudo, a associação destes dois processos foi feita, de modo implícito, a partir do momento em que foram abertas as negociações para a adesão ao mesmo tempo, em 2020. A aceleração do processo de adesão de um, deixando o outro para trás, seria entendido como retrocesso desmoralizador para a Macedónia do Norte, que, para iniciar as negociações, teve de esperar 15 anos desde que lhe foi atribuído o estatuto de candidata, em 2005, enquanto a Albânia apenas teve de esperar seis anos.”

Na prática, a perspetiva de adesão conjunta traduz-se no congelamento do dossiê albanês, já que o processo macedónio se tem revelado mais espinhoso. “As recentes disputas entre a Macedónia do Norte e a Bulgária tornaram-se um obstáculo para a Albânia progredir nas suas negociações”, recorda ao Expresso a albanesa Isilda Mara, economista no Instituto para os Estudos Económicos e Internacionais de Viena (WIIW, na sigla internacional). Ironicamente, “a UE confirmou que a Albânia fez o trabalho de casa e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que as conversações de adesão deveriam começar ainda este ano.”

Nas reuniões do Conselho da UE, havendo um Estado que levante objeção, a unanimidade requerida deixa de ser possível e qualquer processo de adesão fica bloqueado. Foi para contornar um impasse desse género que, a 11 de janeiro de 2019, o Parlamento da Macedónia aprovou a mudança do nome oficial do país para Macedónia do Norte, no que foi interpretado como capitulação diante da Grécia (Acordo de Prespa, de 2018). Esta reivindicava que apenas a sua província do norte poderia chamar-se Macedónia, e com essa posição vetava a adesão do país vizinho, agora Macedónia do Norte.

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países são candidatos a entrarem na UE. São eles, além da Albânia, a Macedónia do Norte, o Montenegro, a Sérvia e a Turquia

Resolvido o problema com os gregos, os búlgaros são agora a dor de cabeça dos macedónios. “Esta pressão exercida pela Bulgária não deixa de recordar uma posição análoga que a Grécia teve em relação à Macedónia durante anos (que tinha que ver com o seu nome oficial e com a utilização de símbolos nacionais que considerava exclusivamente seus)”, lembra Pascoal Pereira. “A diferença é que Atenas manteve essa posição de forma quase constante desde 1991, enquanto só muito recentemente Sófia adotou esta postura em relação a Skopje.”

O académico arrisca uma explicação: “Esta preocupação repentina do Governo búlgaro em relação ao seu pequeno vizinho pode não passar de um surto nacionalista momentâneo que terá sido usado como instrumento de mobilização política interna, num momento de grande instabilidade política na Bulgária”. Os búlgaros já votaram três vezes em legislativas este ano.

No contencioso entre a Macedónia do Norte e a Bulgária estão em causa, essencialmente, obstáculos de “natureza identitária”, relacionados com “o reconhecimento mútuo de línguas (as línguas búlgara e macedónia são muito próximas, quase coincidentes), factos históricos que ambos os países reivindicam como seus, bem como a nacionalidade de determinados heróis nacionais”, explica Pascoal Pereira.

A 6 de outubro passado, à margem da cimeira UE-Balcãs Ocidentais, na Eslovénia, o Presidente búlgaro, Rumen Radev, disse que o seu país está disposto a deixar de bloquear a adesão da Macedónia do Norte à UE se Skopje parar com o seu “apagamento subtil” da identidade dos macedónios búlgaros. Enquanto o braço-de-ferro durar, será a Albânia a pagar a principal fatura. “Aquilo que tenho vindo a reclamar, como relatora, é que se marque a primeira CIG, uma vez que a Albânia cumpriu as cinco reformas que lhe foram pedidas”, diz Isabel Santos.

  • Reforma judicial
  • Reforma administrativa
  • Combate à corrupção
  • Combate ao crime organizado
  • Direitos humanos

“Em todas essas áreas houve avanços legislativos significativos”, refere a eurodeputada. “O mais significativo de todos foi o chamado vetting process”, um instrumento chave na luta contra a corrupção que passa por uma avaliação dos juízes e promotores do país quanto a ativos, antecedentes e proficiência. “Este processo já levou a que 62% dos juízes reavaliados tivessem sido destituídos ou se tivessem demitido do exercício de funções. Isto mostra o grau de exigência desta reforma judicial e a resposta firme que foi dada pela Albânia.”

Há 30 anos, a Albânia ascendia ao clube das democracias europeias após décadas de governação de um dos regimes estalinistas mais fechados do continente. Nas ruas de Tirana, gigantescas manifestações populares exigiam que o país se tornasse “como o resto da Europa”.

Esse desafio continua por cumprir. Isilda Mara enumera os benefícios que a adesão à UE pode trazer à Albânia.

  1. ECONOMIA: “O país beneficiará em termos económicos através de melhor acesso aos mercados da UE, intensificação das relações comerciais e maior integração económica e financeira com a UE.”
  2. POLÍTICA: “Os benefícios advirão da reforma do sistema judicial e da consolidação das instituições e do Estado de Direito, em conformidade com o acervo da UE.”
  3. SOCIEDADE: “Maior integração e ser membro da UE têm efeitos positivos no que diz respeito à coesão social, livre circulação de pessoas e trabalhadores, bem como melhoria das perspetivas de vida na Albânia.”

Na Albânia, a eurodeputada portuguesa Isabel Santos percebeu que o desejo de pertencer à UE é transversal a todos os partidos políticos e transcende o mero interesse económico. “Visitei alguns projetos financiados pela UE, mas não é só fundos que as pessoas querem… reivindicam serem cidadãos da UE.”

Com quase três milhões de habitantes, a Albânia faz fronteira com a Grécia e está apenas separada da Itália pelo Estreito de Otranto, que liga os mares Adriático e Jónico.

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INFOGRAFIA Jaime Figueiredo

Para a economista albanesa, que no WIIW investiga os casos da Albânia e do Kosovo (antiga província sérvia de maioria albanesa, declarada independente em 2008), este será um processo longo. “Há uma certa relutância por parte de países da UE em trazer a Albânia e outros países dos Balcãs Ocidentais para a UE, porque querem evitar parte dos erros vividos em processos anteriores de alargamento da UE, em 2004, 2007 e 2013”, explica Isilda Mara.

  • 2004: Chipre, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, República Checa, Roménia
  • 2007: Bulgária e Roménia
  • 2013: Croácia

“A aspiração dos albaneses em tornarem-se membros da UE é das mais fortes entre os países dos Balcãs Ocidentais”, acrescenta Mara. “No entanto, a expectativa de que o processo demore muito está a gerar frustração e desilusão entre os albaneses, que continuam a deixar o país em massa e a mudarem-se para a UE, em vez de esperarem pela adesão do país.”

Em Tirana, Isabel Santos testemunhou indícios de desapontamento. “Não é um sentimento marcante, porque a esmagadora maioria da população é muito pró-europeia, mas já se nota algum ceticismo face ao não desenvolvimento do processo”, diz. “Visitei uma universidade, encontrei-me com jornalistas, representantes da sociedade civil e estudantes, e percebi o grau de desilusão provocado pelo facto de não haver resposta da UE. Há dois anos, 97% dos albaneses tinham uma posição muito pró-europeia.”

E conclui: “Esta é uma opção clara do país e isso continuou a ser-me afirmado pelos diversos atores políticos. Num encontro com jovens, um deles perguntou-me: ‘Quando é que avançam com a primeira CIG?’ Para mim, foi espantoso ouvir um jovem tão informado acerca do processo. Colocou uma carga emocional muito grande na pergunta e expressou uma expectativa muito forte em relação ao impacto que a adesão terá no seu futuro e no da sua geração.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

“Não podemos ter mais um Estado falhado naquela região”

O Líbano está em diálogo com o Fundo Monetário Internacional para elaborar um plano que resgate o país daquela que é considerada uma das crises económicas mais graves dos últimos 150 anos, em todo o mundo. A União Europeia está disposta a ajudar, mas não a qualquer preço. Ao Expresso, a eurodeputada Isabel Santos, regressada de uma visita ao país, traça linhas vermelhas que os 27 não querem ver ultrapassadas para continuar a ajudar o Líbano

Os números não deixam margem para dúvidas. A União Europeia (UE) tem sido uma parceira de todas as horas do Líbano, muito em especial nos maus momentos. Nos últimos 10 anos, a UE desembolsou mais de 1500 milhões de euros para ajudar o Líbano em contextos não humanitários e em situações de emergência, como o acolhimento de refugiados, a pandemia de covid-19 ou a grande explosão no porto de Beirute, a 4 de agosto de 2020, considerada um dos maiores rebentamentos não nucleares da História.

Todo este apoio económico não estancou, porém, a vertiginosa queda do Líbano no abismo de uma crise tal que levou o Banco Mundial, no início de junho, a posicionar a situação libanesa “possivelmente no top-3 das crises mais graves em todo o mundo desde meados do século XIX”.

Esta crise, bem como alguns aspetos políticos que estão na sua origem, está a forçar a uma redefinição da relação entre o Líbano e a União Europeia — que têm um Acordo de Associação em vigor desde 2006.

“A UE não pode continuar a apoiar sem que se encontre um plano de recuperação para o país”, afirmou ao Expresso a eurodeputada Isabel Santos, acabada de regressar de uma visita de dois dias ao Líbano, onde chefiou uma delegação do Parlamento Europeu. “É importante que se chegue a acordo com o Fundo Monetário Internacional [FMI] e que, com base nesse apoio, a UE também possa participar.”

“Os atores políticos libaneses têm de entender, de uma vez por todas, que não há mais espaço para falhanços. Tem de haver um compromisso muito sério de todos na reconstrução do país. Não podemos estar sempre à espera de que haja algo ou alguém que nos salve. A solução para o Líbano tem de vir de dentro.”

O Líbano está, há cerca de um mês, em conversações com o FMI na busca de um plano de resgate para o país. No início desta semana, o primeiro-ministro libanês, o empresário milionário Najib Mikati, assegurou que as negociações preliminares estão a avançar. “Não sei qual vai ser o acordo, mas parece-me claro que o FMI exigirá transparência, regras de boa governação e de combate à corrupção”, comentou a eurodeputada do PS.

“Claro que a ajuda humanitária continua a ser disponibilizada através de organizações no terreno, que fazem chegar esse apoio às pessoas necessitadas”, continuou Isabel Santos. “Mas há todo um processo de assistência macrofinanceira que só pode ser desenvolvido depois desse acordo com o FMI.”

Salário de $3000 passou a valer $200

Em especial nos últimos dois anos, a crise irrompeu de forma impiedosa pelas casas dos libaneses. “A maioria da população só tem acesso a eletricidade duas horas por dia”, exemplificou Isabel Santos. “A libra libanesa desvalorizou 90%”, o que atirou “74% da população para uma situação de pobreza”.

“E este é um país que acolhe 1,5 milhões de refugiados… Garantir condições mínimas para estas pessoas também pesa na sociedade libanesa. Algumas delas já estão no país há 60 anos, como os refugiados palestinianos”, acrescenta a eurodeputada.

Uma reportagem publicada esta semana pela agência Reuters ilustra de forma particular a dramática perda do poder de compra no país. Os salários dos cerca de 100 músicos da Orquestra Sinfónica Nacional passaram de 3000 dólares para cerca de 200. Os instrumentistas estrangeiros foram embora, mas, escreve a Reuters no título do artigo, “como no Titanic, a orquestra do Líbano continua a tocar enquanto o país afunda”.

“É dramático vermos um país que foi considerado a Suíça do Médio Oriente num estado absolutamente deplorável”, comentou Isabel Santos.

Um sistema que só bloqueia

Em pano de fundo desta esta crise, há um estado de ingovernabilidade permanente que decorre da especificidade do sistema político. “Se houve algo comum nas conversas que a delegação do Parlamento Europeu teve com os diversos atores é que este sistema assente no modelo confessional não funciona e cria constantes bloqueios ao funcionamento do país”, disse a deputada.

“É preciso que se encontre a fórmula para uma reforma de todo o sistema e que se abandone, de uma vez por todas, um sistema baseado em quotas que tem por base a confessionalidade de diferentes grupos presentes na sociedade.”

Esse apelo foi repetido por representantes da sociedade civil, mas também por membros da classe política. “Mas há que colocar uma grande questão: se a classe política expressa essa vontade, porque não empreende as reformas?”, questiona Isabel Santos.

“Há uma classe política que está instalada, que faz um discurso que sabe que vai ao encontro daquilo que é a opinião da sociedade civil, no sentido de que é preciso mudar, mas que não se mexe para mudar. É uma classe política instalada num esquema muito próprio de equilíbrios que tem por base a pertença a grupos religiosos. E todos ganham com isso.”

Grupos confessionais

  • Oficialmente, a lei libanesa reconhece 18 grupos religiosos.
  • O poder político é distribuído de forma proporcional pelas várias comunidades, consoante o seu peso demográfico.
  • O Presidente libanês é sempre um cristão maronita, o primeiro-ministro um sunita e o presidente do Parlamento um xiita.
  • As 18 confissões reconhecidas são: xiitas, sunitas, alauitas, ismaelitas, maronitas, ortodoxos gregos, católicos gregos, ortodoxos arménios, católicos arménios, ortodoxos siríacos, católicos siríacos, assírios nestorianos, caldeus, coptas, católicos romanos, protestantes, drusos e judeus.

“É um sistema que só bloqueia”, comenta a eurodeputada portuguesa. “Quando se fala na necessidade de substituir um ministro que faz parte de determinada fação religiosa, logo essa fação proclama a saída de outro ministro de outro grupo político. Isto não é aceitável. As pessoas têm de governar por competência e não por pertença a um ou outro grupo identitário.”

Na prática, esta complexa teia político-religiosa contribui, muitas vezes, para períodos de paralisia. As últimas eleições gerais, por exemplo, realizadas a 6 de maio de 2018, estavam originalmente marcadas para… 2013 (foram adiadas em 2013, 2014 e 2017). As próximas eleições deverão realizar-se a 27 de março de 2022.

O Governo atual, em funções desde 10 de setembro, surgiu após um impasse político de 13 meses. Mas tinha apenas um mês de vida quando foi desafiado por poderosos interesses sectários. A meio de outubro, em Beirute, uma manifestação convocada pelos movimentos xiitas Hezbollah e Amal originou tiroteios de que resultaram seis mortos — e o receio do regresso à guerra civil (1975-1990).

O protesto teve como objetivo exigir o afastamento do juiz Tarek Bitar, que lidera a investigação à explosão no porto da capital libanesa — provocada pelo armazenamento, sem condições de segurança, de 2750 toneladas de nitrato de amónio, que provocou 214 mortos, mais de 6500 feridos e a destruição de vários bairros da cidade. O magistrado quer interrogar políticos de todos os quadrantes, o que se tem revelado desafiante.

Protestos deste tipo indiciam uma tentativa de boicote à investigação, para que não avance, “ou pelo menos não avance num certo sentido”, afirmou Isabel Santos ao Expresso.

“Há políticos que se negam a comparecer diante do juiz e a prestar declarações, o que não é de todo aceitável. Ninguém está acima da lei e a impunidade não pode ser lei em lado nenhum”, acrescentou. “Os acontecimentos em torno da investigação à explosão têm sinais muito preocupantes de ingerência no poder judicial, o que não pode ser de todo aceite pela UE. A justiça não pode ser condicionada no seu funcionamento. Essa é uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada.”

O poder das milícias

Insanáveis diferenças identitárias aliadas à degradação económica contribuem para um quotidiano altamente explosivo. “As forças de segurança vivem numa situação muito má, estão com restrições nos vencimentos, com condições de vida absolutamente precárias. Tudo isto acrescenta muita preocupação”, desde logo em relação à segurança do país, disse Isabel Santos. “O Líbano não pode ficar na mão de milícias, sejam elas de que grupo forem.”

Em Beirute, a delegação da UE encontrou-se com o Presidente Michel Aoun, com o presidente do Parlamento, com o vice-primeiro-ministro (que tutela a negociação com o FMI) e com o ministro da Administração Interna (que tem a seu cargo as questões de segurança e a gestão do processo eleitoral).

Os quatro eurodeputados reuniram-se com membros da sociedade civil, que expressaram “um grau enorme de desconfiança em relação a todo o sistema político”, e familiares das vítimas da explosão no porto. “Foi um encontro muito marcante, pela carga emocional que comporta e pelo sentimento de injustiça que estas pessoas trazem dentro de si, e que ultrapassa a explosão e a perda dos seus familiares”, concluiu Isabel Santos.

“O sucedido no porto de Beirute é só o acontecimento mais visível do acumular de muitas coisas num Estado canibalizado pela corrupção, pela impunidade, pela desordem total. É preciso encontrar uma saída. Não podemos ter mais um Estado falhado naquela região.”

(FOTO A missão do Parlamento Europeu, na companhia do Presidente libanês, Michel Aoun (ao centro), no Palácio Baabda, em Beirute. Isabel Santos está de vestido GETTY IMAGES)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui

COP26, nono dia. Obama fez ‘mea culpa’, um ministro discursou de calções e uma ONG apurou que a maior delegação é a dos lobistas dos fósseis

A quatro dias do fim da COP26, o ex-Presidente norte-americano Barack Obama monopolizou as atenções, com uma intervenção centrada nos dramas que enfrentam os pequenos Estados insulares, vulneráveis à subida dos oceanos. Um deles, o Tuvalu, recorreu à criatividade para mostrar que está em vias… de desaparecer

Simon Kofe, ministro dos Negócios Estrangeiros do Tuvalu, gravou a sua mensagem para a COP26 com os pés dentro da água do Oceano Pacífico REUTERS

A situação tem a sua graça, ao ponto de o próprio protagonista rasgar o sorriso, como está patente na foto que ilustra este texto. Mas o problema é realmente grave e só essa circunstância levou Simon Kofe, ministro dos Negócios Estrangeiros do Tuvalu, a substituir as calças do seu fato formal por uns calções para gravar um discurso com as águas do oceano Pacífico pelos joelhos.

A pose e o cenário criaram ambiente para a transmissão de uma mensagem que acontecerá esta terça-feira na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), em Glasgow: o Tuvalu está na linha da frente dos países mais expostos às alterações climáticas e a sua sobrevivência está ameaçada pela subida dos mares.

“A declaração sobrepõe o cenário da COP26 com situações da vida real que enfrentamos no Tuvalu devido aos impactos das mudanças climáticas e à subida do nível do mar”, disse o ministro, num comentário ao vídeo. “E destaca a ação ousada do Tuvalu para resolver questões muito prementes relativas à mobilidade humana em contexto de alterações climáticas.”

‘Uma montanha’ de cinco metros

A iniciativa do governante do Tuvalu não foi tão extrema quanto um histórico conselho de ministros do Governo das Maldivas que se realizou debaixo de água. Mas o drama do Tuvalu — um Estado insular na região da Polinésia, onde o ponto mais alto não chega aos cinco metros — está à vista de todos.

O país foi, aliás, um dos arquipélagos visitados pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, em junho de 2019, num périplo que levou o português à capa da revista “Time”, com uma expressão grave e preocupada junto ao título “O nosso planeta está a afundar-se”.

Em Glasgow, esta segunda-feira — dia dedicado ao tema “Adaptação, perdas e danos” —, coube a Barack Obama sair em defesa dos pequenos Estados insulares. O ex-Presidente dos Estados Unidos recordou as suas origens havaianas e fez um mea culpa em nome do mundo desenvolvido: “Como era verdade há cinco anos, não fizemos o suficiente e as nossas ilhas estão mais ameaçadas do que nunca”, disse.

“Todos nós temos uma parte a desempenhar, todos temos trabalho a fazer, todos nós temos sacrifícios a fazer. Aqueles de nós que vivem em grandes nações ricas têm um fardo adicional a fazer, trabalhando, ajudando e auxiliando aqueles que são menos responsáveis ​​e menos capazes mas mais vulneráveis ​​a esta crise que se aproxima.”

Era Obama quem estava na Casa Branca quando foi assinado o Acordo de Paris (2015), que comprometeu 196 Estados e a União Europeia a manterem o aquecimento global abaixo dos 2°C – e se possível abaixo dos 1,5°C.

Na sequência do Acordo, os países desenvolvidos foram instados a aumentar o seu envolvimento no combate climático, nomeadamente ajudando a mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano (86 mil milhões de euros) para serem gastos nos países em desenvolvimento em ações conducentes à redução de emissões de gases com efeito de estufa e em projetos de adaptação às mudanças climáticas.

Esse objetivo continua por cumprir, ouviu-se em Glasgow. “Entre outros, os EUA estão lamentavelmente longe de pagar a sua parte justa do financiamento climático”, acusou o primeiro-ministro das Ilhas Fiji, Frank Bainimarama, que discursou a seguir a Obama. “Agora nós, os mais vulneráveis, somos instruídos a engolir e esperar.”

O governante recordou que, desde o Acordo de Paris, as Fiji já foram atingidas por 13 ciclones e acrescentou: “As nações desenvolvidas estão a falhar-nos”.

“É como se eu atirasse lixo para o seu quintal e dissesse para você pagar para limpá-lo, mesmo que isso signifique que você não pode pagar a hipoteca, nem comprar comida. Você não pode fazer nada porque tem de gastar todo o seu dinheiro com o lixo que eu atirei para o seu quintal”

Mia Mottley
 primeira-ministra de Barbados, país afetado pelas alterações climáticas, discursando na COP26

Segundo o diário britânico “The Guardian”, as nações africanas estão particularmente impacientes e pressionam no sentido de, ainda esta semana, se iniciarem as discussões relativas a um megapacote anual de 700 mil milhões de dólares (605 mil milhões de euros) a partir de 2025 para ajudar as nações em desenvolvimento a adaptarem-se à crise climática, designadamente na ajuda à necessária rápida descarbonização para manter o aquecimento global em 1,5°C.

“Este trabalho precisa de começar agora”, apelou Tanguy Gahouma-Bekale, o presidente do Grupo Africano de Negociadores sobre Mudanças Climáticas. “As conversações sobre finanças demoram tempo, por isso precisamos de ter um roteiro agora com etapas claras sobre como atingir as metas após 2025 que garanta o fluxo de dinheiro todos os anos.”

Lixo na rua. Um mau prenúncio?

Com a cidade escocesa tomada pela cimeira, um assunto em particular parece ter transbordado as mesas dos debates e contaminou as ruas de Glasgow — o problema do lixo. Aproveitando a importância da cimeira e todo o mediatismo que gerou, os trabalhadores da limpeza da autarquia de Glasgow iniciaram uma greve por melhores condições.

Esta segunda-feira, contabilizando já oito dias de luta, os grevistas receberam a visita, e a solidariedade, do antigo líder do Partido Trabalhista do Reino Unido Jeremy Corbyn.

Segundo a publicação “The Glasgow Times”, os trabalhadores estão a analisar uma nova proposta do município, na sequência de “conversações construtivas” no final da semana passada, que poderá levar ao fim do protesto já esta terça-feira.

A confirmar-se, será a garantia de ruas mais verdes e asseadas na reta final da COP26, que termina na sexta-feira. Já dos corredores da cimeira não há garantias de que saiam compromissos fortes e consensuais a quase 200 países que refreiem a degradação do planeta e mantenham viva a meta máxima de 1,5ºC para o aquecimento da Terra.

Uma análise da Global Witness, tornada pública esta segunda-feira, escancarou as portas de um resultado desapontante. “Se o lóbi dos combustíveis fósseis fosse uma delegação de um país na COP, seria a maior com 503 delegados”, apurou a organização internacional que se dedica a estabelecer vínculos entre a exploração de recursos naturais e conflitos, pobreza, corrupção e abusos de direitos humanos.

“O lóbi dos combustíveis fósseis na COP é maior do que o total combinado das oito delegações dos países mais afetados pelas alterações climáticas nas últimas duas décadas: Porto Rico, Myanmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh e Paquistão”, detalha a Global Witness. E “27 delegações oficiais de países registaram lobistas de combustíveis fósseis, incluindo Canadá, Rússia e Brasil”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de novembro de 2021. Pode ser consultado aqui