Estados independentes que ninguém ou poucos reconhecem

A criação de novos Estados e o seu subsequente reconhecimento é um dos aspetos mais problemáticos da política internacional. O recente reconhecimento russo das independências das regiões separatistas ucranianas de Donetsk e Luhansk é revelador dessa complexidade.

“Esse reconhecimento permitiu à Rússia criar um pretexto ou justificação para a invasão: proteger as comunidades russófonas na Ucrânia que dizia estarem a ser perseguidas há anos pelo Governo de Kiev”, explica ao Expresso Edward Newman, professor na Universidade de Leeds. “O reconhecimento visou também consolidar o controlo russo sobre a região ucraniana do Donbas”, diz. E pode ser um trunfo “para a Rússia integrar essas regiões com base no consentimento fabricado das populações locais através de algum tipo de referendo”.

Para a Rússia, pouco importa que nenhum outro Estado soberano reconheça Donetsk e Luhansk. A estratégia mostrou-se eficaz e com potencial para ser replicada. “O reconhecimento russo dessas regiões é um desenvolvimento alarmante”, alerta Newman, “em especial se a mesma abordagem for aplicada a outras regiões separatistas com populações de língua russa, como a Transnístria”.

SEIS ‘PAÍSES INVISÍVEIS’ NA VIZINHANÇA DA RÚSSIA

DONETSK — A 7 de abril de 2014, separatistas pró-Rússia autoproclamaram a República Popular de Donetsk, no Leste da Ucrânia. A 11 de maio seguinte, num referendo não reconhecido por nenhum país, 89% dos votantes disseram “sim” à
independência. Este país é reconhecido por um único Estado-membro da ONU (Rússia) e três não-membros (Luhansk, Abecásia e Ossétia
do Sul).

LUHANSK — À semelhança de Donetsk, situa-se na região ucraniana do Donbas, onde a maioria da população é russófona. A República Popular de Luhansk declarou a independência a 27 de abril de 2014 e viu essa opção ser confirmada em referendo, a 11 de maio seguinte, por 96,2% dos votantes. Esta república é reconhecida pela Rússia e pelas “independentes” Donetsk, Abecásia e Ossétia do Sul.

OSSÉTIA DO SUL — Após o fim da URSS e a independência da Geórgia, esta sua região escolheu a secessão em referendo (1992). No dia 26 de agosto de 2008, após 12 dias de guerra entre a Geórgia e a Rússia, Moscovo reconheceu a Ossétia do Sul (a Ossétia do Norte fica na Rússia). Fizeram-no também Venezuela, Nicarágua, Síria e Nauru e os não-reconhecidos Abecásia, Transnístria, Artsaque e Sara Ocidental.

ABECÁSIA — É reconhecida pela comunidade internacional como território da Geórgia, mas partilha o sonho de secessão da Ossétia do Sul. Costeira ao mar Negro, faz fronteira com a Rússia, que ratificou a independência deste território no mesmo dia em que o fez em relação à Ossétia do Sul. Beneficia do mesmo reconhecimento internacional da Ossétia do Sul, excetuando do Sara Ocidental.

TRANSNÍSTRIA — É um enclave separatista na Moldávia, faixa longa e estreita que acompanha o rio Dniestre, paralelo à fronteira moldavo-ucraniana. Tem Constituição, Governo, moeda e passaporte próprios. Oficialmente designada de República Moldávia Peridniestriana, é reconhecida apenas pela Abecásia, Ossétia do Sul e Artsaque. A Rússia apoia-a, mas não a reconhece formalmente.

ARTSAQUE — É a designação arménia de Nagorno-Karabakh, o disputado território do Cáucaso que a ONU diz ser de soberania azeri. A Arménia afirma que o conflito é um problema interno de secessão do Azerbaijão e não reconhece a independência da República de Artsaque, declarada em 1992. Esta só é reconhecida pelas duas repúblicas separatistas georgianas e pela Transnístria.

QUATRO POVOS SEM ESTADO

CURDOS
O maior povo sem Estado do mundo vive disperso por Turquia, Iraque, Síria e Irão e tem diásporas na Europa e no espaço da antiga União Soviética. Serão 45 milhões, com língua própria e o sonho comum de um Curdistão independente. Não são árabes, apesar de Saladino, o grande herói dos árabes, ser curdo. Na Síria foram cruciais para derrotar os jiadistas do Daesh.

ROHINGYAS
São a minoria muçulmana de Mianmar (ex-Birmânia, de maioria budista): cerca de um milhão. Expulsos de Rakhine (sul do país), no âmbito de uma campanha de repressão ordenada pelo Governo, centenas de milhares de refugiados vivem em campos no Bangladexe. Uns milhares foram transferidos para uma ilha.

PALESTINIANOS
Aspiram a um Estado independente na Cisjordânia (que Israel ocupa com tropas e colonos) e na Faixa de Gaza (bloqueada por terra, mar e ar). Desde a declaração unilateral da independência (1988), quase 140 países já reconheceram a Palestina, mas não os mais poderosos. Crê-se que sejam 14 milhões (40% vivem nos dois territórios).

SARAUÍS
Proclamaram em 1976 a República Árabe Sarauí Democrática, que hoje é membro de pleno direito da União Africana. Dezenas de países já a reconheceram, mas não o mundo desenvolvido. Os sarauís vivem no Sara Ocidental, ocupado por Marrocos, em campos de refugiados de Tinduf (Argélia) e na diáspora. Querem um referendo à autodeterminação.

O SONHO DO REFERENDO

KOSOVO
Com a unidade da Jugoslávia a abrir brechas, esta província sérvia de maioria albanesa fez um referendo à independência em 1991. De forma inequívoca, 99,98% disseram “sim”. A declaração de independência do Kosovo foi aprovada no Parlamento a 17 de fevereiro de 2008, mas o reconhecimento internacional tem marcado passo. Por pressão sérvia, alguns países recuaram. O Kosovo ainda não é membro da ONU.

ESCÓCIA
A 18 de setembro de 2014, este território britânico referendou a sua independência em relação ao Reino Unido, segundo regras definidas em conjunto com o Governo de Londres. De forma entusiasta, 97% dos escoceses registaram-se para participar e a maioria (55%) votou “não”. A saída do Reino Unido da União Europeia (‘Brexit’), a que a Escócia se opôs, renovou a vontade de repetir a consulta popular sobre o assunto.

CATALUNHA
À revelia de Madrid, o governo regional convocou um referendo à independência da região mais rica de Espanha. A 1 de outubro de 2017, a consulta decorreu sob grande tensão, com a polícia nacional nas ruas. O “sim” ganhou com 92,01%, mas quem era contra quase não votou. O líder catalão Puigdemont declarou a independência, mas suspendeu-a em seguida e foi demitido pelo Governo espanhol.

Tentamos ver
o que podemos aprender com a Ucrânia
para nos defendermos

Joseph Wu, ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan

Taiwan vive no medo de uma invasão das tropas da China Continental. Para Pequim, a ilha simboliza a dificuldade em aplicar a revolução maoista a todo o território chinês e um desafio à política da “China Única”. Taiwan é um país independente para apenas 13 Estados no mundo. Outros, que antes reconheciam Taiwan (nacionalista), recuaram e passaram a reconhecer a China Popular (comunista).

4690

quilómetros (em linha reta) separam a Somalilândia e a Liberlândia, territórios “independentes” que apenas se reconhecem um ao outro. O primeiro faz parte do país internacionalmente chamado Somália. O segundo é um microestado criptolibertário de 7 km2, entre a Croácia e a Sérvia

UNIVERSO DAS NAÇÕES UNIDAS

193
Estados soberanos são membros das Nações Unidas, com igual representação e peso na Assembleia-Geral: 150 deles ascenderam à independência no século XX. O último país a aderir à ONU foi o Sudão do Sul, em 2011. Há ainda dois Estados observadores não-membros permanentes: a Santa Sé e a Palestina

17
territórios “não-autónomos” continuam por descolonizar em todo o mundo, reconhece a ONU. Administrados por Estados Unidos, Reino Unido, França e Nova Zelândia, são potenciais candidatos à independência. São exemplos as ilhas Falkland (ou Malvinas), Gibraltar, Monserrate, Guam, Polinésia Francesa, Ilhas Caimão ou Samoa Americana

1
país apenas reconhece a República Turca de Chipre do Norte, declarada independente a 15 de novembro de 1983, no norte da ilha mediterrânica de Chipre. Trata-se da Turquia, que invadiu o território em 1974 e ali mantém tropas. A sul fica a República de Chipre (grega), que aderiu à União Europeia em 2004

(FOTO A Somalilândia é um território da Somália que proclamou a independência em 1991, não tendo obtido reconhecimento internacional EDUARDO SOTERAS / AFP / GETTY IMAGES)

Artigo publicado no “Expresso”, a 20 de maio de 2022. Pode ser consultado aqui

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