Castigados por sanções, Irão e Venezuela desesperam por aumentar as suas exportações de petróleo. O boicote à Rússia pode abrir portas, mas há obstáculos no caminho

A invasão da Ucrânia expôs a dependência energética da Europa em relação à Rússia. Inversamente, identificou o boicote ao petróleo e gás russos como a arma mais eficaz para ferir o regime de Vladimir Putin. Para os países que querem pressionar Moscovo deixando de lhe comprar energia, Irão e Venezuela poderiam ser fornecedores alternativos. Ambos são grandes produtores de petróleo — o Irão controla também as segundas maiores reservas mundiais de gás natural — e vivem asfixiados por sanções. Um aumento das exportações traria grande alívio às finanças nacionais. Mas subsistem barreiras políticas que o inviabilizam.
IRÃO
Economia é importante, segurança é fundamental
Nas semanas que antecederam a invasão da Ucrânia, houve notícias de iminente novo acordo internacional sobre o programa nuclear do Irão. Sete países (incluindo a Rússia) dialogam, desde abril de 2021, em quatro hotéis de Viena, com vista a reativar o acordo de 2015 (JCPOA, na sigla inglesa), fragilizado pela saída dos Estados Unidos nos anos de Donald Trump. A atual condição de pária levou Moscovo a mostrar as garras e a complicar a obtenção de um acordo final.
“A Rússia prefere manter a energia cara, para poder usá-la como alavanca contra o Ocidente”, diz ao Expresso Javad Heiran-Nia, do Centro de Investigação Científica e Estudos Estratégicos do Médio Oriente, em Teerão. “Por essa razão, adiou as negociações com o Irão, solicitando garantia por escrito dos EUA de que as suas relações comerciais com o Irão não seriam prejudicadas” num novo acordo.
Os russos não parecem dispostos a facilitar o que é urgente para os iranianos: o aumento das exportações de recursos energéticos para afastarem o espectro da bancarrota. “A Rússia procura usar o Irão como instrumento para contornar as sanções de que é alvo”, acrescenta o analista. “Isto não é interessante para o Irão após o ressurgimento do acordo nuclear e porá em risco os seus interesses.”
A boa relação entre Irão e Rússia é tão antiga quanto a própria República Islâmica: a União Soviética foi o primeiro país a reconhecê-la, em 1979. Acentuou-se em agosto passado, com a posse de um novo Presidente em Teerão.
“A estratégia do Irão na era Ebrahim Raisi passa por virar a oriente e expandir a relação com China e Rússia em vez de EUA e União Europeia. Por essa razão, nunca condenou o ataque à Ucrânia”, diz ao Expresso o politólogo iraniano Mohammad Eslami, da Universidade do Minho. O Irão absteve-se em duas das três resoluções condenatórias da Assembleia-Geral da ONU e votou derrotado contra a suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos.
“O que a política externa iraniana nos últimos dois meses sugere é que o Irão vê no isolamento da Rússia a ocasião para ampliar o seu relacionamento com esse país, visado por sanções”, diz Eslami. “Como não há espaço para novas sanções do Ocidente ao Irão, este não tem limitações para trabalhar com a Rússia.”
Além da influência russa, outras razões condicionam a capacidade exportadora iraniana. Por um lado, o alto consumo interno de energia. Por outro, problemas que subsistem entre Irão e Europa. “Iniciaram ‘negociações críticas’ durante a presidência de Hashemi Rafsanjani [1989-1997]. Nos mandatos de Mohammad Khatami [1997-2005], esse diálogo deu lugar a negociações construtivas. Mas a questão nuclear e as sanções não melhoraram a relação”, diz Heiran-Nia. “Com Hassan Rohani [2013-2021], a relação melhorou um pouco após o acordo nuclear. Mas esta questão, como os direitos humanos, a política regional, os mísseis do Irão e o problema dos prisioneiros são temas conflituantes.”
A 16 de março passado, foram libertados dois iraniano-britânicos presos em Teerão, acusados de espionagem e conspiração para derrubar o Governo. Não são caso único na República Islâmica, que não reconhece a dupla cidadania e usa este tipo de casos como moeda de troca para outros fins. Segundo a imprensa iraniana, a libertação de Nazanin Zaghari-Ratcliffe e Anoosheh Ashoori teve como contrapartida o pagamento de uma dívida do Reino Unido ao Irão equivalente a €463 milhões.
“Pode haver discussões sobre as exportações de gás iraniano durante a guerra, mas os europeus não vão querer tornar-se dependentes de um país com o qual têm muitos problemas”, conclui Heiran-Nia. “Claro que o Irão quer melhorar a sua situação económica, mas no discurso dos responsáveis iranianos a segurança tem sido sempre mais importante”, acrescenta Eslami. “O Irão prefere confiar na Rússia como aliado fidedigno.”
VENEZUELA
Em contacto com os Estados Unidos
As reações internacionais à guerra na Ucrânia tornaram a Rússia o país mais sancionado do mundo — ultrapassou o Irão. Do grupo faz parte também a Venezuela, que poderia ganhar com a atual conjuntura, não fosse o forte alinhamento com Moscovo, em especial desde a era de Hugo Chávez (1999-2013), que aproveitou o boom do petróleo para comprar aos russos centenas de milhões de dólares em armamento e equipamentos militares.
“A Venezuela e a Rússia são parceiros estratégicos. Nicolás Maduro está do lado de Putin e contam com o apoio do gigante chinês”, diz ao Expresso Nancy Gomes, professora na Universidade Autónoma de Lisboa, nascida na Venezuela, referindo o Presidente do país. Com a Europa à procura de fontes energéticas alternativas à Rússia, “a Venezuela poderia beneficiar se tivesse capacidade operacional para pôr a funcionar a infraestrutura que a produção e exportação de petróleo requerem”. A académica crê que “isto pode demorar e exige alterações políticas que não parecem estar a ocorrer”.
O politólogo argentino Ignacio Labaqui corrobora ao Expresso que “o balanço de mais de 20 anos de governos chavistas tem sido negativo para a produção de petróleo na Venezuela”. A seu ver, “a deterioração das infraestruturas e a falta de investimento resultaram numa queda drástica da produção, ao ponto de, em abril de 2020, o país produzir menos de 350 mil barris de petróleo por dia.” Em abril de 2002, a Venezuela produzia diariamente quase 3 milhões de barris. Este ano, a cifra situa-se acima dos 600 mil. Se as sanções fossem levantadas, poderia injetar no mercado mais 400 mil barris diários.
A relação com a Rússia tem permitido à Venezuela minimizar o impacto das sanções. A aliança fez-se sentir em crises passadas. Em 2008, Caracas foi das poucas capitais a seguirem Moscovo e a reconhecerem a independência da Abecásia e da Ossétia do Sul, territórios da Geórgia.
Mas a Venezuela não parece disposta a deixar-se arrastar para as dificuldades que se projetam para a Rússia. Não participou nas recentes votações contra Moscovo na Assembleia-Geral da ONU. E no início de março, com a guerra em curso, Maduro recebeu uma delegação política dos EUA para uma reunião que incluiu a “segurança energética”. “Posso descrevê-la como respeitosa, cordial, muito diplomática”, disse o chefe de Estado venezuelano.
“As sanções que afetam a comercialização do petróleo não foram levantadas. É provável que Maduro peça aos EUA e aos europeus que reconhecem Juan Guaidó como presidente [interino] da Venezuela que deixem de o fazer, antes de começar a abandonar a relação com a Rússia”, conclui Labaqui. O analista prevê que “o Governo dos EUA peça progressos no respeito dos direitos humanos como condição para suspender as sanções.”
OS CINCO PAÍSES MAIS SANCIONADOS DO MUNDO
RÚSSIA — Reconhecer a independência de Donetsk e Luhansk, a 21 de fevereiro, e invadir a Ucrânia, três dias depois, originou um tsunami de sanções que tornou a Rússia o país mais boicotado do mundo. Pelo menos 6379 indivíduos, 979 entidades, 13 barcos e três aviões estão sancionados (7374, no total).
IRÃO — As primeiras sanções à República Islâmica foram decretadas pelos EUA após o assalto à sua embaixada em Teerão (1979). Hoje, o programa nuclear e a hostilidade com Israel justificam o grosso das 3616 sanções impostas ao Irão.
SÍRIA — A guerra civil iniciada em 2011 é a fonte da esmagadora maioria das 2608 sanções em vigor. O regime de Bashar al-Assad, que tem na Rússia um aliado, é penalizado pela repressão de populações civis.
COREIA DO NORTE — Muitas das 2077 sanções foram adotadas após o primeiro teste com armas nucleares (2006). O programa nuclear de Pyongyang é a grande preocupação.
VENEZUELA — As sanções têm como principal motor a relação tensa com os EUA, acentuada pela revolução bolivariana de Hugo Chávez (1999). Hoje, o país enfrenta 651 sanções.
Artigo publicado no “Expresso”, a 6 de maio de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui
