Donbass e Kosovo: descubra as diferenças

A turbulência à volta do reconhecimento russo da independência das regiões de Donetsk e Luhansk originaram comparações com o processo de emancipação do Kosovo em relação à Sérvia. O mais jovem país europeu fez, na semana passada, 14 anos

Às primeiras horas, se não minutos, do anúncio do reconhecimento da independência de Donetsk e de Luhansk, feito por Vladimir Putin, outro país — além da Ucrânia e da Rússia — ganhou destaque nas discussões que dispararam nas redes sociais: o Kosovo.

Na habitual troca de argumentação entre “prós” e “antis”, não faltou quem recordasse a autoproclamação da independência daquela província sérvia de maioria albanesa para atribuir legitimidade às pretensões das repúblicas separatistas russófilas ucranianas. Independentemente dos argumentos apaixonados de um e outro lado, há semelhanças entre os dois processos.

INDEPENDÊNCIA UNILATERAL

A independência do Kosovo foi proclamada unilateralmente pelos líderes albaneses locais, através de uma declaração aprovada na Assembleia do Kosovo, a 17 de fevereiro de 2008. Esta posição fudamentou a sua legitimidade num referendo realizado em 1999, que apurou que 99,98% dos votantes desejavam viver num país soberano. Todo o processo contou com forte oposição da Sérvia — país aliado da Rússia —, que ainda hoje considera o Kosovo “parte integrante” do seu território.

No caso das repúblicas separatistas ucranianas de Donetsk e Luhansk, a autoproclamação da independência ocorreu em 2014, na sequência de dois referendos — cujos resultados não foram reconhecidos por nenhum país — convocados com o intuito de legitimar a criação das duas repúblicas enquanto Kiev estava tomada por manifestações pró-Ocidente. Todo o processo decorreu à revelia da Ucrânia, que nunca deixou de reivindicar a região de Donbass, de que fazem parte Donetsk e Luhansk.

RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

Um dia depois de o Kosovo declarar a sua independência, os Estados Unidos reconheceram o novo Estado e estabeleceram relações diplomáticas com ele. O então Presidente George W. Bush defendeu que um Kosovo independente “traria paz à região cicatrizada pela guerra” e que a posição de Washington era “irreversível”. Ela precipitou a de vários outros países, num processo político-diplomático desconcertado que foi particularmente penoso para a União Europeia. A França e o Reino Unido acompanharam os EUA no mesmo dia, Alemanha e Itália demoraram uns dias mais e Portugal uns meses (só reconheceu o Kosovo a 7 de outubro de 2008). Ainda hoje, cinco países da UE, a braços com diferendos territoriais internos, não reconhecem o Kosovo: Espanha, Grécia, Roménia, Eslováquia e Chipre.

Para Donetsk e Luhansk, o principal reconhecimento está conseguido, o da Rússia, mas com sanções internacionais a visarem os “novos Estados”. A dependência em exclusivo do vizinho gigante pode tornar-se um grande fardo para Moscovo. Pode acontecer com estes novos “Estados” o mesmo que às repúblicas georgianas da Abecásia e da Ossétia do Sul, que a Rússia reconheceu como independentes em 2008, na sequência de uma guerra de onze dias entre a Geórgia e essas “regiões rebeldes”. Ao abrigo do direito internacional, estes territórios continuam a fazer parte da Geórgia, mas cinco países, além da Rússia, reconhecem-lhes soberania: Nicarágua, Venezuela, Síria, Nauru e Vanuatu.

DEFESA E SEGURANÇA

Filhos de um parto tão complicado, estes territórios tendem a crescer sob grande vulnerabilidade. No Kosovo, a NATO lidera no terreno, desde 1999, uma operação de apoio à paz, ali estabelecida na sequência dos 78 dias de bombardeamentos da Aliança Atlântica à Sérvia de Slobodan Milosevic. Estão no território 3750 militares de 28 países. Já em Luhansk e Donetsk, que de ora em diante passam a sentir-se como a nova fronteira de um braço de ferro Leste-Oeste que não se sabe onde se irá revelar a seguir, a maior segurança virá também do exterior, da vizinha Rússia.

Já no decurso da atual crise entre a Ucrânia e a Rússia, estes dois contextos intercetaram-se, não se sabe ainda se no domínio da realidade ou da conspiração. Sexta-feira passada, órgãos de informação russos noticiaram que o ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov estava a investigar relatos relativos à presença de mercenários da Albânia, da Bósnia-Herzegozina e do Kosovo na região de Donbass, em apoio das forças ucranianas. O Governo kosovar rejeitou “categoricamente” as acusações, defendendo que a legislação do país “proíbe a participação dos seus cidadãos em guerras no estrangeiro”. Pristina acusou Moscovo de querer desestabilizar os Balcãs Ocidentais.

(MAPA EURASIA REVIEW)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 22 de fevereiro de 2022. Pode ser consultado aqui

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