O inexperiente Kim segue no poder, já lá vão 10 anos

Ao apostar, em simultâneo, no desenvolvimento da economia e do programa nuclear, Kim Jong-un mergulhou o país num círculo vicioso

(IMAGEM Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte VECTORPORTAL)

Quando Kim Jong-un (KJU) subiu ao poder, muitos invocaram a sua juventude, inexperiência e a forma súbita como herdou a presidência — após a morte do pai de ataque cardíaco, faz 10 anos na próxima sexta-feira — para lhe perspetivarem um mandato curto. “Especulou-se muito quanto à possível queda iminente do regime”, comenta ao Expresso Rita Durão, especialista em estudos asiáticos. “Dez anos depois, o regime perdura, apesar de processos de transição de poder, desastres naturais, sanções económicas internacio­nais e até a pandemia.”

Para esta doutoranda em Relações Internacionais na Universidade Nova de Lisboa, o principal sucesso da liderança de KJU “é a capacidade de resiliência da Coreia do Norte, que prova, ano após ano, que, apesar das dificuldades, está cá para ficar”, na senda do que aconteceu com os seus antecessores.

Um ‘negócio de família’

Desde a fundação do país, em 1948, que a liderança é um ‘negócio de família’. Oficialmente uma república, a Coreia do Norte é governada ao estilo de uma dinastia, com o poder a passar de pai para filho por morte do primeiro: Kim Il-sung mandou até 1994, Kim Jong-il até 2011 e KJU desde então.

“Kim Il-sung [avô do líder] e Kim Jong-il [pai] viveram num contexto histórico diferente e, a certos níveis, mais complexo”, continua Rita Durão. “As experiências na luta contra o imperialismo japonês [1910-1945] e na Guerra da Coreia [1950-1953] marcaram o regime de Kim Il-sung, enquanto Kim Jong-il assumiu o poder no final da Guerra Fria, após a queda da URSS e o desafio da adaptação do país a uma nova ordem internacional.”

O programa nuclear é simultaneamente a solução e a base de vários problemas com que o regime se depara

Chegado ao poder com 29 anos, KJU revelou-se um líder “menos ideológico do que o seu pai ou avô e mais extrovertido do que o pai”, acrescenta ao Expresso Jenny Town, diretora do “38 North”, um site de análise sobre a Coreia do Norte que vai buscar o nome ao paralelo que divide a península coreana em dois países. “Enquanto os antecessores construíram a sua legitimidade na condução do país através de conflitos e adversidades extremas, KJU, sem essa experiência, tem tentado construir um legado de prosperidade económica, e não apenas de sobrevivência.”

Com memórias da “Marcha Árdua” — um período de fome que afetou milhões de norte-coreanos entre 1994 e 1998, era o pai Presidente —, KJU assumiu a missão de fazer com que o povo não tivesse mais de morrer à míngua. Mas esse objetivo permanece uma intenção.

A ameaça da fome

Após uma visita à Coreia do Norte para avaliar o impacto da grave seca de 2018, o Programa Alimentar Mundial da ONU calcula que 11 milhões dos 25 milhões de norte-coreanos sofram de subnutrição. O cálculo não considera ainda os efeitos da pandemia. “A Coreia do Norte foi dos primeiros países a fechar fronteiras para evitar a entrada do vírus”, recorda Rita Durão. “A imposição de sanções internacionais — que não foram levantadas, como a Coreia do Norte pediu —, o impacto da pandemia e o aparente abandono de reformas económicas fazem temer pelo futuro económico do país e pelo possível surgimento de novo período de fome.”

“O acesso aos alimentos é uma preocupação séria. Crian­ças e idosos vulneráveis correm o risco de morrer à fome”, alertou Tomás Ojea Quintana, relator da ONU para os direitos humanos na Coreia do Norte, num relatório de 8 de outubro.

O acesso aos alimentos é uma preocupação séria. Crianças e idosos vulneráveis correm o risco de morrer à fome

A prioridade dada por KJU à proximidade com o povo, à promoção do bem-estar e à prosperidade não significou a abertura do país nem a rejeição do programa nuclear. “Comparativamente aos líderes anteriores, KJU é quem mais tem apostado no desenvolvimento do programa nuclear e balístico. Acredita ser esse o meio que lhe assegura a sobrevivência face a ameaças externas, nomea­damente dos Estados Unidos”, diz a analista portuguesa. “É também com KJU que vemos o programa nuclear desenvolver funções adicionais para o regime, tornando-se fonte de prestígio a nível externo e projetando a imagem da Coreia do Norte como potência nuclear, como os Estados Unidos, China e Rússia.”

“KJU parece ser um líder pragmático e disposto a correr riscos, embora a forma como conduziu o país durante a pandemia e antes, ao longo dos fracassos diplomáticos de 2018/2019, tenha enorme impacto na forma como governará daqui em diante”, diz Jenny Town. KJU coprotagonizou manchetes ao realizar cimeiras com os homólogos da Coreia do Sul e Estados Unidos, Moon Jae-in e Donald Trump. Porém, nenhum diálogo frutificou e hoje vinga a desconfiança de sempre.

Nuclear: bom e mau

O desenvolvimento simultâneo da economia e do programa nuclear e balístico mergulham o país num “círculo vicioso”, continua Rita Durão. “A Coreia do Norte realiza testes devido à ameaça externa. O programa nuclear é necessário para salvaguardar a segurança e para que o regime possa, posterior­mente, canalizar recursos para a economia. No entanto, é a constante aposta no nuclear que origina sanções internacio­nais. O programa nuclear é a solução e a base de problemas com que o regime se depara.”

Com uma saúde fragilizada pelo tabaco e pela obesidade, KJU está frequentemente na origem de rumores sobre a sua sucessão. “A sua saúde é importante, já que lidera um país com armas nucleares e pouco se sabe sobre quem as controla”, conclui Jenny Town. “Mas há uma reação exagerada sempre que ele desaparece dos olhares públicos.”

Artigo publicado no “Expresso”, a 11 de dezembro de 2021. Pode ser consultado aqui

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