Zelensky, um profissional da comunicação que se inspira em Churchill… e Trump

No dia em que assinala três anos sobre a vitória eleitoral que o levou à presidência da Ucrânia, Volodymyr Zelensky dirige-se ao Parlamento português para mais um discurso mobilizador. Como Winston Churchill, referência na área da comunicação política, o ucraniano sabe que quando a situação no seu país deixar de estar no topo da agenda mediática, ele perde a guerra. Ao Expresso, um especialista em comunicação política defende que “Zelensky quer criar a lenda”

Volodymyr Zelensky era, até há bem pouco tempo, um líder relativamente desconhecido no mundo. Alguns teriam apenas presente o momento da sua eleição como Presidente da Ucrânia, a 21 de abril de 2019, quando foi notícia a vitória de um comediante, eleito nas fileiras de um partido com o mesmo nome da série televisiva que o notabilizou — Servo do Povo.

Hoje, Zelensky é um herói no Ocidente, fruto da inesperada resistência ucraniana à invasão russa, que se esperava rápida e fulgurante, e à frequência e qualidade com que discursa. “Sendo um homem da área do humor, sabe a importância que tem a comunicação naquilo que é a projeção de um político, sobretudo em tempos de guerra”, diz ao Expresso Alexandre Guerra, consultor em comunicação. “Zelensky está a utilizar todas as ferramentas que já dominava e muitas outras que aprendeu ou afinou para construir esse estatuto de herói.”

O especialista defende que, independentemente da estratégia montada pela máquina de comunicação que o rodeia, o Presidente ucraniano tem características inatas de um bom comunicador. “Não se consegue construir um estatuto de herói sem que haja características inatas para serem trabalhadas e aperfeiçoadas. Winston Churchill, [primeiro-ministro britânico por duas vezes (1940-45 e 1951-55) e referência na arte da comunicação política] dizia que ‘a aptidão retórica não é nem inteiramente inata, nem inteiramente adquirida, mas cultivada’ e que ‘o aperfeiçoamento é encorajado pela prática’. Ou seja, nem tudo pode ser fabricado num líder, nem tudo é inato.”

Isto aconteceu com Churchill — que chefiou , motivou e mobilizou o Reino Unido durante a II Guerra Mundial — e está a suceder agora com Zelensky, que se agigantou com a invasão russa. “Churchill teve uma vasta carreira política antes da II Guerra Mundial, que nunca é citada. O mesmo acontece com Zelensky — há um antes e um depois desta guerra.”

Eleito Presidente faz esta quinta-feira três anos, Volodymyr Zelensky foi um líder que não só não se destacou, nos primeiros tempos, por particular brilhantismo, como se deixou arrastar para o lamaçal em que se tornou a política interna nos Estados Unidos.

Um telefonema entre Zelensky e Donald Trump, a 25 de julho de 2019, desclassificado meses depois por ordem do Presidente norte-americano para que se escutasse os seus pedidos a Zelensky para investigar as atividades do rival democrata Joe Biden e do seu filho Hunter no país, revelou um ascendente de Trump sobre o chefe de Estado ucraniano.

Depois de o americano o felicitar pela vitória nas legislativas, Zelensky desfez-se em elogios à figura de Trump. “Conseguimos uma grande vitória e trabalhamos no duro para isso. Mas quero confessar-lhe que aprendi consigo. Usamos algumas das suas habilidades e conhecimento”, admitiu. “Posso dizer-lhe o seguinte: da primeira vez telefonou-me para me parabenizar quando venci as presidenciais, e está a ligar-me agora, pela segunda vez, quando o meu partido ganhou as legislativas. Julgo que poderia candidatar-me mais vezes para que me telefonasse mais vezes e pudéssemos conversar mais vezes”.

Discursos diários para o país e o mundo

Desde 24 de fevereiro, quando os primeiros militares russos entraram em território ucraniano, Zelensky faz-se ouvir várias vezes ao dia. Dirige-se com regularidade ao povo ucraniano, participa por videoconferência em reuniões com dirigentes internacionais e já discursou para pelo menos 25 parlamentos estrangeiros. Esta quinta-feira, fala na Assembleia da República.

Correndo o risco de contribuir para uma ‘fadiga Zelensky’, o Presidente tem como prioridade manter o tema da guerra na agenda mediática internacional. “Zelensky sabe que o tempo corre contra si em duas pistas”, comenta Guerra, simultaneamente especialista em assuntos internacionais. “Por um lado, quanto mais tempo passa, mais guerra há e mais destruição de território e mais mortes se verificam. Por outro lado, mais probabilidades há de o assunto começar a despertar menos interesse junto das televisões e da opinião pública internacional.”

Nos seus discursos, o chefe de Estado ucraniano alterna palavras de agradecimento ao apoio recebido com tiradas mais crispadas para com os aliados europeus, por exemplo, para pressionar e manter o assunto aceso. “Zelensky sabe que, naquilo que é a sua estratégia de liderança e resistência à Rússia, o tema Ucrânia tem de estar no topo da agenda mediática. Se não, a partir desse momento, ele perde a guerra”, diz o consultor de comunicação.

“Esta necessidade permanente de comunicar, de criar fatores de notícia e de, muitas vezes, provocar serve precisamente para manter o assunto no topo da agenda. De outra maneira, torna-se um conflito congelado e, como tantos outros conflitos esquecidos, os países ficam entregues à sua sorte.”

Esquecimento desde 2014

A própria Ucrânia já provou desse esquecimento. Para qualquer ucraniano, a guerra em curso não começou há semanas, mas antes em 2014, quando a Rússia invadiu o país, anexou formalmente a península da Crimeia e forças separatistas pró-Moscovo assumiram o controlo sobre partes do território do Donbas, no leste. “A Ucrânia ficou por sua conta e risco, na gestão desses dois problemas, sem que houvesse grande mobilização internacional”, recorda Guerra.

Para Alexandre Guerra, é claro que Zelensky soube rodear-se de uma equipa de comunicação “muito profissional”, oriunda da televisão, do jornalismo e da consultoria de comunicação, e que tem revelado capacidade para trabalhar sob grande stresse. “Isso nota-se não só nas comunicações de Zelensky, como em toda a estratégia de comunicação a nível governamental, do poder local ou militar que está toda muito bem coordenada. A forma como a estrutura militar ucraniana controla a comunicação no terreno — mostrando o que quer e gerindo o acesso dos jornalistas aos locais — é de um enorme profissionalismo.”

O especialista destaca o trabalho desenvolvido entre o Governo de Kiev e entidades externas, por exemplo empresas de lóbi (como a Yorktown Solutions, de Washington), de relações públicas (como a Karv Communications, de Nova Iorque), personalidades individuais, como o advogado Andrew Mac (que dirige a Asters, firma de advogados ucranianos em Washington, e é assessor de Zelensky) e antigos políticos americanos que estão em contacto permanente com a presidência ucraniana e atuam como influencers junto de decisores políticos e órgãos de informação.

Também a forma como Zelensky se veste é, em si mesma, um instrumento de comunicação. O colete à prova de bala e o capacete que usa quando anda nas ruas assentam-lhe com naturalidade, ajudando a criar uma imagem de credibilidade e a cimentar a sua liderança militar.

Nos gabinetes, surge quase sempre de ‘mangas arregaçadas’ com uma t-shirt verde-tropa no corpo, que já se tornou uma imagem de marca. Quando o visitou, em Kiev, a 1 de abril passado, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, mostrou solidariedade replicando a indumentária.

Tudo contribui para a construção da imagem de um resistente heróico. “Faz tudo parte de um elemento cénico importante. Mesmo os pequenos gestos, tudo tem um propósito, sobretudo quando estamos em presença de pessoas com um sentido de comunicação muito apurado, ao nível político e da gestão de crises. E tudo aquilo que, aparentemente, é espontâneo tem ali um elemento intencional.”

Amigos portugueses…

No discurso que se projeta para a audiência portuguesa, que resulta de um convite endereçado por Portugal, não faltarão os apelos às emoções que pontuaram as intervenções anteriores. “Mais do que um discurso de circunstância, é uma arma que Dmytro Litvin, o speechwriter de Zelensky, lhe coloca nas mãos, uma arma de apelo ao sentimento e às emoções de determinado povo”, descodifica Guerra.

Previsivelmente, dada a proximidade da sessão com o 48º aniversário do 25 de Abril, é possível que Zelensky não se esqueça desse marco para fazer a apologia da liberdade. “Ficaria muito surpreendido se o discurso não tocasse no 25 de Abril, até porque é uma data que celebra a liberdade e a libertação do jugo autoritário. Tenho expectativa para ver se Zelensky irá um pouco mais longe e vá falar do ‘verão quente’ que implicou um confronto entre uma visão democrática e um projeto comunista, alinhado com Moscovo.”

Para Portugal, esta iniciativa é uma demonstração de solidariedade para com a Ucrânia, no principal órgão de soberania do país. Além desse lado simbólico, “Portugal abre mais uma janela comunicacional a Zelensky e deve tentar potenciar ao máximo essa comunicação para os países de língua oficial portuguesa através, por exemplo, da RTP Internacional. Portugal é uma boa plataforma de projeção para outros países. É pequeno mas tem uma capacidade de alcance internacional muito interessante, junto de públicos que até estão um pouco distantes desta guerra”, como em Áfica ou na América do Sul.

A ‘passagem’ de Zelensky por Lisboa será mais uma etapa de uma guerra paralela às hostilidades no terreno — a da comunicação — e na qual surge como a voz principal de uma população com mais de 44 milhões de pessoas. “A partir do momento em que entrou em modo de guerra, como qualquer bom homem da comunicação política, Zelensky quer criar a lenda. E um dos melhores exemplos disso aconteceu nos primeiros dias de guerra, quando foi noticiado que os Estados Unidos tinham oferecido a Zelensky a possibilidade de sair do país e que ele teria dado uma resposta que ficou célebre: ‘Não preciso de boleia, preciso de munições’.”

A citação surgiu, pela primeira vez, num artigo da agência Associated Press de 26 de fevereiro, dois dias após o início da invasão da Rússia. Escreveu a AP: “Zelensky respondeu: ‘A luta está aqui. Preciso de munições, não de uma boleia”, segundo um alto responsável dos serviços de informação norte-americanos com conhecimento direto da conversa”.

“Hoje, esta resposta já faz parte da lenda e não se sabe sequer quem a proferiu e para quem, nem se essa resposta foi sequer dada por alguém”, conclui Guerra. “A frase foi posta a circular de forma credível e define bem aquilo que é Zelensky nesta guerra: Vou ficar aqui até morrer!”

(FOTO Volodymyr Zelensky durante uma intervenção diante da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa PRESIDÊNCIA DA UCRÂNIA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 21 de abril de 2022. Pode ser consultado aqui

Entrincheirado na Ucrânia, Zelensky deixou 25 reptos a parlamentos do mundo (agora é a nossa vez)

Em quase dois meses de guerra, o Presidente da Ucrânia já se dirigiu, por videoconferência, a 25 Parlamentos estrangeiros. Volodymyr Zelensky apoia-se num guião que oscila entre relatos emotivos das mais recentes atrocidades descobertas em solo ucraniano e a evocação de episódios históricos que aproximem quem o escuta do drama ucraniano. Esta quinta-feira, discursa para a Assembleia da República

O Presidente da Ucrânia tem feito da comunicação a sua principal arma de combate. Em 55 dias que leva a guerra no seu país, já discursou diante de 25 Parlamentos estrangeiros — uma média de uma intervenção a cada dois dias.

Em cada videochamada — que termina, invariavelmente, com a audiência a ovacioná-lo de pé —, Volodymyr Zelensky segue um guião profissional. Descreve, de forma emotiva, as barbaridades atribuídas aos russos, atualiza com especial ênfase o número de crianças mortas e lança pontes com a história do país anfitrião na expectativa de que, proferida a frase final, quem o ouça assuma que a guerra na Ucrânia é também sua.

Quando falou para o Conselho Europeu, a 24 de março passado, Zelensky avaliou o apoio dado à Ucrânia por cada um dos países da União Europeia. De Portugal, disse que “estava quase”. Esta quinta-feira, quando se dirigir aos deputados portugueses, terá oportunidade de esclarecer o que mais pode Portugal fazer pela Ucrânia.

Vestindo, na maioria das vezes, uma t-shirt verde, que já se tornou uma imagem de marca — e que a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, replicou, de forma solidária, quando o visitou, em Kiev, a 1 de abril —, Zelensky coloca na voz a energia que, por vezes, falta-lhe no rosto. Mas não se cansa de fazer pedidos.

PARLAMENTO EUROPEU, 1 de março: “A Ucrânia escolhe a Europa!”

Ao sexto dia de guerra, o Presidente da Ucrânia aproveitou “uma aberta nos bombardeamentos”, como disse, e dirigiu-se ao Parlamento Europeu para reafirmar um sonho do seu país. “Há uma expressão: ‘A Ucrânia escolhe a Europa’. É para isso que nos temos esforçado, e é para onde ainda estamos a ir. Gostaria muito de vos ouvir dizer que a Europa agora escolhe a Ucrânia”, disse Zelensky aos eurodeputados.

A adesão da Ucrânia à União Europeia (UE) esteve no coração do movimento de protesto Euromaidan que, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, desafiou o Governo pró-Rússia após este recusar assinar um Acordo de Associação Ucrânia-UE, aprovado pelo Parlamento nacional.

A UE daria um passo na direção da Ucrânia mais de um mês após o início da invasão russa, quando a presidente da Comissão Europeia e o chefe da diplomacia da UE, Ursula von der Leyen e Josep Borrell, foram a Kiev e entregaram a Zelensky o convite formal de adesão. “Vamos acelerar este processo o mais que conseguirmos, garantindo que todas as condições sejam respeitadas”, escreveu Ursula no Twitter.

REINO UNIDO, 8 de março: Determinado como Churchill

Nunca antes o Palácio de Westminster tinha permitido que um líder estrangeiro discursasse para os deputados britânicos — Zelensky tornou-se o primeiro. O ucraniano descreveu cada um dos dias passados sob fogo russo, até então, e citou William Shakespeare: “Ser ou não ser?” E respondeu: “Obviamente, ser. Obviamente, ser livre”.

Numa passagem do seu discurso destinada a realçar a determinação dos ucranianos em resistir, Zelensky trouxe à memória um discurso histórico de Winston Churchill durante a II Guerra Mundial, o célebre “We Shall Fight on the Beaches” (Lutaremos nas Praias), proferido na Câmara dos Comuns, a 4 de junho de 1940, durante a Batalha de França. Disse o ucraniano:

“Lutaremos nos mares, lutaremos no ar, defenderemos a nossa terra, custe o que custar. Lutaremos nos bosques, nos campos, nas praias, nas cidades e aldeias, nas ruas, lutaremos nas colinas… Quero acrescentar: lutaremos sobre os despojos, nas margens do Kalmius e do Dnieper! E não nos renderemos!”

POLÓNIA, 11 de março: A Ucrânia é só o início

Volodymyr Zelensky interveio diante do Sejm, o Parlamento da Polónia, na véspera do país assinalar o 23º aniversário da sua entrada na NATO, um percurso que, como o demonstra a invasão russa, a Ucrânia está por enquanto impedida de fazer.

O ucraniano agradeceu aos polacos o acolhimento de refugiados ucranianos — cerca de 2,6 milhões, até ao dia de hoje. E citou um antigo Presidente polaco para verbalizar a ameaça que significa para ucranianos e polacos a circunstância de serem vizinhos da Rússia. Era 2008, Lech Kaczynski estava em Tbilisi, na Geórgia, e decorria a guerra entre a Rússia e aquele país do Cáucaso, que haveria de levar ao reconhecimento russo da independência das regiões separatistas georgianas da Ossétia do Sul e da Abecásia.

Disse então o polaco: “Sabemos muito bem: hoje Geórgia, amanhã Ucrânia, depois de amanhã os países bálticos e então, talvez, chegue a hora do meu país, Polónia”. Acrescentou agora Zelensky: “A 24 de fevereiro [o início da invasão], esse terrível ‘amanhã’, de que falou o Presidente Kaczyński, chegou à Ucrânia”.

CANADÁ, 15 de março: Nem mais um dólar para a guerra

Num discurso fortemente marcado pela informalidade, Zelensky dirigiu-se ao primeiro-ministro Justin Trudeau apenas por “Justin”, do início ao fim — o canadiano tem 50 anos e o ucraniano 44.

Igualmente, procurou mobilizar de forma especial os 1,4 milhões de canadianos com ascendência ucraniana (numa população de cerca de 38 milhões). “É neste momento histórico que precisamos da vossa ajuda efetiva.”

Despindo-se de emoções, Zelensky apelou ao poder de influência do Canadá — enquanto membro da NATO e uma das sete maiores economias do mundo —, para que exerça mais pressão militar e económica sobre a Rússia.

“Podem forçar ainda mais empresas a deixarem o mercado russo, para que não haja um único dólar para a guerra. Se [as empresas] permanecerem na Rússia e patrocinarem a guerra, não poderão trabalhar no Canadá. Que assim seja — e isso nos dará paz.”

ESTADOS UNIDOS, 16 de março de 2022: Um sonho não concretizado

Com os membros do Congresso dos EUA reunidos num auditório, e não na tradicional sala de debates, Zelensky desafiou-os a recuarem até aos dias negros da história do país para melhor perceberem o sofrimento dos ucranianos.

Recordou o ataque a Pearl Harbor (1941) e o 11 de Setembro (2001) e fez um pedido, ‘ao som’ das palavras do ativista Martin Luther King Jr.: “‘Eu tenho um sonho’ — estas palavras são conhecidas por cada um de vós. Hoje posso dizer: eu tenho uma necessidade. A necessidade de proteger o nosso céu. A necessidade da vossa decisão, da vossa ajuda. E isso significará a mesma coisa que sentem, quando ouvem: eu tenho um sonho”.

Este pedido não produziu efeitos junto da Casa Branca ou do quartel-general da NATO. A desejada zona de exclusão aérea nos céus da Ucrânia, para neutralizar bombardeamentos russos, nunca se concretizaria..

ALEMANHA, 17 de março: Um novo muro na Europa

Diante do Bundestag, o Presidente ucraniano colocou o dedo na ferida aberta na memória coletiva alemã que é a II Guerra Mundial. Recordou o massacre de judeus pelos nazis, em 1941, na localidade ucraniana de Babyn Yar — uma das maiores chacinas de civis na então União Soviética — e referiu que na zona já caíram mísseis russos. “Mortos outra vez, 80 anos depois”, disse.

Insistindo nas lições da história recente da Alemanha, Zelensky “ergueu” uma nova barreira na Europa, por comparação ao Muro de Berlim, derrubado em 1989. “Vós estais como que atrás de um muro novamente. Não o Muro de Berlim, mas no meio da Europa, entre a liberdade e a escravidão. E esse muro fica mais forte a cada bomba que cai na nossa terra, na Ucrânia, com cada decisão que não é tomada em prol da paz.”

“Quando nós dissemos que o [gasoduto] Nord Stream era uma arma e um preparativo para uma grande guerra, ouvimos, como resposta, que era economia, afinal de contas. Economia. Economia. Mas era cimento para um novo muro.”

O ucraniano terminou o discurso reproduzindo uma citação histórica do ex-Presidente dos EUA Ronald Reagan, de visita a Berlim Ocidental, em 1987. “Derrube este muro”, disse, dirigindo-se ao líder soviético, Mikhail Gorbachev. Acrescentou Zelensky: “Quero dizer agora, chanceler [Olaf] Scholz, derrube este muro! Dê à Alemanha a liderança que merece e de que os seus descendentes se orgulhem.”

SUÍÇA, 19 de março: O papel dos bancos na “luta contra o mal”

Os horários da guerra não se compaginam com os hábitos mundanos de quem vive em paz pelo que foi a um sábado que Zelensky falou para “o povo da Suíça”, “um Estado com uma longa história de paz e uma história de influência ainda maior”.

No exterior do edifício do Parlamento, em Berna, milhares de pessoas escutaram, através de um grande ecrã, Zelensky admitir um sonho antigo de “viver como os suíços”, com altos padrões de qualidade, confiança e liberdade, poucas expectativas em relação aos políticos e com a possibilidade de votarem em referendos.

“E assim como eu queria que os ucranianos vivessem como os suíços, eu também quero que vocês sejam como os ucranianos, na luta contra o mal. Para que não haja dúvidas sobre os bancos, os vossos bancos, [é] onde está guardado o dinheiro de todos aqueles que começaram esta guerra.”

O ucraniano não evitou uma dura crítica à empresa Nestlé por se recusar a sair do mercado russo, numa altura em que “a Rússia ameaça outros países europeus, não apenas a Ucrânia”. Pressionada pelas críticas e após ter sido alvo de um ataque informático reivindicado pelo grupo Anonymous, a multinacional suíça anunciou a retirada das suas marcas da Rússia.

ISRAEL, 20 de março: Mediar entre ‘bem’ e ‘mal’ não é aceitável

Nos corredores diplomáticos, Israel tem sido dos poucos países com igual facilidade de diálogo em Kiev e Moscovo. Outro exemplo é a Turquia, que acolheu as últimas conversações entre russos e ucranianos.

A 5 de março, o primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett, tornou-se o primeiro líder ocidental a deslocar-se ao Kremlin, desde o início da invasão, para um encontro de três horas com Vladimir Putin.

Quando discursou para o Parlamento israelita (Knesset), Zelensky deixou uma crítica às posições políticas que não escolhem lados. “A mediação pode ser entre Estados, não entre o bem e o mal”, disse. “Pode-se continuar a perguntar por que não podemos obter armas de Israel. Ou por que Israel não impôs sanções fortes contra a Rússia.”

Zelensky reconheceu, no entanto, a grande proximidade entre judeus e ucranianos e citou Golda Meir, uma carismática primeira-ministra israelita nascida em Kiev. “Pretendemos continuar vivos. Os nossos vizinhos querem ver-nos mortos. Esta não é uma questão que deixe muito espaço para compromissos.”

ITÁLIA, 22 de março: “Não sejam um resort para assassinos”

“Falo-vos desde Kiev, a nossa capital. De uma cidade que é tão importante para a nossa região como Roma é para o mundo inteiro.” E da mesma forma que as duas cidades estão associadas a grandes guerras durante a sua história, aspiram igualmente a viver em paz, defendeu Zelensky diante da Camera dei Deputati.

Numa intervenção que foi antecedida por uma conversa telefónica com o Papa Francisco, o líder ucraniano recordou a ajuda médica ucraniana a Itália, nos primeiros tempos da pandemia de covid-19, o socorro italiano, há dois anos, quando a Ucrânia sofreu grandes inundações e exemplificou como a Itália pode ser preciosa no apertar do cerco à elite que rodeia Putin.

“Vocês conhecem aqueles que trouxeram a guerra à Ucrânia. De certeza. Aqueles que ordenam os combates e aqueles que os promovem. Quase todos eles usam a Itália como local de férias. Portanto, não sejam um resort para assassinos. Bloqueiem todos os seus imóveis, contas e iates — desde o [superiate] ‘Scheherazade’ até aos mais pequenos”, ancorados nos portos italianos.

JAPÃO, 23 de março: ONU precisa de reformas

Volodymyr Zelensky foi rigoroso na hora de medir o caminho entre Kiev e Tóquio — 8193 quilómetros, “em média, 15 horas de avião”. Diante do Parlamento japonês, o ucraniano procurou, no entanto, encurtar distâncias e valorizar o que de comum têm os dois povos. Desde logo, as memórias da mortífera exposição ao poder nuclear.

“Cada um de vocês sabe o que é Chernobyl, uma central nuclear na Ucrânia onde ocorreu uma poderosa explosão em 1986”, com consequências registadas em diferentes zonas do planeta. “Há quatro centrais nucleares operacionais no nosso território, 15 reatores nucleares. E estão todos ameaçados.”

O ucraniano criticou a inação das instituições internacionais e defendeu a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde a Rússia é membro permanente e o Japão aspira a ter um assento. “Precisa de uma injeção de honestidade, para se tornar eficaz, para realmente decidir e realmente influenciar, não apenas discutir.”

FRANÇA, 23 de março: Em constante comunicação com Macron

“Liberdade, Igualdade, Fraternidade” foi o lema da Revolução Francesa (1789) ao qual Zelensky recorreu para defender, diante da Assemblée Nationale francesa, a importância da liberdade para os ucranianos.

O Presidente ucraniano comparou a sitiada Mariupol às ruínas de Verdun, cidade-símbolo da Grande Guerra (1914-1918), palco de uma longa batalha entre franceses e alemães. E apelou à liderança francesa para que se empenhe em desbravar o caminho da paz.

“Estamos gratos em relação à ajuda da França e aos esforços do Presidente [Emmanuel] Macron, que demonstrou verdadeira liderança. Estamos em constante comunicação com ele, é verdade, e coordenamos alguns dos nossos passos”, admitiu. Nos dias que antecederam a guerra, Macron multiplicou-se em iniciativas para tentar conter a invasão, com sucessivos telefonemas e visitas a Moscovo e Kiev. Zelensky quer mais:

“As empresas francesas têm de deixar o mercado russo. Renault, Auchan, Leroy Merlin e outras devem deixar de patrocinar a máquina militar russa, patrocinar o assassínio de crianças e mulheres, de violações, roubos e pilhagens por parte do exército russo.”

SUÉCIA, 24 de março: O azul-amarelo da liberdade

Ao primeiro mês de guerra, Zelensky dirigiu-se ao Parlamento da Suécia (Riksdag), com o azul e amarelo das bandeiras dos dois países — as mesmas cores também da União Europeia — a servir de mote para um discurso direto ao coração dos suecos. “Hoje, a bandeira azul e amarela é provavelmente a mais popular do mundo. Essas cores estão associadas à liberdade.”

Após descrever a destruição provocada pela guerra, que o levou a afirmar que “a Europa nunca conheceu um mês tão sombrio desde a II Guerra Mundial”, tentou projetar um futuro risonho para o país e lançou um convite a arquitetos, empresas e ao Estado sueco para que se envolvam na reconstrução da Ucrânia.

E alertou a Suécia — que não pertence à NATO — para grandes desafios à sua segurança. “Os propagandistas russos já discutem na televisão estatal como a Rússia pode ocupar a vossa ilha de Gotland [no Mar Báltico] e como mantê-la sob controlo durante décadas”, avisou Zelensky. “Vocês podem perguntar: com que propósito? Eles dizem que será benéfico para a Rússia implantar sistemas de defesa antiaéreo e uma base militar em Gotland, para cobrir a captura dos Estados bálticos.”

“A Rússia entrou em guerra com a Ucrânia porque espera ir mais longe na Europa. Espera destruir ainda mais a liberdade na Europa. Este é um desafio fundamental para o sistema de segurança europeu.”

DINAMARCA, 29 de março: A guardiã dos Critérios de Copenhaga

À semelhança daquilo que espera da Suécia, também quando interveio no Folketing, Zelensky convidou a Dinamarca a participar ativamente na reconstrução da Ucrânia, terminada a guerra. Propôs-lhe, em concreto, a recuperação de Mykolaiv, a cidade dos construtores navais.

E se, noutros discursos, ele identificou empresas relutantes em abandonar o mercado russo, neste caso, elogiou a Lego, a Maersk e a Carlsberg por terem-no feito.

Com o sonho europeu sempre presente, Zelensky recordou que foi na Dinamarca, em 1993, que a UE acordou as regras que definem se um país é elegível para aderir à União. “São vocês, na Dinamarca, no país de onde vêm os Critérios de Copenhaga, que podem sentir, acima de tudo, como é importante que a solidariedade de toda a Europa trabalhe para pressionar a Rússia.”

NORUEGA, 30 de março: A responsabilidade do fornecimento energético à Europa

Ucrânia e Noruega não partilham fronteira, mas são vizinhos da Rússia, “que nega todos os nossos valores comuns”, disse Zelensky, falando para o Storting. “Julgo que vocês enfrentam novos riscos perto da vossa fronteira com a Rússia. Um número anormal de tropas russas já foi concentrado na região do Ártico. Para quê? Contra quem?”

O chefe de Estado ucraniano recordou que a Noruega é “o país que anualmente atribui o Prémio Nobel da Paz” e que, dado ser um grande produtor mundial de petróleo, tem uma responsabilidade acrescida, num momento em que a Europa procura alternativas para diminuir a sua dependência energética em relação à Rússia.

“São vocês quem pode dar um contributo decisivo para a segurança energética da Europa, fornecendo os recursos necessários tanto para a União Europeia como para a Ucrânia.”

AUSTRÁLIA, 31 de março: Boas recordações do gigante “Mriya”

Entre os territórios da Ucrânia e da Austrália, há quase 15 mil quilómetros de mares, países e cinco a sete fusos horários. Em maio de 2016, o “Mriya”, o maior avião do mundo, percorreu essa distância em dias transportando um gerador de 130 toneladas de que a Austrália necessitava com urgência. Por mar, teria demorado meses a chegar.

O “Mriya” (“sonho”) foi agora destruído pelos russos, no aeroporto de Hostomel. Quando discursou no Parlamento australiano, Zelensky ‘recuperou-o’ para demonstrar como os dois países se valem. E nesta hora difícil para a Ucrânia, toda a ajuda australiana é bem-vinda.

“Por exemplo, vocês têm maravilhosos veículos blindados Bushmaster que podem ajudar significativamente a Ucrânia. Assim como outros modelos de equipamentos e armas que podem fortalecer a nossa posição.”

PAÍSES BAIXOS, 31 de março: Haia, a capital da justiça internacional

Acontecimentos de há 70 anos na Europa, como o bombardeamento da cidade holandesa de Roterdão, realizado pela Luftwaffe, serviram para Zelensky acenar com os fantasmas de outras guerras no Velho Continente se não for travada a Rússia, “este país que esqueceu todas as lições da II Guerra Mundial”, disse, ao discursar no Parlamento holandês.

O Presidente da Ucrânia não esqueceu a importância que pode desempenhar outra cidade holandesa, Haia, uma espécie de capital da justiça internacional, onde está sedeado o Tribunal Penal Internacional, com jurisdição para julgar indivíduos por crimes de guerra e contra a humanidade.

“Exorto-vos a influenciar as instituições internacionais! Os crimes dos ocupantes russos têm de ser punidos. Deportações, massacres, destruição de infraestruturas civis, bombardeamentos de hospitais — tudo isso deve ser respondido diante da comunidade democrática.”

BÉLGICA, 31 de março: O embaraço dos diamantes russos em Antuérpia

A partir do coração da Europa, a Bélgica pode, nas palavras de Zelensky, “inspirar todos os outros europeus a fazerem mais”, disse no Parlamento belga. O ucraniano endereçou palavras de “muita gratidão” pelas dezenas de milhares de ucranianos que o país acolheu e por ter sido dos primeiros países a fornecer apoio militar à Ucrânia. “Nunca o esqueceremos.”

Mas ao caracterizar os dois mundos que se enfrentam nesta guerra, Zelensky não deixou a Bélgica imune a críticas. Por um lado, o mundo dos que lutam pela liberdade contra a tirania. E por outro, aquele dos que estão tão habituados a ter liberdade que nem percebem o que custa lutar por ela — como, por exemplo, “o mundo daqueles que acreditam que diamantes russos em Antuérpia são mais importantes do que a guerra no leste da Europa.” A cidade belga de Antuérpia é conhecida como a capital mundial dos diamantes.

ROMÉNIA, 4 de abril: A loucura dos russos

Numa intervenção marcada pelo massacre de civis em Bucha, nos arredores de Kiev, conhecido horas antes, Zelensky dirigiu-se aos deputados romenos com imagens duras captadas durante a sua deslocação ao terreno. “Quero que vejam o que os ocupantes deixaram para trás. Peço desculpa, o vídeo é brutal, mas é a realidade…”

Apelando a recordações igualmente gráficas da história da Roménia, como a execução do ditador Nicolae Ceaușescu, em 1989, em contexto de sublevação popular motivada pela queda do Muro de Berlim, Zelensky recordou o regime de “intimidação, repressão, brutalidade e engano”, impossível de convencer.

“Também é impossível convencer aqueles que promovem a guerra na Rússia agora. Quem dá ordens criminosas. Quem desenvolve planos para o genocídio do povo ucraniano e a destruição do Estado ucraniano. Essas pessoas são inadequadas, perderam toda a ligação com a realidade e estão dispostas a sacrificar milhões de vidas para concretizar as suas ideias loucas.”

ESPANHA, 5 de abril: Ucrânia como Guernica

Ainda que tal não fosse necessário para facilitar o relato dos horrores da guerra na Ucrânia, Zelensky não resistiu a ir à história espanhola buscar um termo de comparação, quando discursou para deputados e senadores do país vizinho.

“Imaginem as pessoas agora, na Europa, a viver durante semanas em caves para salvar as suas vidas, de disparos, de bombardeamentos. Diariamente! Em abril de 2022, a realidade na Ucrânia é como se fosse a de abril de 1937, quando todo o mundo aprendeu o nome de uma das vossas cidades — Guernica.”

Zelensky agradeceu o apoio espanhol e pediu “sanções mais poderosas”. Apelou a empresas, como a Porcelanosa, que deixem o mercado russo. “Como podemos permitir que os bancos russos gerem lucros enquanto os militares russos torturam civis até à morte em cidades ucranianas? Como podem empresas europeias fazer negócios num Estado que deliberadamente está a destruir o nosso povo?”

“Todos na Europa têm simplesmente de deixar de ter medo, de deixar de serem fracos. Têm de se tornar fortes. Pôr os valores e a democracia acima das ameaças que a Rússia espalha.”

IRLANDA, 6 de abril: Aliados na reconstrução do país

Naquele que foi provavelmente o discurso mais longo diante de um Parlamento nacional até então, Volodymyr Zelensky foi generoso no agradecimento à República da Irlanda o apoio desde o primeiro dia.

“Apesar de serem um país neutro, não permaneceram neutros diante da dor e do sofrimento que a Rússia trouxe aos ucranianos. Estou grato a todos vós por isso.”

À semelhança do que fez em discursos anteriores, propôs aos irlandeses que se envolvam na tarefa da reconstrução da Ucrânia. “Por exemplo, na região de Kherson”, a norte da Crimeia. “A vossa capacidade para valorizar a vida e as pessoas, a vossa capacidade de viver em comunidade, o vosso potencial económico são bem conhecidos. Então vamos unir forças e mostrar que a Ucrânia e a Irlanda juntas podem fazer muito mais do que aquilo que o maior país do mundo planeou destruir.”

GRÉCIA, 7 de abril: Um incómodo chamado batalhão Azov

“Há mais de um mês que as minhas manhãs começam com [a situação em] Mariupol”, assim iniciou Zelensky a sua intervenção no Parlamento helénico. A referência àquela cidade ucraniana não foi de todo inocente. “Esta cidade sempre foi a casa de uma grande comunidade grega. A comunidade grega ucraniana é uma das maiores do mundo. Durante séculos, os nossos povos viveram lado a lado, educaram crianças e construíram o futuro.”

Mas se Mariupol foi um pretexto, na narrativa de Zelensky, para evocar a proximidade entre os dois países, tornou-se num pomo de polémica, no Parlamento. A dado momento da sua videoconferência, Zelensky cedeu a palavra a um soldado greco-ucraniano que combatia em Mariupol e cujo avô tinha lutado contra os nazis na II Guerra Mundial.

O homem identificou-se como membro do batalhão Azov (neonazi), fundado como um grupo paramilitar nacionalista, na região do Donbas. Alguns deputados expressaram a sua revolta, entre os quais os do Syriza (esquerda).

CHIPRE, 7 de abril: ‘Vistos gold’ para russos têm de acabar

Situado na ponta leste do Mediterrâneo, a menos de 500 quilómetros da Síria e, por essa razão, habituado a situações de tensão, o Chipre tem condições únicas para condicionar a Rússia, defendeu o Presidente da Ucrânia, no seu discurso no Parlamento de Nicósia.

“A República de Chipre tem ferramentas extremamente poderosas para influenciar a sociedade russa. Uma força única que pode ser colocada ao serviço da paz. Todos os portos do mundo democrático devem ser completamente fechados aos navios russos. Esta deve ser uma decisão conjunta, ao nível da União Europeia.”

Num apelo semelhante ao que fizera em Roma, Zelensky defendeu também ser possível “pelo menos congelar o uso pelos russos de todos os seus iates e outras embarcações nas águas cipriotas. Vocês podem suspender os atuais privilégios para cidadãos russos, começando pelos chamados ‘vistos gold’ para todos os russos sem exceção e terminando com a dupla cidadania”.

“Eles [os russos] simplesmente não levam a maioria dos países a sério. Não respeitam a maioria das nações. Consideram todos no mundo como alguém que querem usar, ou conquistar, ou intimidar.”

FINLÂNDIA, 8 de abril: Memórias da ocupação russa

Como aconteceu em discursos anteriores, Zelensky dirigiu-se ao Eduskunta (Parlamento da Finlândia) na senda de uma nova tragédia acabada de acontecer no seu país — um ataque com míssil a uma estação ferroviária de Kramatorsk, no leste da Ucrânia. Incentivados pelas autoridades locais, milhares de civis tentavam apanhar um comboio que os levasse para sítios mais seguros.

Perante a barbárie em que se transformou a ocupação russa, Zelensky fez um alerta especial ao povo finlandês, que já viveu sob domínio russo: “Vocês já viram na vossa história a crueldade e o absurdo da invasão da Rússia. Sejamos honestos: a ameaça mantém-se. Tudo deve ser feito para impedir que isto aconteça outra vez”.

“E tenho certeza que vocês percebem que se o exército russo receber ordens para invadir a vossa terra, eles farão o mesmo no vosso país. Eu não vos desejo isso. Eles farão às vossas cidades o que aconteceu em Bucha. Fa-lo-ão às cidades de qualquer país que a liderança da Federação Russa decida que é, alegadamente, parte do seu império, e não terra de outra nação.”

COREIA DO SUL, 11 de abril: Recuo aos tempos da guerra na península

O balanço da guerra que Zelensky tenta fazer a cada nova mensagem para o estrangeiro é sempre a possível. “Ainda não conseguimos determinar o número de mortos. De norte a sul do país — em todas as áreas atingidas por disparos e bombas russos —, o desmantelamento de destroços ainda decorre”, disse diante do Parlamento da Coreia do Sul.

O chefe de Estado ucraniano enumerou cerca de 2000 mísseis já disparados contra cidades ucranianas e 938 escolas e quase 300 hospitais destruídos.

“Vocês lembram-se, sabem como é defender a vossa terra. Lembram-se quando, nos anos 1950, foram atacados por quem queria destruir a vossa liberdade”, disse, aludindo à guerra entre as duas Coreias (1950-53), e que ainda aguarda por um tratado de paz formal.

Mas por muito que anseie pela paz, para já, a prioridade de Zelensky é a guerra. “Nós precisamos de sistemas de defesa antiaérea, aeronaves, tanques e outros veículos blindados, sistemas de artilharia e munições. E vocês têm algo que nos pode ser indispensável. Veículos blindados, armas antiaéreas, antitanque e antinavio.”

LITUÂNIA, 12 de abril: Fechar a torneira do petróleo

Um dia após a primeira-ministra lituana, Ingrida Simonyte, ir à Ucrânia e ter testemunhado, entre outras coisas, o resultado da passagem das forças por Borodyanka, nos arredores de Kiev — que o Presidente da Ucrânia disse ser “mais horrível” do que Bucha —, Zelensky dirigiu-se ao Parlamento da Lituânia (Seimas) com palavras de grande apreço.

A 1 de abril, a Lituânia tornou-se o primeiro Estado membro da União Europeia a acabar com as importações de gás russo, considerada a medida que verdadeiramente pode punir a Rússia pela invasão da Ucrânia. “Foi uma histórica manifestação de liderança. Afinal, o povo lituano, como nenhum outro, compreende como os ocupantes podem destruir a liberdade e a que custo a independência é depois reconstruída”, disse Zelensky, aludindo aos anos em que a Lituânia integrava a União Soviética.

O ucraniano criticou a estratégia da UE de aplicação de sucessivos pacotes de sanções para responder à pior guerra na europa desde a II Guerra Mundial. “E ainda não se sabe se o petróleo estará sujeito a sanções”, disse. “Não podemos esperar pelo sétimo, oitavo, nono, décimo, vigésimo pacote de sanções contra a Rússia para tomarmos decisões realmente poderosas.”

“Quando o continente pensou principalmente em interesses egoístas, e não no que deveria unir a todos, isso sempre levou a tempos terríveis para a Europa como um todo. Discórdia, surtos de revanchismo, guerras — não é disso que os europeus precisam no século XXI. Mas é isso que a Rússia está a tentar trazer de volta.”

ESTÓNIA, 13 de abril: O passado (e o presente) negro das deportações

No mesmo dia em que recebeu, em Kiev, os Presidentes da Polónia e dos três países bálticos — Estónia, Letónia e Lituânia —, Volodymyr Zelensky dirigiu-se ao Parlamento estónio (Riigikogu). O ucraniano recordou uma manifestação solidária para com a Ucrânia, realizada por dezenas de milhar de pessoas, na Praça Vabaduse (Liberdade), em Talin, a 26 de fevereiro, escassos dois dias após a invasão russa da Ucrânia. “Já se tornou uma página gloriosa da nossa história comum.”

Zelensky defendeu que os oito anos de guerra na região de Donbas trouxe de volta ao quotidiano europeu o sofrimento por que passou o povo estónio no passado às mãos dos russos. “Deportações em massa, campos de triagem, uma tentativa consistente de destruição de todos aqueles que apoiam a ideia de nacionalidade. Hoje, mais de 500 mil ucranianos foram deslocados à força” — toda a população de Talin, um terço dos cidadãos estónios.

“As páginas negras da história não devem repetir-se quando ucranianos e estónios deportados permaneceram por muitos anos na Sibéria ou no Extremo Oriente russo. Já existem sepulturas ucranianas e estónias mais do que suficientes, campas daqueles que morreram nas deportações comunistas.”

(FOTO Volodymyr Zelensky durante a sessão da Assembleia da República em que que discursou a partir de Kiev PRESIDÊNCIA DA UCRÂNIA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de abril de 2022. Pode ser consultado aqui

Descodificador. Que pode fazer a justiça na ‘guerra de Putin’?

Imagens de cadáveres de civis espalhados nas ruas de Bucha e de edifícios completamente destruídos e sem vida na cidade sitiada de Mariupol levantaram um coro de denúncias sobre crimes de guerra na Ucrânia. Como pode intervir o direito internacional?

Morte e destruição sem fim, em Bucha, nos arredores de Kiev CHRIS MCGRATH / GETTY IMAGES

1. A guerra desencadeada pela Rússia é legal?

Não, desde o seu primeiro minuto. A Carta das Nações Unidas — uma das pedras angulares do direito internacional, assinada a 26 de junho de 1945, no término da II Guerra Mundial — proíbe expressamente, no seu artigo 2º, “o recurso à ameaça ou ao uso da força [o chamado jus ad bellum], quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado”. A única exceção em que um país pode, por sua iniciativa, recorrer à força é em situações de legítima defesa (artigo 51º). Ora, no caso da invasão russa da Ucrânia, nem a Rússia foi atacada nem havia uma iminência de ataque armado contra o país liderado por Vladimir Putin.

2. Que legislação é importante?

Além da Carta da ONU, a regulação do uso da força faz-se também através do direito internacional humanitário, que procura limitar o sofrimento provocado pela guerra. Surgiu no século XIX, com o intuito de humanizar a guerra, e assenta em quatro Convenções de Genebra. A primeira (1864) confere proteção aos soldados feridos e enfermos durante uma guerra terrestre. A segunda (1906) estende as obrigações do primeiro tratado às forças navais. A terceira (1929) define o tratamento dos prisioneiros de guerra. E a quarta (1949) outorga proteção aos civis, inclusive em território ocupado. A Rússia ratificou os quatro tratados.

3. Que tribunais são competentes?

Qualquer violação por Estados que tenham ratificado as Convenções de Genebra pode conduzir a um processo diante do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) ou do Tribunal Penal Internacional (TPI). O TIJ aprecia litígios entre Estados e é o órgão jurisdicional das Nações Unidas, composto por 15 juízes independentes eleitos pelo Conselho de Segurança, por recomendação da Assembleia-Geral. Quanto ao TPI, que tem sede em Haia, só julga indivíduos.

4. Vladimir Putin pode ser julgado?

Teoricamente, sim, no TPI. Mas, na prática, há uma infinidade de obstáculos até que isso se torne possível. Desde logo, há que recolher, no terreno, indícios e provas das atrocidades imputadas às forças russas, suscetíveis de implicar toda a cadeia de comando até chegar ao Presidente da Rússia. Esta fase pode demorar anos. Se a investigação do TPI resultar na formulação de uma acusação, é então emitido um mandado de captura internacional, dado que o tribunal apenas julga na presença do arguido, e não à revelia. Além disso, o TPI não dispõe de uma força policial que possa atravessar fronteiras nacionais para executar o mandado de detenção. A questão coloca-se: quem apanha Putin?

5. Há algum processo a decorrer no TPI?

Sim. A 28 de fevereiro passado, o procurador do TPI, o britânico Karim A. A. Khan, anunciou a abertura de uma investigação aos alegados crimes de guerra russos, com base em denúncias de atrocidades apresentadas por cerca de 40 países. Atualmente, no terreno, instituições como o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, ONG como Amnistia Internacional e Human Rights Watch e ainda jornalistas, ativistas e cidadãos estão numa corrida contra o tempo na procura de registar e documentar o maior número de indícios de crimes de guerra possível. Nem a Rússia nem a Ucrânia assinaram o Estatuto de Roma (que instituiu o TPI), mas tal não constitui entrave a uma ação nesse tribunal.

6. A Ucrânia já acorreu à justiça?

Sim, de forma bastante inteligente. Dois dias após a Rússia ter iniciado a invasão da Ucrânia, argumentando com a urgência em proteger as populações ucranianas russófilas do leste do crime de genocídio, a Ucrânia instaurou um processo no TIJ, acusando a Rússia de manipular o conceito de genocídio para justificar a sua invasão ilegal. A Rússia tentou boicotar o caso faltando a algumas sessões. A 16 de março, ouviu o TIJ dar razão a Kiev e a instar Moscovo a parar imediatamente com as operações militares. A favor votaram 13 juízes e contra apenas dois: o magistrado chinês e o russo. Os veredictos do TIJ são vinculativos, mas o tribunal não tem forma de obrigar ao seu cumprimento.

7. O massacre de Bucha é genocídio?

A violência das imagens captadas naquela cidade dos arredores de Kiev ergueu muitas vozes, incluindo a do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, num coro de denúncias de uma situação de genocídio, o mais grave dos crimes contra a Humanidade. Mas, à luz do direito internacional, a tragédia de Bucha dificilmente configura um crime desse tipo. Segundo a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (1948), genocídio consubstancia um conjunto de atos “cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. Esta especificidade, aparentemente, não é o caso de Bucha.

Artigo publicado no “Expresso”, a 8 de abril de 2022. Pode ser consultado aqui ou aqui

Ataque à estação de Kramatorsk. Onde fica? Quem fez? E porquê?

O filme de terror em que se tornou a guerra na Ucrânia teve, esta sexta-feira, mais um capítulo, com um ataque com míssil a uma estação ferroviária, na cidade de Kramatorsk, no leste do país. Ali concentravam-se milhares de pessoas que corresponderam ao apelo das autoridades locais para deixarem a região e irem para locais mais seguros

A chegada a Kiev de dois dos principais responsáveis da União Europeia, Ursula von der Leyen e Josep Borrell, presidente da Comissão Europeia e Alto Representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, respetivamente, ficou, esta sexta-feira, ensombrada por um ataque contra civis, no leste da Ucrânia. Incentivados pelas autoridades regionais a deixarem a região, centenas de pessoas foram alvejadas por um míssil, enquanto esperavam para subir a um comboio que os levasse para lugar seguro.

O QUE ACONTECEU?

Um ataque com um míssil atingiu uma estação ferroviária da cidade de Kramatorsk, no leste da Ucrânia, onde milhares de ucranianos aguardavam para serem transportadas para zonas mais seguras.

O último balanço dá conta de pelo menos 50 mortos e 98 feridos. Os civis tinham sido incentivados pelas autoridades regionais a abandonarem a cidade, na mira das forças russas, para escaparem ilesos aos combates.

Imagens captadas no local pouco após o ataque mostram cadáveres espalhados na plataforma, entre malas de viagem e também alguns peluches. Entre as vítimas mortais, há pelo menos cinco crianças.

Destroços de um grande míssil, encontrado perto da estação, tinha inscrito em russo a frase “pelos nossos filhos”. O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, afirmou que este ataque revelou “um mal sem limites”.

QUEM REALIZOU O ATAQUE?

Pavlo Kyrylenko, governador da região de Donets, onde fica Kramatorsk, disse tratar-se de um ataque deliberado das forças russas. “Eles quiseram semear pânico e medo”, afirmou. “Quiseram atingir o maior número possível de civis.”

A Rússia reagiu através do seu Ministério da Defesa que, num comunicado, referiu-se às acusações feitas por “representantes do regime nacionalista de Kiev” como “uma provocação”, que não corresponde à verdade.

Moscovo contra-ataca a narrativa ucraniana com dois argumentos. Por um lado, “as forças armadas russas não tinham qualquer missão de ataque planeada para 8 de abril, na cidade de Kramatorsk”, acrescentou o ministério.

Por outro, “sublinhamos que os mísseis táticos Tochka-U, cujos restos foram encontrados nas proximidades da estação de Kramatorsk e [cujas imagens] foram divulgadas como testemunhas, são usados apenas pelas forças armadas ucranianas”.

QUE TIPO DE ARMAMENTO FOI USADO?

Um projétil identificado nas imediações da estação ferroviária alvejada aponta para um míssil Tochka-U, que os russos dizem já não usar. Segundo o governador de Donets, o foguete transportava munições de fragmentação, que, quando acionadas, pulverizam bombas mais pequenas sobre uma área mais ampla.

“Se, no início, eles visavam exclusivamente trilhos ferroviários, agora não foram apenas trilhos, também dispararam um míssil com munições de fragmentação destinadas a pessoas. Isso é uma confirmação absoluta de que [este ataque] foi planejado contra civis”, disse Pavlo Kyrylenko.

Este tipo de armamento visa provocar um grande número de vítimas na zona onde rebenta. O seu uso está proibido pela Convenção sobre Munições de Dispersão (2008) — que a Federação Russa não assinou — e pode equivaler a crimes de guerra.

A 11 de março, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos disse ter recebido “relatos credíveis” relativos ao uso deste tipo de armas em zonas ucranianas habitadas, por parte das forças russas.

QUE IMPORTÂNCIA TEM KRAMATORSK?

Esta cidade fica na região de Donets que, juntamente com a de Luhansk, compõem o território de Donbas (fronteiro à Rússia), que acolhe populações ucranianas de língua russa e grupos separatistas armados que se têm batido pela secessão.

A 21 de fevereiro, três dias antes da Rússia invadir a Ucrânia, Moscovo reconheceu a independência das repúblicas separatistas de Donets e Luhansk, naquilo que, hoje, pode ser interpretado como o tipo de partida para a invasão russa do país vizinho.

Mais de um mês após o início dessa “operação militar especial”, na terminologia de Moscovo, e após enfrentar uma grande resistência em torno de Kiev, a capital (norte), a Rússia mudou o foco das suas ações militares para o leste e o sul da Ucrânia.

“Bombardeamentos pesados já começaram a devastar cidades da região e as autoridades imploraram aos civis que fugissem. Mas a intensidade dos combates impede as transferências [de populações]”, escreve esta sexta-feira, o jornal “The Moscow Times”, uma publicação independente em língua inglesa que este ano foi obrigada a mudar-se de Moscovo para Amesterdão, nos Países Baixos.

“Não é segredo. A batalha por Donbas será decisiva. Aquilo que já estamos a viver, todo este horror, pode multiplicar-se”, alertou o governador da região de Luhansk, Sergiy Gaiday, não perdendo a ocasião para se dirigir às populações locais. “Vão-se embora! Os próximos dias são as últimas oportunidades.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de abril de 2022. Pode ser consultado aqui

Como a Rússia pretende transformar e subjugar a Ucrânia, segundo a agência oficial do Kremlin: “Um país desnazificado não pode ser soberano”

Considerada uma caixa de ressonância do Kremlin, a agência noticiosa russa RIA Novosti publicou um artigo de opinião em que detalha a forma como se pretende concretizar a “desnazificação” da Ucrânia. “Este é um processo duradouro que não deve ser inferior a uma geração”, defende o autor

A guerra na Ucrânia é também um conflito de narrativas e a sua intensificação no terreno tem reflexo ao nível das tomadas de posição dos círculos próximos aos poderes em causa.

É o caso da agência estatal russa RIA Novosti, considerada uma câmara de ressonância do Kremlin, que, este domingo, publicou um artigo intitulado “O que a Rússia deve fazer com a Ucrânia” (uma tradução para língua inglesa pode ser lida aqui).

Nele, Timofey Sergeytsev, o autor, descreve como deve ser concretizado o “inevitável processo de desnazificação da Ucrânia”, que se tornou necessário “quando uma parte significativa do povo — provavelmente a maioria — foi dominada e arrastada para um regime nazi a nível político”.

Punições exemplares

Começando pelo campo de batalha, “os nazis que pegaram em armas devem ser destruídos ao máximo”, sem distinção entre membros das Forças Armadas da Ucrânia, dos chamados batalhões nacionais, bem como das unidades de defesa territorial.

“Todos eles estão igualmente envolvidos em atos de extrema crueldade contra a população civil, são igualmente culpados do genocídio do povo russo, não cumprem as leis e costumes da guerra. Criminosos de guerra e nazis no ativo devem ser punidos de forma exemplar e exponencial. Deve haver uma lustração total.”

Outras medidas passam por:

  • formação de órgãos públicos de autogoverno e milícias para defesa e aplicação da lei nos territórios libertados, “protegendo a população do terror dos grupos nazis clandestinos”;
  • retirada de materiais educativos e proibição de programas educacionais em todos os níveis “contendo diretrizes ideológicas nazis”;
  • investigações em massa para identificar responsabilidades pessoais por crimes de guerra, crimes contra a humanidade, disseminação da ideologia nazi e apoio ao regime nazi;
  • publicação dos nomes dos cúmplices do regime nazi, envolvendo-os em trabalhos forçados para recuperar as infraestruturas destruídas, como punição para “aqueles que não estarão sujeitos à pena de morte ou prisão”;
  • criação de memoriais, placas comemorativas, monumentos às vítimas do nazismo ucraniano, “perpetuando a memória dos heróis” nessa luta.

A “desnazificação” deve chegar, inclusive, ao nome do país. “O nome ‘Ucrânia’ aparentemente não pode ser mantido como o título de qualquer entidade estatal totalmente desnazificada num território libertado do regime nazi”, defende Sergeytsev.

Desnazificar é desucranizar

A desnazificação será também inevitavelmente uma desucranização, uma rejeição da inflação artificial em grande escala da componente étnica de auto-identificação da população dos territórios históricos da Pequena Rússia e da Nova Rússia, iniciada pelas autoridades soviéticas. Deve ser devolvida aos seus limites naturais e privada de funcionalidade política”, pode ler-se.

O autor defende que desnazificar a população “consiste na reeducação, que é alcançada pela repressão ideológica (supressão) das atitudes nazis e censura estrita: não apenas na esfera política, mas também necessariamente na esfera da cultura e da educação.”

Este é um processo duradouro que não deve ser inferior a uma geração, “que deve nascer, crescer e atingir a maturidade em condições da desnazificação”. Para tal, prevê-se a criação de órgãos permanentes para a desnazificação por um período de 25 anos.

Construção artificial anti-russa

“Ao contrário da Geórgia e dos países bálticos, a Ucrânia, como a história mostrou, é impossível enquanto Estado-nação, e as tentativas de ‘construção’ levam naturalmente ao nazismo. O ucrainismo é uma construção artificial anti-russa que não tem o seu próprio conteúdo civilizacional”, defende.

Para a concretização do objetivo final, não basta eliminar as atuais autoridades em Kiev. “A debanderização [termo que decorre de Stepan Bandera (1909-1959), um político ultranacionalista ucraniano, e que se refere ao fim do atual governo ucraniano] por si só não será suficiente para a desnazificação. O elemento Bandera é apenas um ator e um cenário, um disfarce para o projeto europeu da Ucrânia nazi. Portanto a desnazificação da Ucrânia é também a sua inevitável de-europeização.”

Para esclarecer dúvidas, o artigo da RIA Novosti enfatiza que um processo de desnazificação só pode ser realizado pelo vencedor, pelo que “um país desnazificado não pode ser soberano”.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 6 de abril de 2022. Pode ser consultado aqui. Este artigo está traduzido para língua russa, aqui