Corrupio diplomático para evitar a guerra

Há 140 mil militares russos estacionados junto à fronteira com a Ucrânia, mas a guerra não é inevitável. As conversações em curso procuram pontos de encontro que reduzam a tensão

Uma conferência de imprensa de dois dirigentes mundiais à meia-noite não é, por si só, algo digno de ficar na História. Mas pode indiciar a importância do assunto que a motivou. Foi o que aconteceu esta semana, em Moscovo, no término de uma conversa sem hora limite entre os presidentes da Rússia e da França. Na agenda de Vladimir Putin e Emmanuel Macron, um único assunto: a escalada da tensão junto à fronteira da Ucrânia, onde a Rússia tem estacionados 140 mil militares fortemente armados que, nas palavras do chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, não estão ali “para tomar chá”.

“A diplomacia ainda pode fazer a diferença. As conversações em curso procuram pontos de encontro que facilitem os canais de diálogo e medidas concretas que possam diminuir a tensão”, afirma ao Expresso Maria Raquel Freire, professora de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. “O sublinhar de medidas relativas a controlo de armamento, negociações de novos tratados nucleares e medidas de consolidação de confiança e transparência em matéria militar parece ganhar consistência no meio das posições irreconciliáveis da Rússia e do Ocidente no que toca ao alargamento da NATO.”

De Moscovo, Macron seguiu para Kiev, onde se reuniu com o homólogo ucraniano. Na próxima semana será o novo chanceler alemão a visitar estas duas capitais. Por estes dias, a tensão em torno da Ucrânia mobiliza a diplomacia de quatro países, e outros tantos líderes, em particular.

FRANÇA — Macron no papel de ‘sr. Europa’

Emmanuel Macron é o líder que mais se tem empenhado, de forma visível, em tentar inverter a escalada da situação entre a Rússia e a Ucrânia, com telefonemas tornados públicos e visitas aos principais protagonistas. “Podemos evitar algumas coisas a curto prazo. Mas não penso que venhamos a ter vitórias a curto prazo. Não acredito em milagres espontâneos. Há muita tensão e nervosismo”, disse o chefe de Estado francês, à partida para Moscovo.

Presidente do país que detém a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, Macron divide as suas atenções entre o perigo de novo conflito na Europa e o próximo dia 10 de abril, primeira volta das eleições presidenciais em França, apesar de ainda não ter anunciado a recandidatura. “Naturalmente os líderes aproveitam o momento político para ganhar votos, através do protagonismo que estas ações diplomáticas acarretam”, diz Raquel Freire. “Mas há uma genuína preocupação com a questão da segurança europeia, e da segurança ucraniana.”

ALEMANHA — Scholz embaraçado pelo ‘elefante na sala’

Há apenas dois meses à frente do Executivo alemão, Olaf Scholz realizou, esta semana, a sua primeira visita aos Estados Unidos. Na Casa Branca, Scholz e Joe Biden afirmaram a amizade e união entre os dois países, mas não conseguiram disfarçar o ‘elefante na sala’ que perturba a relação no atual contexto. Biden foi inequívoco ao dizer que, se a Rússia voltar a invadir a Ucrânia, “não haverá mais Nord Stream 2, vamos acabar com isso”. Este gasoduto de 1225 km garante o fornecimento direto de gás natural da Rússia à Alemanha, contornando países politicamente instáveis, como a Ucrânia. Questionado sobre a possibilidade de o Nord Stream 2 ser usado como sanção à Rússia, Scholz deu a resposta possível: “Faz parte do processo não falarmos de tudo em público”.

RÚSSIA — Putin negoceia em posição de força

A cimeira entre Putin e Macron não produziu resultados imediatos, mas, a atentar nas palavras do russo, há espaço para prosseguir com o diálogo. “É bem possível que várias das ideias e propostas [de Macron], sobre as quais provavelmente ainda é muito cedo para falar, possam ser a base de próximos passos conjuntos”, disse.

Raquel Freire admite que esta crise possa ter um desfecho sem confronto bélico. “Ainda acredito que sim, ponderando os ganhos e custos para a Rússia de uma possível invasão. A Rússia assumiu desde o início da escalada de tensão que só a partir de uma posição de força poderia negociar. E é o que tem feito. Conseguiu retomar as conversações ao mais alto nível, suspensas desde 2014, reunindo com Joe Biden, o secretário-geral da NATO e vários líderes europeus.”

Ao enumerar pretensões, Putin indica com clareza até onde está disposto a ir para garanti-las: “Se a Ucrânia aderir à NATO e recuperar a Crimeia pela via militar, os países europeus serão automaticamente arrastados para um conflito com a Rússia”, afirmou, com Macron ao lado.

UCRÂNIA — Zelensky quer ações e não palavras

Na presença de Macron, com quem se reuniu na terça-feira em Kiev, o Presidente ucraniano comentou a abertura de Putin para reduzir a tensão. “Não confio em palavras”, disse Volodymyr Zelensky. “Acredito que todo o político pode ser transparente tomando medidas concretas.”

Mas nesta crise, também Moscovo espera ação de Kiev, desde logo a aplicação dos Acordos de Minsk (2014). Mediados por França e Alemanha, visam um cessar-fogo permanente em Donbass, no leste da Ucrânia, onde forças ucranianas e separatistas pró-Rússia travam uma guerra há oito anos que já fez 14 mil mortos.

Artigo publicado no “Expresso”, a 11 de fevereiro de 2022

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