Raif Badawi já saiu da prisão, mas ainda não é um homem livre

Foi notícia em todo o mundo após ser condenado a 1000 vergastadas em público pela justiça saudita. Cumpridos dez anos de prisão, o bloguista Raif Badawi foi libertado, mas enfrenta a proibição de viajar durante mais dez anos. Iss impede-o de se juntar à família, exilada no Canadá. “Se Portugal puder ajudar…”, apela um membro da equipa de defesa do intelectual saudita

Há sete anos por esta altura, Raif Badawi era o saudita mais famoso do mundo. Um vídeo filmado às escondidas no momento em que sofria 50 vergastadas, numa praça junto a uma mesquita na cidade saudita de Jeddah, foi descarregado na Internet e correu mundo. A exposição de práticas medievais no reino saudita, em pleno no século XXI, gerou indignação mundial.

Badawi, nascido em 1984, pagara caro o ‘atrevimento’ de escrever sobre liberdade religiosa, democracia e direitos humanos no seu blogue “Liberais Sauditas Livres”. Detido e acusado de “insulto ao Islão”, em 2012, foi condenado a 10 anos de prisão, 1000 chicotadas em público, 10 anos de inibição de viajar (após ser libertado) e uma multa no valor de um milhão de riais sauditas (hoje sensivelmente 266 mil euros).

O intelectual acabaria por sofrer apenas essa primeira leva de 50 açoites — a segunda foi adiada oito vezes e nunca concretizada. O próprio castigo por flagelação acabaria por ser abolido no reino, no âmbito das reformas promovidas pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, em 2020.

Apesar dos pedidos de clemência feitos pela família e dos inúmeros apelos à libertação que partiram de organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, de governos e até das Nações Unidas, Raif cumpriu a pena de prisão na sua totalidade.

Dois obstáculos pela frente

O ativista foi libertado a 11 de março passado, onze dias além do tempo previsto (devia ter saído a 28 de fevereiro). Saiu da cadeia, mas ainda não é um homem livre. O seu caso está transformado numa prova de obstáculos e, apesar da pena de prisão cumprida ele não se safa do pagamento da multa nem da inibição de viajar durante mais dez anos, o que o impede de se juntar à família, exilada no Canadá.

A notícia da libertação de Raif chegou à família pela voz do próprio. “Foi o meu pai quem telefonou à minha mãe após sair em liberdade. Não há palavras para descrever quão felizes estamos”, disse ao Expresso um dos três filhos do casal, Terad Badawi, de 17 anos.

Terad, que gere a conta oficial do pai na rede social Twitter, vive com a mãe e duas irmãs (Najwa, de 18 anos, e Miryam, de 14) na cidade de Sherbrooke, no Quebeque. Foi no Canadá que obtiveram asilo político, em 2013, já com Raif a contas com a justiça saudita. E é desse país que lideram uma campanha internacional para que o caso não caia no esquecimento nem saia da agenda política.

“Há discussões em curso para se tentar fazer cair a parte da pena referente ao dinheiro e à proibição de viajar, dado que, segundo a lei saudita, ele já cumpriu o dobro da pena que deveria cumprir”, explica ao Expresso Évelyne Abitbol, membro da equipa de defesa e cofundadora da Fundação Raif Badawi para a Liberdade.

Numa carta enviada ao príncipe herdeiro saudita, a 8 de março passado, a que o Expresso teve acesso, um representante legal de Badawi, Irwin Cotler, antigo ministro da Justiça e procurador-geral do Canadá, contesta a situação do agora ex-prisioneiro, argumentando que foi condenado ao abrigo da Lei contra o Cibercrime, que prevê penas máximas de cinco anos (enquanto ele cumpriu 10). Alega também que, ao abrigo do direito internacional, a flagelação é um tipo de punição equivalente à tortura.

Angariação de fundos

“O senhor Badawi foi condenado por fundar um site que visa o diálogo pacífico e aberto. Não representa qualquer preocupação ao nível da segurança. O seu único desejo é reunir-se com a sua família a mais de 10 mil quilómetros de distância, em Sherbrooke, Quebeque, Canadá, para que possa viver os seus dias como marido e pai dedicado”, escreve o jurista.

Paralelamente a esta diligência, decorre na plataforma “GoFundMe” uma campanha de angariação de fundos, lançada pela Fundação Giordano Bruno (Alemanha), com o intuito de arrecadar a pequena fortuna exigida pela justiça saudita.

Desde o início, este caso mobilizou os corredores diplomáticos de países e organizações. Em 2012, conhecida a detenção do bloguista, as Nações Unidas apelaram à sua imediata libertação. Em 2015, a mesma ONU emitiu posição considerando a detenção do saudita ilegal e uma violação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Nesse ano, a União Europeia, através do Parlamento Europeu, atribuiu a Raif Badawi o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento. Com o saudita detido em Dhahban Central, prisão de alta segurança em Jeddah, foi a mulher, Ensaf, quem o representou na cerimónia, em Estrasburgo.

O anfitrião Trudeau

Desde a concessão de exílio à família Badawi que este caso tem estado na linha da frente da política canadiana. A 27 de janeiro de 2021, a câmara baixa do Parlamento aprovou, por unanimidade, uma moção (não vinculativa) exigindo a atribuição da cidadania canadiana a Raif Badawi.

O primeiro-ministro Justin Trudeau, que várias vezes se encontrou com a família de Raif, não falhou o momento da libertação do intelectual saudita. “Estou aliviado por Raif Badawi ter sido libertado por fim. Os meus pensamentos estão com a sua família e amigos, que o defendem incansavelmente há quase uma década. Os nossos funcionários estão a trabalhar para esclarecer as condições da sua libertação”, congratulou-se, no Twitter, a 12 de março passado.

Também sobre Trudeau que recai a maior pressão, seja para que o Canadá conceda cidadania a Raif, seja para que interceda junto de Riade para viabilizar a reunião familiar. “O primeiro-ministro do Canadá sempre disse que quando Raif saísse da prisão, iria ajudar”, diz Évelyne Abitbol. “Raif já saiu…”

Mais do que nunca, a defesa deposita na arte da diplomacia a esperança de reversão de partes da sentença. “Americanos, União Europeia, canadianos pediram ao rei Salman que conceda um perdão”, conclui. “Qualquer governo ocidental que possa negociar [com a Arábia Saudita] e consiga dar um salvo-conduto é bem-vindo. Se a Espanha puder… ou Portugal…”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 31 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

Negociações “substanciais” ou oportunidade para Putin ganhar tempo? “Perceber os russos é sempre muito complicado”

Russos e ucranianos deram uma hipótese à diplomacia e reuniram-se, frente a frente, em Istambul. A Ucrânia disse estar disposta a aceitar um estatuto de neutralidade, pediu que a porta da adesão à UE ficasse aberta e aceita remeter para negociações futuras o estatuto da Crimeia e do Donbas. Os russos disseram que vão entregar as propostas a Putin. Os especialistas admitem um passo em frente, o da via diplomática que finalmente se abre. Mas alertam que é cedo para respirar de alívio

Intervenção do Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, diante de russos e ucranianos, a 29 de março de 2022, em IstambulREPUBLIC OF TÜRKIYE DIRECTORATE OF COMMUNICATIONS

A cidade turca de Istambul acolheu, esta terça-feira, uma ronda de negociações entre russos e ucranianos facto que, por si só, indicia uma evolução no processo de conversações ‘em parte incerta’ que as partes vinham mantendo quase desde o início da invasão.

Frente a frente, as duas delegações ouviram o Presidente da Turquia dizer, presencialmente, que “um cessar-fogo é benéfico para todos” e apelar à “obtenção de resultados concretos”. Segundo Recep Tayyip Erdogan, “uma paz justa não terá um derrotado”. Afirmações óbvias que, porém, ainda não conseguiram impor-se nos 34 dias que já dura a invasão russa da Ucrânia.

“A entrada em cena de Erdogan é reflexo do que se está a passar na guerra, e que força a Rússia a tentar encontrar alguma forma para sair do conflito sem perder totalmente a face”, diz ao Expresso Bernardo Teles Fazendeiro, professor de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. “A aceitação da mediação turca é simbólica e demonstrativa dessa disposição para encontrar algum compromisso face ao impasse no terreno.”

Objetivos mínimos

São vários os indícios de que a Rússia está cada vez mais longe dos objetivos a que se propôs inicialmente:

— A “operação especial militar” na Ucrânia, previsivelmente rápida, já dura há mais de um mês.

— A “desnazificação” da Ucrânia, que passava pela entrada das tropas russas em Kiev e pela substituição do atual Governo por um Executivo pró-Kremlin, falhou.

— Mariupol, cuja conquista permitiria à Rússia o controlo sobre uma faixa terrestre entre a Rússia Continental e a península da Crimeia, anexada em 2014, continua a resistir.

“Face a tudo isto, e ao potencial desgaste que isto causa política e economicamente a longo prazo na Rússia, esta percebe que tem de arranjar solução. A Rússia foi derrotada ao nível daqueles que eram os seus objetivos iniciais”, diz Bernardo Teles Fazendeiro. “Queria impor esta nova ordem na Ucrânia e não conseguiu.”

Ucrânia aceita neutralidade

Mas de Istambul saíram indícios de que a posição negocial da Ucrânia está a ir ao encontro das pretensões russas. Segundo o negociador-chefe ucraniano, David Arakhamia, o seu país concordará com um estatuto de neutralidade se houver um “acordo internacional” que garanta a sua segurança.

Esse compromisso seria assinado por vários países, ao estilo de uma espécie de fiadores, que Arakhamia enumerou: Estados Unidos da América, China, França, Reino Unido (membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU), e também Turquia, Alemanha, Polónia e Israel.

“Queremos um mecanismo internacional de garantias de segurança onde esses países atuem de forma semelhante ao artigo 5.º da NATO, e ainda com mais firmeza”, acrescentou o ucraniano. Ao abrigo desse artigo, um ataque a um Estado membro é encarado como um ataque a toda a Aliança Atlântica.

Zelensky fala muito. E Putin, que quer?

Paralelamente, a Ucrânia exige que a Rússia deixe aberta a porta da adesão à União Europeia e está na disposição de “excluir temporariamente” de um acordo com a Rússia a península da Crimeia (anexada por Moscovo em 2014) e os territórios do Donbas (sob controlo de forças separatistas pró-Rússia). O estatuto da Crimeia, em específico, seria resolvido ao longo de conversações bilaterais que decorreriam por um período de 15 anos.

“Não sabemos detalhes. Mas subentende-se, entre linhas, que a Ucrânia pode desistir do Donbas como território ucraniano”, comenta ao Expresso a investigadora Sandra Fernandes, do Centro de Investigação em Ciência Política (CICP) da Universidade do Minho.

“Do lado russo, é mais difícil saber o que querem, porque não comunicam. Zelensky está sempre a falar, está sempre a aparecer e a ser muito claro sobre o que pretende. Do lado russo, não há essa comunicação. Mas é importante lembrar que Putin, ao contrário de Zelensky, não tem como primeira prioridade a questão da perda de vidas humanas. Os russos estão a perder muitos soldados, mas não é isso que vai motivar Putin a sentar-se à mesa das negociações. O que o motiva é a evolução no terreno, a dificuldade em atingir os seus objetivos de guerra.”

Os seis temas quentes entre Rússia e Ucrânia

  • Neutralidade da Ucrânia;
  • Desarmamento e garantias mútuas de segurança;
  • Processo a que a Rússia chama “desnazificação”;
  • Remoção de obstáculos à utilização generalizada da língua russa na Ucrânia;
  • Estatuto do Donbass, onde ficam os territórios separatistas de Donetsk e Luhansk;
  • Estatuto da Crimeia.

Em Istambul, pela voz do chefe da delegação e conselheiro presidencial, Vladimir Medinsky, a Rússia reconheceu ter havido “discussões substanciais” e que Kiev apresentou propostas “claras”, que serão “estudadas muito em breve e submetidas ao Presidente” Vladimir Putin.

Paralelamente, realçou a decisão do Ministério da Defesa russo, anunciada em paralelo às negociações — com o objetivo de “aumentar a confiança mútua e criar as condições necessárias para novas negociações” — de “reduzir radicalmente a atividade militar nas direções de Kiev e Chernihiv”, no norte da Ucrânia. “Não é um cessar-fogo, mas é essa a nossa aspiração, alcançar gradualmente uma desescalada do conflito, pelo menos nestas frentes.”

“Perceber os russos é sempre muito complicado”, nota Sandra Fernandes. “Dá a ideia de que querem negociar, até porque se percebe que a invasão está a patinar, mas não pára, o que causa imenso terror. Sexta-feira passada, declararam que iriam concentrar-se no Donbas, mas hoje estão a bombardear Mykolaiv [no sul, junto a Odessa] de forma brutal.”

Da imposição à aceitação

Ainda que a Rússia pareça ter passado de uma estratégia de imposição (da situação no terreno) para uma de aceitação (da negociação), há sempre outras leituras possíveis. “Penso que o principal objetivo de Putin é ganhar tempo”, diz a docente da Universidade do Minho.

“Ir para a mesa da negociação é sempre um ganhar de tempo face ao que são os objetivos, a eventual alteração dos objetivos e a preparação de novos objetivos. A Rússia ainda não está numa posição de força [ao nível do controlo territorial] e a Ucrânia também ainda não perdeu tudo. Estamos numa situação intermediária, entre dois momentos, e nesse sentido os dois estão a jogar com aquilo que conseguem.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 29 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

Rússia revê estratégia: “libertação” do Donbas passa a ser a prioridade

O Ministério da Defesa da Rússia reconheceu a morte de 1351 militares, na Ucrânia

As forças russas na Ucrânia estarão na iminência de realizar uma mudança de estratégia na sua ofensiva. Esta sexta-feira, o Ministério da Defesa russo esclareceu que a primeira fase da “operação especial militar” — como Moscovo designa a invasão da Ucrânia — está “praticamente concluída”.

De agora em diante, esclareceu Sergey Rudskoy, vice-chefe de Estado General das Forças Armadas da Rússia, o objetivo principal será a “libertação completa” do território de Donbas, de que fazem parte as regiões de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia.

O Ministério da Defesa da Rússia alega que as forças separatistas, radicadas no Donbas, controlam atualmente 93% do território na região de Luhansk e 54% em Donetsk.

Escreve o diário espanhol “El País” que, a confirmar-se, esta mudança de estratégia, significa “uma redução dos objetivos militares iniciais, que, nas palavras do Presidente russo, Vladimir Putin, passavam pela ‘desnazificação’ da Ucrânia”.

O Ministério da Defesa reconheceu também a morte de 1351 soldados, nas suas hostes. E acrescentou que as forças separatistas apoiadas por Moscovo controlam 93% da região de Luhansk e 54% de Donetsk. Três dias antes do início da invasão da Ucrânia, a Rússia reconheceu a independência destas duas regiões ucranianas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

A guerra em imagens: um mês de destruição e muito sofrimento

As tropas russas ainda não entraram em Kiev, mas a capital ucraniana já não escapa à destruição da guerra. De Irpin chegam imagens de grande sofrimento humano, com população ansiosa à espera de uma trégua para fugir para um local mais seguro. A Ucrânia é um país cada vez mais despovoado e destruído

NEGRO. É o tom dos céus da Ucrânia e do futuro do país, num momento em que ainda não se adivinha o fim da guerra ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
ÊXODO. Podia ser apenas um dia de trânsito caótico em Kiev. É um gigantesco engarrafamento provocado por quem procura fugir à guerra PIERRE CROM / GETTY IMAGES
INOCÊNCIA. Vidas interrompidas, à espera de atravessar a fronteira para a Polónia. O mais novo entretido, a mais velha resignada com a partida forçada WOJTEK RADWANSKI / AFP / GETTY IMAGES
ADAPTAÇÃO. Na normalidade possível num país em guerra, uma criança diverte-se num baloiço que sobreviveu intacto aos combates, em Kiev PIERRE CROM / GETTY IMAGES
INFERNO. Um edifício de apartamentos consumido pelas chamas, na capital ucraniana, após um bombardeamento. A guerra não distingue alvos militares de civis ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
VAZIO. Está longe o olhar (e o pensamento) deste ucraniano, ferido durante os combates com os russos, na região de Luhansk ANATOLII STEPANOV / AFP / GETTY IMAGES
SOBREVIVÊNCIA. É tudo o que significa a ajuda deste militar a uma mulher idosa, na cidade de Irpin ARIS MESSINIS /AFP / GETTY IMAGES
DOR. No corpo e na alma desta mulher de Chuguiv, no leste da Ucrânia, por ver o seu país atacado e destruído ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
SOCORRO. Para os militares ucranianos, fazer a guerra é também ajudar a transferir os mais vulneráveis das zonas dos combates SERGEI SUPINSKY / AFP / GETTY IMAGES
SEPARAÇÃO. Mulheres e crianças partiram. Os homens entre os 18 e os 60 anos ficaram para servir na guerra. Não há garantias de que se voltem a encontrar BULENT KILIC / AFP / GETTY IMAGES
SOLIDÃO. A presença do fiel amigo não ilude o isolamento e a expressão de tristeza desta idosa ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
FUGA. A ponte já não está intacta, mas ainda assim é uma escapatória preciosa para permitir a evacuação de Irpin ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
CAOS. Destruição total na cidade de Bucha, a oeste de Kiev ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
PARTIDA. Este autocarro leva ucranianos para a vizinha Moldávia. Ficar pode ser sinónimo de morte NIKOLAY DOYCHINOV / AFP / GETTY IMAGES
DESTRUIÇÃO. Imagens obtidas por satélite mostram um ataque a uma zona residencial, em Chernihiv GETTY IMAGES
SUSTO. Parece um ataque acidental a um prédio de Kiev. Mas na “guerra de Putin” , como muitos lhe chamam, tudo pode ser um alvo DANIEL LEAL / AFP / GETTY IMAGES
DESÂNIMO. A casa deste homem, na região de Chuguiv, no leste da Ucrânia, ficou transformada num monte de escombros ARIS MESSINIS / AFP / GETTY IMAGES
RESILIÊNCIA. Um homem limpa destroços junto a um prédio de apartamentos, num subúrbio da capital ucraniana DANIEL LEAL / AFP / GETTY IMAGES
FÉ. Preces a Deus para que ponha fim a uma guerra travada entre dois países cristãos (ortodoxos) DANIEL LEAL / AFP / GETTY IMAGES
ESPERA. Em redor da praça junto à Câmara Municipal de Kharkiv, há ucranianos armados à espera que os russos apareçam SERGEY BOBOK / AFP / GETTY IMAGES
ANSIEDADE. Abrigados sob uma ponte destruída, aguardam por uma trégua nos combates para saírem de Irpin para um sítio mais seguro DIMITAR DILKOFF / AFP / GETTY IMAGES
ATAQUE. Bombardeamento contra uma zona industrial, em Chernihiv. O fumo negro sai de tanques de armazenamento de petróleo GETTY IMAGES
ARMA. Garrafas usadas por voluntários para produzir cocktails Molotov, em Lviv DANIEL LEAL / AFP / GETTY IMAGES
ESTRAGOS. Este apartamento, em Kiev , escapou ao embate de um míssil, intercetagdo pelas forças ucranianas, mas não ao impacto dos estilhaços CHRIS MCGRATH / GETTY IMAGES
DESORIENTAÇÃO. Uma mão amiga transmite segurança a uma idosa visivelmente assustada, durante a evacuação de Irpin ANDRIY DUBCHAK / GETTY IMAGES
DEVASTAÇÃO. Na cidade de Moschun, não parece haver mais vida GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de março de 2022. Pode ser consultado aqui

Um mês de combates em 10 números

Dezenas de ataques russos a hospitais e clínicas, centenas de mortos, milhares de provas de crimes de guerra, milhões de pessoas em fuga. O conflito na Ucrânia em números

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dossiês estão sobre a mesa das negociações entre russos e uranianos.

São eles:

  • o estatuto de neutralidade da Ucrânia que, na prática, inviabiliza a adesão do país à NATO;
  • o desarmamento e garantias mútuas de segurança;
  • o processo que a Rússia designa de “desnazificação” da Ucrânia;
  • a remoção de obstáculos à utilização generalizada da língua russa no território ucraniano;
  • o estatuto da região de Donbass, no leste do país;
  • o estatuto da península da Crimeia, anexada pela Rússia em 2014.

O fim da guerra está dependente de um acordo entre Moscovo e Kiev em todos eles.

10.000.000

ucranianos, numa população total de cerca de 45 milhões de pessoas, já foram obrigados a abandonar as suas casas em fuga à guerra. A denúncia foi feita por Filippo Grandi, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados.

Este grande êxodo humano — o pior na Europa desde a II Guerra Mundial — transformou muitos ucranianos em deslocados internos e muitos outros em refugiados, acolhidos em países terceiros.

19.619

ucranianos já beneficiaram de pedidos de proteção temporária, concedidos por Portugal (atualização feita pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, às 13h de quarta-feira). Cerca de um terço desses cidadãos são menores. Pelo menos 500 crianças e jovens ucranianos já estão inscritos no sistema educativo português.

977

mortos e 1594 feridos é o total de vítimas deste conflito apuradas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Há 81 crianças entre os mortos. Esta agência da ONU salienta, porém, que as cifras reais deverão ser “consideravelmente superiores”.

O número de vítimas civis e militares tornou-se uma arma de arremesso entre Moscovo e Kiev. No terreno, a dificuldade em apurar, de forma independente, os custos humanos da guerra é evidente, nomeadamente no leste do território ucraniano, onde se travam os combates mais intensos.

4935

provas de crimes de guerra e crimes contra a humanidade atribuídos à Rússia foram já recolhidos pela Procuradoria-Geral da Ucrânia. Existe, para o efeito, um site ao qual qualquer cidadão ucraniano pode aceder para registar evidências de atrocidades a que assista.

“Hoje, cada ucraniano é uma testemunha valiosa e, num futuro próximo, membro de uma equipa de muitos milhões”
 Procuradoria-Geral da Ucrânia

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hospitais e clínicas foram atingidos por fogo russo, contabilizou a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Outros edifícios onde eram prestados cuidados de saúde estão a ser avaliados por potencial ataque russo.

Um dos casos mais chocantes foi o ataque a uma maternidade, em Mariupol, de que resultaram três mortos e 17 feridos.

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partidos políticos ucranianos foram suspensos devido a ligações à Rússia.

A maioria eram pequenas formações, mas um deles, a Plataforma de Oposição — Para a Vida, lidera a oposição, com 44 deputados eleitos no Parlamento ucraniano. Um dos seus líderes mais influentes é Viktor Medvedchuk, um oligarca amigo pessoal de Putin. A guerra trava-se também no primeiro plano da política, em Kiev.

100

por cento é a percentagem de dependência de países como a Somália e o Benin em relação ao trigo cultivado na Rússia e na Ucrânia.

Segundo a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), há 16 países africanos que dependem em mais de 50% do trigo produzido nesses dois países.

Recentemente, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou para “um furacão de fome e um colapso do sistema alimentar global” em consequência da guerra na Ucrânia.

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Parlamentos já assistiram, ainda que de forma virtual, a discursos do Presidente da Ucrânia, já com a guerra em curso. Foram eles o Parlamento Europeu e dez Parlamentos nacionais: Reino Unido, Polónia, Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Israel, Itália, Japão e França.

Na quarta-feira, dirigindo-se aos deputados japoneses, Volodymyr Zelensky recordou os horrores do uso do nuclear, que os japoneses sofreram na pele em Hiroshima e Nagasaki e os ucranianos em Chernobyl. Fe-lo para lançar um alerta de que pode também acontecer durante este conflito.

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anos separam os nascimentos de Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky. Mais do que uma curiosidade, esta diferença de idades determina uma experiência abismal entre o antigo espião russo e o ex-comediante ucraniano, no palco da política.

No ano em que Zelensky nasceu (1978), já Putin escalava posições na secreta soviética (KGB). Em 1980, foi colocado em Dresden, na Alemanha Oriental, onde assistiu à queda do Muro de Berlim (1989) na primeira fila. Muitas dessas memórias estarão bem presentes na forma como conduz esta guerra.

(IMAGEM TALKING ECONOMICS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 24 de março de 2022. Pode ser consultado aqui