Pode o diálogo salvar o acordo nuclear do Irão?

Seis países estão reunidos em Viena para tentar reativar o acordo sobre o programa nuclear iraniano. Os EUA, que se retiraram do entendimento, assistem à distância

1 Por que razão o acordo volta a ser discutido?

Assinado em 2015 por sete países, o acordo que colocou o programa nuclear do Irão sob supervisão internacional sofreu um duro golpe três anos depois. Donald Trump denunciou “um mau acordo”, retirou os Estados Unidos de forma unilateral e repôs sanções ao Irão, que afetaram duramente a exportação de petróleo.

A República Islâmica ripostou. Começou a violar limites assumidos no acordo, designadamente ao nível do enriquecimento de urânio, e dificultou o acesso total dos inspetores da ONU às suas instalações nucleares. Voltaram a soar alertas quanto a uma bomba nuclear em posse dos ayatollahs.

Esta semana, em Viena, foi retomado o diálogo para reativar o acordo.

2 Há pressa nestas conversações?

Muita, a atentar nas palavras de negociadores ocidentais. “Esta negociação é urgente”, defenderam, de forma inequívoca, representantes do Reino Unido, França e Alemanha, num comunicado. “Temos a certeza de que estamos a aproximar-nos do ponto em que a escalada do Irão ao nível do seu programa nuclear terá esvaziado completamente o JCPoA”, o acrónimo inglês do nome do acordo.

“Temos semanas, não meses, para concluir um acordo antes que os principais benefícios de não proliferação do JCPoA se percam.”

Mikhail Ulyanov, o negociador-chefe da Rússia, considerou esta jornada diplomática como “possivelmente a ronda final” das negociações.

3 Os EUA participam nestas negociações?

Apenas indiretamente. O diálogo que decorre no luxuoso hotel Palais Coburg — onde o acordo foi assinado há seis anos — está circunscrito ao Irão e ao grupo P4+1, ou seja, quatro membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Rússia, China, França e Reino Unido) e Alemanha.

A saída dos EUA, que pôs o acordo à beira do colapso, acentuou a desconfiança entre os dois países, que não têm relações formais, e levou Teerão a rejeitar conversas diretas com Washington, apesar de Joe Biden ser pró-acordo. “Pode ter havido algum progresso modesto”, admitiu esta semana, em Washington, Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, sobre o que se passa na Áustria.

4 Qual é a posição do novo Governo iraniano?

Se o acordo de 2015 foi negociado por uma equipa liderada por um Presidente reformista (Hassan Rohani), desde agosto que o Irão tem um Presidente conservador (Ebrahim Raisi). Na sua primeira conferência de imprensa após tomar posse, Raisi prometeu que não iria permitir que as negociações se arrastassem e reiterou que o programa de mísseis balísticos do Irão (que os EUA tentaram incluir no acordo de 2015) “não é negociável”.

“Incorporamos as sensibilidades do novo Governo iraniano”, garantiu o diplomata espanhol Enrique Mora, coordenador da União Europeia em Viena. “Estamos exatamente no ponto em que devíamos estar se quisermos obter um resultado final de sucesso.”

5 O que poderá levar o Irão a fazer cedências?

A grave situação económica. No início do ano, um relatório do Banco Mundial identificou um “triplo choque” que contribui para a destruição do país. “A economia iraniana entrou num terceiro ano consecutivo de recessão a seguir ao triplo choque provocado pelas sanções, pelo colapso do mercado petrolífero e pela covid-19”, lê-se no documento.

Em Viena, Teerão tem como principal exigência o levantamento total das sanções ocidentais. Mas também é verdade que para o novo Presidente o diálogo com o Ocidente não é uma prioridade. Numa mudança significativa em relação ao antecessor, Ebrahim Raisi tem no horizonte não EUA e União Europeia, mas antes China e Rússia.

(FOTO Bandeiras dos participantes nas negociações que conduziram à assinatura do JCPOA, a 14 de julho de 2015, em Viena EUROPEAN EXTERNAL ACTION SERVICE)

Artigo publicado no “Expresso”, a 30 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Aceita um vinho do Porto? O brinde é pelo Douro, que é património da Humanidade há 20 anos

A mais antiga região vitivinícola demarcada do mundo é, simultaneamente, uma lição. É a prova viva e duradoura da capacidade e determinação do ser humano perante a necessidade de rentabilizar recursos em ecossistemas agrestes, como o são as escarpas do Alto Douro Vinhateiro. Há 20 anos, as Nações Unidas reconheceram o seu “valor universal excecional” e elevaram-no ao patamar dos lugares especiais em todo o mundo. 2:59 JORNALISMO DE DADOS PARA EXPLICAR O PAÍS

Vai um Porto?

Há 20 anos, este foi um gesto que marcou o dia em Portugal. A 14 de dezembro de 2001, a UNESCO reconhecia o “valor universal excecional” do Alto Douro Vinhateiro e atribuía-lhe o selo de Património da Humanidade.

Quatro argumentos foram cruciais para essa distinção:

A região produz vinho há quase dois mil anos.

O território, marcado por declives acentuados e escassez de água, é uma lição sobre a capacidade e determinação do ser humano na otimização dos recursos naturais.

As componentes da sua paisagem são representativas de todas as atividades associadas à produção de vinho.

E, por fim, é um exemplo notável de uma região vinícola tradicional europeia.

A região do Douro tornou-se, então, o 11º sítio em Portugal a merecer a distinção de Património da Humanidade, a par com o Centro Histórico de Guimarães.

Em anos seguintes, mais cinco bens patrimoniais obteriam esse galardão.

Hoje, são 17 as referências portuguesas na Lista da UNESCO, que conta com mais de 1100 inscrições. Este reconhecimento cria neste locais um sentimento de pertença a uma lista exclusiva e uma chancela de qualidade para atrair turismo.

Mas para os países que os promovem, além de prestígio, esta distinção traz obrigações. A UNESCO está atenta ao estado de preservação dos locais e, em caso de degradação, pode mesmo retirar-lhes o título.
No caso específico do Alto Douro, os alarmes soaram a propósito da construção da Barragem do Tua, o que motivou uma visita à região de uma missão da organização que atribui estes galardões para avaliar o impacto da estrutura e decidir se manteria a classificação de património mundial da humanidade. Felizmente foi o que veio a acontecer.

Por todo o mundo, as barragens estão identificadas como uma potencial ameaça ao património. Mas muitos outros perigos já foram inventariados pela UNESCO.

Neste momento, esta organização cultural das Nações Unidas tem 52 exemplos identificados de “património em perigo”. São disso exemplo sítios tão distintos quanto os Budas de Bamyan, no Afeganistão, o Parque Nacional Virunga, na República Democrática do Congo, ou o Centro Histórico de Viena, a capital da Áustria. Portugal está ausente deste rol de preocupações.

Mas voltemos ao Douro.

A área distinguida pela UNESCO é uma estreita franja integrada numa área mais vasta que é a Região Demarcada do Douro.

Esta é uma das 14 regiões vitivinícolas existentes em Portugal e a mais antiga região demarcada do mundo.

Foi em meados do século XVIII que a primeira delimitação territorial das ‘Vinhas do Alto Douro’ definiu o primeiro modelo institucional de organização de uma região vinícola em todo o mundo. Um passo crucial para a projeção internacional do néctar a que também chamam… “vinho fino”.

Winston Churchill, o mais famoso primeiro-ministro britânico e um grande apreciador de vinhos e charutos, costumava terminar as suas jornadas diárias com um cálice de vinho do Porto.

Episódio gravado por Pedro Cordeiro.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 28 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Acontecimento internacional do ano. Os talibãs estão de volta ao poder

Vinte anos após o início de uma guerra declarada para os derrubar, os talibãs são de novo Governo em Cabul. Como se EUA e NATO nunca lá tivessem estado

Símbolos do domínio talibã no Afeganistão: mulheres cobertas com burqa e a cavidade vazia onde existiu um dos budas gigantes dinamitados pelos extremistas, em Bamiyan. Esta foto foi tirada a 17 de junho de 2012 SGT. KEN SCAR / WIKIMEDIA COMMONS

O novo normal no Afeganistão é um cenário de terror de onde quem lá vive tenta fugir a todo o custo. A recente chegada a Portugal de um grupo de jovens músicas que integram a orquestra do Instituto Nacional de Música do Afeganistão é só um exemplo.

Desde que os talibãs recuperaram as rédeas do poder, a 15 de agosto, o quotidiano do país está envolto em atos de vingança e manifestações de intolerância tais que garantem ao Afeganistão um lugar de destaque nos relatórios internacionais relativos ao exercício de direitos e liberdades, pelas piores razões.

A música é proibida em locais públicos. Afegãos que trabalharam para forças militares estrangeiras recebem visitas de talibãs, com o intuito de os levar de casa, sem regresso garantido. Por todo o país, em especial em zonas recônditas, multiplicam-se relatos de detenções, tortura e execuções de cidadãos afetos ao antigo regime, de ataques contra ativistas, jornalistas, religiosos e personalidades da cultura. A lei dos talibãs voltou a punir ladrões com enforcamentos em praça pública e a autorizar agressões nas ruas a transeuntes que, de alguma forma, não se apresentem consoante os códigos defendidos pelos “estudantes de teologia”. Ainda que o novo poder prometa uma amnistia geral, no terreno, os militantes têm sede de desforra.

As mulheres estão, para já, proibidas de estudar e de trabalhar, exceção feita a médicas, essenciais para o atendimento de pacientes do sexo feminino nos hospitais. Os talibãs garantem que as restrições impostas às mulheres são temporárias. Ironicamente, é uma mulher que, atualmente, personaliza o principal obstáculo que o novo regime talibã enfrenta — o do reconhecimento internacional.

No final de julho, a menos de um mês de os talibãs entrarem em Cabul, Adela Raz, afegã de 35 anos, foi nomeada embaixadora do Afeganistão nos Estados Unidos. Sem o reconhecimento formal do novo regime por parte de Washington, os talibãs não conseguem substituí-la, ainda que, inversamente, a diplomata esteja cada vez mais de mãos atadas, sem autoridade nem fundos para assegurar o funcionamento da embaixada. Na semana passada, outro diplomata afegão, Ghulam Isaczai, cedeu às circunstâncias e demitiu-se da chefia da missão do Afeganistão na ONU.

Sem reconhecimento

Quando foram poder pela primeira vez (1996-2001), os talibãs viram três países reconhecerem o Emirado Islâmico do Afeganistão: Paquistão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Passados 20 anos, não há Estado que arrisque ser pioneiro a legitimar um sistema de governo igualmente retrógrado e medieval.

Quatro meses após voltarem ao poder, não se pode dizer que os talibãs vivam num isolamento diplomático absoluto. A China, por exemplo — que precisa do Afeganistão para que não aumente o problema na região de Xinjiang (onde os uigures, a minoria muçulmana chinesa, vivem em campos de concentração) —, já entregou aos talibãs milhões em ajuda de emergência. Mas as autoridades de Pequim não avançam sozinhas para o reconhecimento de um regime que prometeu moderação e inclusão e acabou a escolher um governo sem mulheres, com pouca diversidade étnica e até com um ministro procurado pela Interpol (o que não é novidade no Afeganistão). “As coisas serão diferentes quando a China, o Paquistão, a Rússia e o Irão chegarem a um consenso sobre o assunto”, assegurou o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi.

Só aparentemente os talibãs de 2021 são uma cópia dos de 2001. desta vez, a avançada não se fez à bomba, mas com negociações que tornaram o regresso ao poder inevitável

Paralelamente à vantagem política de serem aceites na cena internacional como iguais entre pares, o reconhecimento internacional é crucial para que o Governo talibã consiga aceder a empréstimos e financiamentos, em particular junto de instituições como o Banco Mundial ou o Fundo Monetário Internacional, e veja sanções serem levantadas, o que só acontecerá caso se comporte dentro de determinados limites. Sem apoio internacional, não haverá dinheiro para pagar salários e fica comprometida a administração — e estabilidade — de um país com cerca de 40 milhões de habitantes e índices de pobreza gritantes.

Décadas de guerras

Dono de uma geografia que tem tanto de estonteante como de agreste — sem litoral, com extensas regiões escassamente povoadas e pelo menos quatro montanhas com cumes acima dos 7000 metros —, o Afeganistão é também consequência de décadas de conflitos. Nos últimos 200 anos, por entre períodos de confrontos internos entre os diferentes grupos étnicos, o orgulhoso povo afegão enfrentou três potências estrangeiras: o Império Britânico (1838-42, 1878-80 e 1919-21), a União Soviética (1979-1989) e os Estados Unidos (2001-2021). Todas saíram do Afeganistão derrotadas e os afegãos consolidaram a fama de insubmissos.

O regresso dos talibãs ao poder resulta, pois, de mais uma guerra mal conduzida por quem se propôs erradicar as raízes do terrorismo internacional. Declarada para vingar o 11 de Setembro, derrubar o regime talibã — que permitiu que a Al-Qaeda usasse o Afeganistão para atacar Washington e Nova Iorque — e impedir que o país continuasse a ser porto seguro para terroristas, a invasão do Afeganistão revelou-se uma missão de contraterrorismo que não foi pensada para construir um novo país, em termos políticos e militares.

Essa ilusão ficou a descoberto quando os “estudantes” reassumiram o Governo de Cabul no momento em que as últimas tropas da NATO regressavam a casa. Contrariamente a 2001, quando a entrada em Cabul foi antecedida por dias de bombardeamentos sobre a capital, desta vez os talibãs marcharam de forma fulminante e sem enfrentarem a mínima resistência.

Só aparentemente é que os talibãs de 2021 são uma cópia dos de 2001. Desta vez, a avançada não se fez à bomba, mas beneficiando de negociações que tornaram o seu regresso ao poder inevitável, mal a NATO virasse costas.

Falta de liderança

A inércia quer das forças armadas quer de milícias afetas a senhores da guerra (alguns dos quais fugiram mesmo do país) indicia cumplicidade entre fações que noutros tempos se digladiavam até à morte. A exceção foi um grupo de combatentes tajiques, liderados por um filho do lendário comandante Massud, que, entrincheirado no vale do Panjshir, apenas conseguiu atrasar uns dias a vitória total dos talibãs.

A inação das tropas governamentais expõe problemas de liderança, simbolizados na fuga do Presidente Ashraf Ghani para o estrangeiro, mas também na facilidade com que muitos soldados afegãos passaram para as hostes talibãs. Entre as suas motivações está um sentimento de abandono decorrente, por exemplo, de salários em atraso. Outra vulnerabilidade das forças armadas afegãs — cuja constituição foi a grande prioridade da missão da NATO — é terem sido criadas em função de lealdades tribais, e não em obediência a uma cadeia de comando funcional.

Mas algo mais escancarou as portas do poder aos talibãs: o processo negocial que decorreu com os Estados Unidos em Doha, a capital do Catar, onde os “estudantes” abriram escritório por volta de 2010. Essas conversações diretas culminaram na assinatura de um acordo de paz, a 29 de fevereiro de 2020, entre a Administração Trump e a liderança talibã — à revelia e sob protesto do Governo de Cabul.

Através desse entendimento, Washington obteve a garantia de que os talibãs não manteriam relações com a Al-Qaeda nem permitiriam que o seu território se tornasse albergue de organizações terroristas. Por seu lado, a fatura apresentada pelos talibãs foi a retirada de todas as tropas estrangeiras do país.

Que mudou Joe Biden?

Com Joe Biden na Casa Branca, não só os Estados Unidos mantiveram a estratégia traçada pela equipa de Donald Trump — sem tentar sequer endurecer exigências — como anteciparam a data de saída do Afeganistão de 11 de setembro para 31 de agosto.

Esse adiantamento poupou os norte-americanos ao embaraço de verem coincidir o 20.º aniversário do 11 de Setembro com o regresso dos talibãs ao poder, mas não protegeu Washington de acusações de traição por parte de afegãos nem de uma imagem de humilhação, patente no caos em que decorreram os últimos dias da retirada, com 183 mortos num atentado do autodenominado Estado Islâmico (Daesh) no aeroporto de Cabul (entre os quais 12 norte-americanos) e milhares de afegãos a escalarem aviões em tentativas desesperadas para saírem do país.

Sair ou ficar pode ser a diferença entre viver ou morrer. É o que se depreende das palavras ao Expresso de um afegão que tem a cabeça a prémio, por ter colaborado com os Estados Unidos: “Os talibãs têm muito dinheiro proveniente dos serviços alfandegários, mas não percebem nada de governação. Estão unidos a matar e matar. Não têm nenhuma humanidade, nenhuma dignidade.”

Artigo publicado no “Expresso”, a 23 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Norte e Sul querem firmar a paz. Estavam em guerra?

A relação entre as Coreias é uma ferida aberta desde os tempos da Guerra Fria. Cicatrização vai demorar

Península da Coreia: a norte, a República Popular Democrática da Coreia; a sul, a República da Coreia FREE*SVG

1. Porquê assinar um tratado de paz?

Porque, desde que terminou a guerra entre ambas (1950-1953), as duas Coreias assinaram um armistício (cessação temporária de hostilidades), mas nunca um tratado de paz. Isso significa que, tecnicamente, continuam em guerra. Esta semana, durante uma visita à Austrália, o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in, afirmou que as Coreias, a China e os Estados Unidos chegaram a um “acordo de princípio” para alcançar um encerramento formal do conflito.

2. Porque foi Moon a fazer o anúncio?

O Presidente da Coreia do Sul está pessoalmente apostado em resolver o problema, na crença de que será um passo decisivo para trazer Pyongyang para as conversações sobre a sua desnuclearização. Moon está a meses de deixar o cargo. A 9 de março haverá presidenciais e ele não pode recandidatar-se (a reeleição não é permitida na Coreia do Sul). Em setembro, diante da Assembleia-Geral da ONU, disse: “Mais do que tudo, uma declaração de fim da guerra marcará um ponto de partida fundamental na criação de uma nova ordem de ‘reconciliação e cooperação’ na península coreana.”

3. O que pode levar a que não aconteça?

Sanções internacionais, por exemplo. Uma pré-condição colocada pela Coreia do Norte para dialogar sobre o fim do conflito é o abandono da atitude “hostil” dos Estados Unidos. Este requisito foi interpretado como exigência do levantamento das sanções. Ora, domingo passado (Dia Internacional dos Direitos Humanos), véspera do anúncio de Moon Jae-in, Washington informou que imporia novas sanções contra a Coreia do Norte — as primeiras da era Biden.

4. Porque são os EUA parte da questão?

Os Estados Unidos participaram na Guerra da Coreia ao lado de Seul. Hoje, têm cerca de 28.500 soldados estacionados a sul do paralelo 38 (que separa os dois países) e realizam exercícios militares anuais conjuntos com os sul-coreanos. Para a Coreia do Norte, esses treinos mais não são do que preparativos para uma invasão do Norte.

5. Quão realista é a reunificação?

“A perspetiva da reunificação entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul é diferente em ambos os lados”, explicou ao Expresso Jenny Town, diretora do site “38 North”, de análise sobre a Coreia do Norte. “A Coreia do Norte ainda olha para o acordo de 2000, que apontava para uma confederação: um país, dois governos. A Coreia do Sul tende a olhar para um hipotético país único.”

Artigo publicado no “Expresso”, a 18 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui

Cabo Delgado precisa urgentemente de ajuda. A Fundação Aga Khan já disse ‘presente’

Com atividade em Moçambique há mais de 20 anos, a Fundação Aga Khan acaba de lançar um projeto de fortalecimento do sector agrícola na província de Cabo Delgado, fustigada pela violência jiadista. Financiado pelo Governo da Noruega, visa em especial mulheres e jovens

Jovem formado com o apoio da Fundação Aga Khan Moçambique lidera uma equipa na produção de espécies florestais FUNDAÇÃO AGA KHAN MOÇAMBIQUE

Nos últimos quatro anos, a região de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, emergiu no mapa-mundo como um dos pontos negros do jiadismo internacional. Para as populações daquela província, o quotidiano transformou-se num filme de terror, com ataques de grupos armados contra aldeias, execuções bárbaras, raptos e muita gente em fuga.

Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), a violência em Cabo Delgado já provocou mais de 3100 mortos e 800 mil deslocados internos, 27% dos quais são mulheres e 52%, crianças.

Em agosto, quando visitou Moçambique, o diretor-geral da OIM, António Vitorino, lançou um apelo: “Exorto à rápida expansão da assistência humanitária para apoiar centenas de milhares de indivíduos deslocados pela contínua insegurança em Cabo Delgado”. É o que já está a fazer a Fundação Aga Khan, que há duas semanas lançou um projeto de desenvolvimento nas áreas da agricultura, segurança alimentar e coesão social.

“O projeto visa contribuir para o desenvolvimento e recuperação da atividade agrícola das comunidades deslocadas acolhidas pelas comunidades residentes, através do fornecimento de materiais, insumos agrícolas e conhecimento técnico”, explica ao Expresso Nazim Ahmad, representante diplomático da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento (AKDN, sigla em inglês) em Moçambique.

Mulher é atendida numa brigada móvel de prestação de cuidados de saúde oferecida à sua comunidade com apoio da Fundação FUNDAÇÃO AGA KHAN MOÇAMBIQUE

O principal alvo são as mulheres e os jovens dos distritos de Chiúre e Metuge, perto de Pemba, e o universo de beneficiários ascende a 15 mil pessoas, entre os quais 3000 deslocados internos que fugiram à violência.

“Esses dois distritos são os que receberam o maior número de deslocados internos”, diz Nazim Ahmad. “As condições de segurança estão asseguradas, dado que os distritos a sul da província de Cabo Delgado estão fora da zona de conflito.”

Na prática, os principais serviços prestados pelo projeto passam por:

  • equipar famílias com kits agrícolas
  • melhorar as condições pós-colheita para minimizar as perdas
  • estabelecer ligações de mercado entre as famílias e atores económicos locais
  • formar lavradores em “agricultura inteligente face ao clima”, um conceito desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO)
  • melhorar as infraestruturas e as condições de ensino e aprendizagem em escolas agrícolas
  • estabelecer famílias deslocadas em terrenos seguros

“Este projeto irá permitir o financiamento de ações nas áreas da segurança alimentar, resiliência socioeconómica e coesão social”, resume o dirigente da AKDN.

No terreno, a intervenção é facilitada pelo trabalho dos chamados Comités de Desenvolvimento de Aldeias (CDA), criados e desenvolvidos com o apoio da Fundação Aga Khan Moçambique. Organizações de base comunitária, os CDA são compostos por pessoas reconhecidas localmente pela sua capacidade de influência em aspetos importantes do desenvolvimento local. Neste projeto, serão cruciais para “apoiar a integração de deslocados internos”, diz Nazim Ahmad.

Outra instituição essencial ao desenvolvimento do projeto é o Instituto Agrário de Bilibiza (IABil), em Ócua (distrito de Chiúre), que a Fundação Aga Khan tem apoiado, na formação de técnicos agrários qualificados. Este polo recebeu 370 alunos e todo o corpo docente do IABil de Quissanga, que foi atacado, pilhado e destruído pelos insurgentes, em inícios de 2000.

Este projeto é financiado pelo Governo da Noruega e está orçado em 10 milhões de coroas norueguesas (980 mil euros).

Assinatura do protocolo entre a Fundação Aga Khan e o Governo da Noruega, representados por Nazim Ahmad e o embaixador da Noruega em Moçambique, Haakon Gram-Johannessen (ambos em pé), a 23 de novembro passado FUNDAÇÃO AGA KHAN MOÇAMBIQUE

Presente em 30 países — incluindo Portugal, há 35 anos, com intervenção junto de comunidades migratórias —, a Fundação Aga Khan está em Moçambique desde 1998, ano em que foi assinado um acordo de cooperação entre a instituição e o Governo de Maputo.

Em todo o país, a Fundação Aga Khan Moçambique emprega 1180 pessoas, das quais 97% são moçambicanas e 63% mulheres.

Em Cabo Delgado — a província mais pobre, apesar de ser a mais rica em recursos naturais —, além de Metuge e Chúre, a instituição opera também nos distritos de Ancuabe, Pemba, Mecufi, Montepuez, Balama, e Namuno. A degradação das condições de segurança, sobretudo a partir de 2020, obrigou a Fundação a adaptar-se à nova realidade. Mas sem nunca abandonar o país.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui