Viragem na presidência após campanha para esquecer

Yoon Suk-yeol venceu as eleições por menos de 1%. Ex-procurador-geral, propõe política mais dura com a Coreia do Norte

A democracia sul-coreana assinala, este ano, 35 anos de vida. Quarta-feira, o país foi a votos para escolher novo Presidente e, a atentar no perfil dos principais candidatos que disputaram as eleições até ao último voto, talvez não seja exagerado dizer que os sul-coreanos estão fartos de políticos. Pela primeira vez na era democrática, nenhum dos candidatos mais votados tem experiência parlamentar ou governamental.

O nome a memorizar é Yoon Suk-yeol. Representante do Partido do Poder Popular (conservador), até agora na oposição, recebeu mais de 16,4 milhões de votos (48,56%). Em segundo lugar ficou Lee Jae-myung, do Partido Democrático (liberal, no poder) e veterano da administração pública (até há pouco, governador da província de Gyeonggi). Foi o preferido de 16,1 milhões de eleitores (47,83%). A afluência foi de 77,1%, entre 44 milhões de eleitores.

Os dois candidatos terminaram a corrida à Casa Azul separados por menos de 1% dos votos. Na Coreia do Sul, o chefe de Estado só pode exercer um mandato de cinco anos e as presidenciais ficam concluídas numa volta só, ou seja, ganha o candidato mais votado, independentemente da robustez do seu resultado. “Considerarei a unidade nacional a minha prio­ridade de topo”, disse o vencedor.

O novo Presidente, de 61 anos, dedicou 26 à justiça, onde exerceu como promotor. Entre 2019 e 2021, Yoon Suk-yeo foi procurador-geral do país, tendo ganho prestígio ao liderar investigações relativas a escândalos de corrupção que implicavam assessores do Presidente Moon Jae-in.

Durante a campanha eleitoral, Yoon ganhou fama de ser antifeminista, depois de ter dito que a discriminação de género não existe no país de forma estrutural, e de prometer abolir o Ministério da Igualdade de Género e da Família.

Votar no “mal menor”

Esta foi uma de muitas polémicas, escândalos e insultos que marcaram o período pré-eleitoral. Os dois principais aspirantes atacaram a esposa um do outro, Lee acusou Yoon de ser bêbado e denunciaram “xamãs” (pessoas com poderes especiais) na campanha adversária. A alta taxa de reprovação de ambos levou a que este escrutínio fosse visto como a escolha “do mal menor” ou rotulado de “eleição desagradável” ou “eleição ‘Squid Game’” (por analogia com uma violenta série sul-coreana de grande sucesso na Netflix), pelo nível de agressividade entre os principais nomes em liça. Numa reportagem do jornal “Korea Times” realizada junto de jovens que votavam pela primeira vez, um deles afirmava: “Alguns candidatos parecem umas cabeças ocas, a julgar pelas suas palavras e ações.”

Na hora da vitória, Yoon prometeu “prestar atenção aos meios de subsistência das pessoas”, “fornecer serviços de bem-estar aos necessitados”, acabar com a corrupção e fazer o máximo para que a Coreia do Sul “sirva como membro orgulhoso e responsável da comunidade internacional e do mundo livre”.

A estratégia de Yoon à frente da quarta maior economia da Ásia (a seguir à China, Japão e Índia) passa por redefinir a relação com a China e endurecer a posição do país para com a Coreia do Norte. Nos últimos meses, Pyongyang lançou um número recorde de mísseis.

Artigo publicado no “Expresso”, a 11 de março de 2022. Pode ser consultado aqui ou aqui

Refugiados ucranianos são bem-vindos. Os outros nem por isso

Enquanto a União Europeia, de forma unânime, abre as portas ao acolhimento de cidadãos ucranianos em fuga à guerra, milhares de migrantes e refugiados de outras origens, já em território comunitário, continuam a viver em péssimas condições. Uma recente missão do Parlamento Europeu à Letónia e Lituânia testemunhou candidatos a asilo a viver em regime de detenção

Nuvem de palavras relativas à crise de refugiados ucranianos WORDCLOUD.APP

“Se nós desaparecermos — Deus não o permita —, Letónia, Lituânia, Estónia, etc. irão a seguir. Até ao Muro de Berlim, acreditem!” Este cenário dramático, em que a Rússia não se contentaria em dominar apenas a Ucrânia e avançaria Europa fora, foi profetizado, na semana passada, pelo Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Não se trata de propaganda ucraniana. O receio de que a guerra possa alastrar a outros países do leste da Europa é real e foi testemunhado, há dias, por sete deputados do Parlamento Europeu durante uma visita à Letónia e à Lituânia, ex-repúblicas soviéticas vizinhas da Rússia. “Senti apreensão face àquilo que está a acontecer. E senti preocupação em relação a uma possível agressão”, disse ao Expresso a eurodeputada portuguesa Isabel Santos, que integrou a missão.

“Estes países vêm manifestando, já há algum tempo, um profundo receio de que possa ocorrer uma agressão. No Parlamento Europeu, assistimos várias vezes às intervenções dos nossos colegas [oriundos desses países] a expressarem esse tipo de preocupações. É algo que está muito presente nesses países. E neste momento, face ao que está a acontecer na Ucrânia, ainda mais receio existe. No Ocidente, se calhar, desvalorizamos um pouco esse sentimento de insegurança…”

Arma de arremesso de Lukashenko

A visita dos eurodeputados aos dois países bálticos — que são membros da NATO e da União Europeia — foi agendada numa altura em que não era previsível o rebentar desta guerra. O objetivo da missão era observar in loco as condições de acolhimento dos requerentes de asilo que, no verão passado, chegaram às fronteiras destes países empurrados pela Bielorrússia.

“Foi um movimento migratório forçado e criado artificialmente por [Aleksandr] Lukashenko”, o ditador bielorrusso, que fez destas pessoas desesperadas “uma arma de arremesso contra a União Europeia”, acusa a eurodeputada. “Este movimento de migrantes e refugiados é identificado por estes países [Letónia e Lituânia] como uma ameaça híbrida, outra forma de fazer a guerra e de os agredir. Há grande apreensão face a qualquer coisa que possa ocorrer, até porque a Bielorrússia, nesta matéria, furta-se a qualquer diálogo.”

Em tempos normais, Letónia e Lituânia recebem, em média, cerca de 100 pedidos de asilo por ano. A manobra de Lukashenko, de incentivo a que milhares de migrantes e refugiados seguissem viagem até à fronteira da UE, levou a que já tenham chegado à Letónia mais de 500 pessoas e à Lituânia cerca de 4500.

“Nós não tentaremos apanhar-vos, bater-vos ou prender-vos atrás do arame farpado”

Aleksandr Lukashenko, Presidente da Bielorrússia, dirigindo-se aos migrantes em território bielorrusso, em novembro passado

“Encontramos as pessoas em centros cuja configuração é de detenção. As pessoas não podem sair desses centros, há famílias de 4-6 pessoas a viver num quarto e quartos com péssimas condições para acomodar tanta gente. A situação é bastante má do ponto de vista dos cuidados de saúde, das condições de higiene, de alimentação e, sobretudo, da saúde mental das pessoas que há meses se veem confinadas a um quarto, corredor e pouco mais. A situação que encontramos na Lituânia é absolutamente dramática. Havia pessoas a dizer-nos: ‘Nós só queremos liberdade’.”

Em causa estão refugiados oriundos, principalmente, da Síria, Afeganistão e Iraque e, em menor número, de países como Camarões, Congo, Iémen e Eritreia. Muitos relatam ter sofrido eletrochoques e outro tipo de agressões, “que configuram tortura”, diz Isabel Santos, para quem “isto não pode ser tolerado”. “Tem de haver vontade política e apoio da União Europeia. O tratamento dado a estas pessoas tem de ser algo que dignifique a sua condição humana”, prossegue a socialista. No caso da Lituânia, “há um discurso muito negativo por parte de vários atores políticos”.

“Há pessoas que nos descreveram terem estado semanas e meses em constantes pushbacks, empurrados da Bielorrússia para as fronteiras da Lituânia e da Letónia e destas para a Bielorrússia. É evidente que se tem de responder à forma como a Bielorrússia viola o direito internacional ao promover este género de movimentos — transforma-se quase num Estado que faz tráfico de pessoas —, mas não podemos dar uma resposta desumanizada e violadora do direito internacional. Não podemos ter dentro da UE um padrão que viola completamente o que está inscrito na Convenção de Genebra [relativa à proteção das pessoas civis em tempo de guerra] e na Carta dos Direitos Fundamentais [da União Europeia].”

A forma como estes migrantes são tratados contrasta com a abertura demonstrada por estes países para receberem cidadãos ucranianos em fuga à guerra. “É muito positivo que haja essa boa vontade e essa grande disponibilidade de acolhimento”, conclui a eurodeputada. “Mas seria bom que esta mobilização positiva em torno dos refugiados vindos da Ucrânia se estendesse também àqueles que já se encontram em território europeu” — e que não são eslavos.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 7 de março de 2022. Pode ser consultado aqui