O alvo foram quatro ativistas pró-democracia. Há mais de 100 sentenças de morte à espera
1. Porque há críticas a Mianmar? Esta semana, a junta militar no poder anunciou a execução de quatro ativistas pró-democracia, acusados de contribuir para “atos terroristas” ao oporem-se ao golpe militar de 1 de fevereiro de 2021. Desde o afastamento do Governo democraticamente eleito, gerou-se um Movimento de Desobediência Civil com várias formas de protesto: bater em panelas, manifestações de rua, recusa em pagar contas e boicote a lotarias patrocinadas pelo Estado e empresas ligadas aos militares. A junta tem em curso uma repressão à campanha.
2. Quão surpreendentes foram as execuções? O regime não aplicava sentenças de morte desde a década de 80. E há receios de que não se fique só por estas quatro. Segundo a Associação de Assistência a Presos Políticos, desde o golpe, tribunais militares já decretaram 117 penas capitais. Esta semana, ao rebater a condenação internacional, um porta-voz da junta mostrou determinação e disse que os ativistas “mereciam muitas sentenças de morte”. Segundo o jornal “The Irrawaddy”, os quatro foram enforcados.
3. Onde está Aung San Suu Kyi? A líder da oposição e Nobel da Paz está presa, mais uma vez. Era ela que liderava o Governo civil, eleito nas urnas, deposto pelo golpe militar do ano passado. Aos 77 anos, Suu Kyi está na prisão de Naypyitaw a cumprir pena de 11 anos. Acusada de fraude eleitoral, enfrenta um total de 11 acusações que podem valer-lhe um cúmulo jurídico de mais de 150 anos atrás das grades.
4. Mianmar é um país em paz? A impopularidade do golpe levou alguns grupos a pegar em armas para se juntarem à resistência. Isto acontece num país cuja Constituição reconhece 135 grupos étnicos, que não os rohingya (muçulmanos), o que tem valido sanções internacionais a Mianmar. Alguns grupos levam anos de rebelião contra o poder central. A 15 de julho, oito soldados governamentais foram mortos em Myawaddy Township, no estado dos Karen, o grupo armado mais antigo.
5. Quem tem influência no país? A China, que ali tem interesses, como o Corredor Económico China-Mianmar, um conjunto de infraestruturas projetadas ao abrigo da Nova Rota da Seda. Mas a junta preza o isolamento. No último debate na Assembleia-Geral da ONU, em que os 193 países levam representantes a discursar em Nova Iorque, apenas dois faltaram: o Afeganistão dos talibãs, a quem a ONU fechou a porta, e Mianmar.
(FOTO Min Aung Hlaing, líder da Junta militar de Myanmar WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso”, a 30 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui
Ofuscado pela agitação em Hong Kong, a tensão em Taiwan e o drama dos uigures, o Tibete continua a ser uma pedra no sapato de Pequim
A escala de Mingyur Paldon no aeroporto de Lisboa, a 3 de janeiro passado, devia ter durado só uma hora, mas prolongou-se por quase um dia inteiro. Em trânsito entre os Estados Unidos, onde estuda Relações Internacionais e Desenvolvimento Humano no Connecticut College, e a Bélgica, onde ia fazer um semestre, esta tibetana, de 22 anos, viu a viagem interrompida quando, a caminho da ligação, foi intercetada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Foi interrogada após cinco horas de espera e percebeu que havia desconfianças em relação ao documento com que viajava: um “certificado de identidade” emitido pelo Governo da Índia para refugiados tibetanos. Parecido com um passaporte amarelo, tem ao centro o capitel do Leão de Ashoka, emblema nacional da Índia. Mingyur — que nasceu no Tibete e chegou à Índia aos dois anos — usou-o sem problemas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Em Portugal não foi aceite.
No aeroporto, “foram muito ignorantes sobre um conjunto de coisas”, afirma ao Expresso. “Disseram que eu devia ter uma cidadania, de alguma forma, e perguntaram se não tinha passaporte chinês. Expliquei que não é possível, porque sou refugiada. Deixaram-me ir, mas recusaram-se a carimbar o meu passaporte. Fizeram-no no cartão de embarque.” Após pernoitar num hotel perto do aeroporto, deixou o país às 7h20 do dia 4.
Antes morto do que preso
Desde o início do ano, já morreram três tibetanos imolados pelo fogo. Tsewang Norbu, cantor de 25 anos a quem chamam “o Justin Bieber tibetano”, sacrificou-se em frente ao Palácio Potala, em Lassa. Em Ngaba, um homem de 81 anos imolou-se junto a um posto da polícia. Em junho, em Kanlho, um monge morreu ao lado de uma foto do Dalai Lama, o líder espiritual tibetano.
Perante tibetanos que se imolam pelo fogo, o Governo chinês fica impotente. Não sobra ninguém para punir
Desde 2009, foram já 161 os tibetanos a recorrer a esta forma extrema de protesto. “Nos anos 80 havia manifestações quase todos os meses, que o Governo chinês tratou de controlar e eliminar. Quem participasse ia preso, era torturado e via as famílias sofrer. Com práticas coercivas de controlo, intimidavam comunidades inteiras. Por vezes, não apenas a família, mas todo o bairro era punido”, recorda ao Expresso Tsering Shakya, da Universidade de British Columbia, em Vancôver (Canadá).
A experiência de Mingyur em Portugal é apenas um exemplo das dificuldades que enfrentam os estimados 150 mil tibetanos da diáspora. Nada comparável, porém, ao quotidiano de desespero e frustração de mais de seis milhões, que vivem, desde 1950, sob ocupação chinesa, no planalto tibetano: dois milhões na Região Autónoma, quatro milhões noutras regiões chinesas.
“A maioria dos presos só saía em liberdade quando estava prestes a morrer. Os tibetanos começaram a perceber que ser preso significava morrer e que imolarem-se não requeria qualquer organização, apenas que fossem a uma praça e ateassem fogo ao corpo. Não sobraria ninguém para ser punido e o Governo ficaria impotente”, continua o tibetano, nascido em Lassa em 1959. “Negar o poder de torturar é poderoso.”
Mal atendeu a videochamada do Expresso, o professor agarrou no livro que andava a ler e mostrou-o para a câmara. “É sobre os jesuítas portugueses no Tibete. Estavam em Goa, na Índia, e foram para o Oeste do Tibete. Foram muito importantes de 1582 até cerca de 1700. Mas o Papa mandou que se retirassem e deixassem o Tibete para os confucianos. Foi um grande erro.”
JAIME FIGUEIREDO
As armas de Pequim
Desde 1984 que a China tem em vigor uma lei da autonomia regional pela qual formalizou a atribuição de autonomia às suas minorias. Desde que Xi Jinping é Presidente (2013), no entanto, a situação do Tibete “piorou muito”, conta ao Expresso Tsering Tsomo, diretora-executiva do Centro Tibetano para os Direitos Humanos e Democracia, com sede em Dharamshala, na Índia. “O Governo chinês está a aplicar ativamente uma política de assimilação cultural forçada.” O professor Shakya fala de “colonização mental do Tibete”.
Cerca de 800 mil crianças vivem em internatos coloniais e recebem uma educação altamente politizada
A autoridade chinesa exerce-se prioritariamente no sector educativo. Na escola, ensina-se desde tenra idade que o Tibete faz parte da China e que o hino nacional que devem saudar é a “Marcha dos Voluntários”. Tudo é explicado em chinês, sendo o tibetano ensinado como língua estrangeira.
Um relatório recente do Tibet Action Institute expõe “uma vasta rede de internatos coloniais no Tibete, onde os estudantes vivem separados das suas famílias e são sujeitos a uma educação altamente politizada, essencialmente em chinês”. Afeta pelo menos 800 mil crianças, dos 6 aos 18 anos.
O que querem os tibetanos?
Desde que, na década de 80, Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, teorizou o “Caminho do Meio” — que consagra a interpretação budista da vida quotidiana e rejeita posições extremas — que as aspirações políticas tibetanas ficaram claras. A posição oficial do Governo tibetano no exílio (em Dharamshala, no Norte da Índia, para onde o Dalai Lama fugiu em 1959, após uma revolta tibetana esmagada pelos chineses) é de apelo à autonomia, não à independência.
‘Um país, dois sistemas’ não seduziu Taiwan e não funciona em Hong Kong. Porque haveria o Tibete de aceitar?
Nascida na Índia, Tsering Tsomo, de 45 anos, nunca foi ao Tibete. “É preciso uma autorização das autoridades chinesas. Trabalho na área dos direitos humanos, é impossível. Sei que estou sob vigilância.” Podia obter cidadania indiana com facilidade, mas prefere manter o estatuto de refugiada e lutar pelo sonho nacional. “Apelamos a uma verdadeira autonomia, não só na Região Autónoma como em todas as áreas tibetanas. Devem beneficiar e exercer poderes de autogoverno.”
O quarto problema
Quando o Dalai Lama propôs o “Caminho do Meio” aos tibetanos, a China ofereceu a Hong Kong, Macau e Taiwan a fórmula “um país, dois sistemas”. “Não seduziu Taiwan e não está a funcionar em Hong Kong. Porque é que o Tibete haveria de aceitar algo semelhante?”, questiona Shakya. Se o Tibete já foi o principal fantasma a perseguir Pequim fora de portas, hoje três outros problemas absorvem a atenção mediática: a repressão à minoria uigur (muçulmana) em Xinjiang, o silenciamento do movimento pró-democracia em Hong Kong e a tensa coexistência com a China nacionalista (Taiwan).
A China está a ficar mais descarada. Pode fazer o que quer e a comunidade internacional nada faz
“O Tibete foi relegado para quarto lugar”, apesar de ter sido “o primeiro assunto que chamou a atenção da comunidade internacional para quão implacável e brutal é o regime comunista chinês”, diz a ativista Tsering. “Foi o primeiro aviso, mas tudo continuou na mesma. E outros problemas surgiram. Todo este acumular de questões mostra como a China está a ficar mais descarada, pensando que pode fazer o que quer e que a comunidade internacional não faz nada. O Tibete devia ser um alerta para que mais nenhum assunto fosse adicionado à lista.”
Os presidentes da Rússia, Irão e Turquia reuniram-se em Teerão numa cimeira com múltiplos interesses. O turco Erdogan procurou apoios para a sua agenda síria, o iraniano Raisi garantias de alívio económico e o russo Putin quis mostrar ao Ocidente que tem amigos. O mundo assistiu, na expectativa de um anúncio do fim do bloqueio russo à exportação de cereais ucranianos, que (ainda) não surgiu
Ao 146.º dia de guerra na Ucrânia, Vladimir Putin saiu da sua zona de conforto e, pela primeira vez desde que ordenou a invasão, viajou para fora do território da antiga União Soviética. O Presidente russo já saíra do país, a 29 de junho, para participar na 6.ª Cimeira do Cáspio, em Asgabate, no Turquemenistão. Esta terça-feira, esteve em Teerão para encontros que envolveram também os Presidentes do Irão e da Turquia, respetivamente Ebrahim Raisi e Recep Tayyip Erdogan.
Esta cimeira Irão-Rússia-Turquia realizou-se dois dias depois de o Presidente dos Estados Unidos terminar a sua primeira visita ao Médio Oriente, muito marcada pela “ameaça iraniana”. Joe Biden esteve em Israel e na Arábia Saudita, que se projetam como pilares de uma coligação emergente na região do Golfo Pérsico destinada a conter precisamente o Irão e aliados.
Neste contexto, o encontro de Teerão constituiu uma espécie de contrapeso à iniciativa norte-americana. Em paralelo, foi uma demonstração de que a Rússia não está sozinha e que, apesar das sanções e do isolamento internacional que afetam vários sectores da sociedade, tem mercados alternativos para onde se projetar. Revelou também a influência de Moscovo em três dos grandes problemas da atualidade.
1. BLOQUEIO DOS CEREAIS UCRANIANOS
Desde o início da guerra na Ucrânia que a Turquia se tem afirmado como país que consegue abrir portas com igual facilidade em Moscovo e em Kiev. Foi, por isso, com naturalidade que Erdogan surgiu no papel de intermediário, junto de Putin, para tentar arranjar solução para o bloqueio à exportação de 20 milhões de toneladas de cereais ucranianos.
“Com a sua mediação, nós progredimos”, disse Putin a Erdogan, em Teerão. “Nem todos os assuntos relativos à exportação de cereais ucranianos através dos portos do Mar Negro foram resolvidos, mas haver progresso já é bom sinal.”
Antes disso, hove um compasso de espera, pois o dirigente turco entrou na sala cerca de um minuto depois do homólogo russo à espera cerca de um minuto. Com os jornalistas já presentes, foi visível o desconforto de Putin.
2. CONFLITUALIDADE NA SÍRIA
A guerra na Síria é o tema que, mais facilmente, justifica um encontro entre Putin, Erdogan e Raisi. Os países que os três homens lideram fazem parte, desde janeiro de 2017, do Processo de Astana, lançado na capital do Cazaquistão para reduzir o nível de violência armada no território. A iniciativa decorre em paralelo ao diálogo de Genebra, promovido pelas Nações Unidas, que visa negociar um futuro político pacífico para a Síria.
No terreno, Rússia e Irão são os maiores aliados do regime de Bashar al-Assad, que sobreviveu a mais de dez anos de guerra graças a esse apoio fundamental. Quanto à Turquia, é, por razões internas, forte opositora do dinamismo curdo, o que a leva, ocasionalmente, a realizar incursões no norte da Síria para travar as movimentações da minoria curda.
Recentemente, Ancara anunciou planos para mais uma ofensiva. Rússia e Irão não concodam e, esta terça-feira, foi o próprio Líder Supremo iraniano a dizê-lo a Erdogan. “O terrorismo tem de ser contrariado, mas um ataque militar na Síria beneficiará os terroristas”, disse o ayatollah Ali Khamenei, que ocupa posição hierárquica superior à do Presidente Raisi.
Há exatamente uma semana, o Conselho de Segurança das Nações Unidas prolongou a abertura do ponto de passagem de Bab al-Hawa, no noroeste da fronteira entre a Síria e a Turquia, por onde é canalizada a ajuda internacional. “É o único corredor humanitário em funcionamento. Havia mais três que, em 2020, foram vetados pela Rússia e acabaram por fechar”, comenta ao Expresso a eurodeputada Isabel Santos, que preside à delegação do Parlamento europeu para as relações com os países do Maxereque, entre eles a Síria.
“Este corredor humanitário é absolutamente imprescindível para o acesso das organizações humanitárias ao terreno. Serve uma população de mais de quatro milhões de pessoas. Só por este corredor passa uma média de 700/800 camiões com ajuda humanitária por mês. Em maio, atingiu-se os 1000 camiões”, transportando água potável, medicamentos, alimentos. “Sem esta ajuda humanitária, está-se a condenar à morte boa parte desta população.”
Rússia instrumentaliza ajuda humanitária
O corredor ficará aberto seis meses, findos os quais o Conselho de Segurança terá de votar outra resolução com vista ao prolongamento por mais meio ano. Foi a posição que prevaleceu, por pressão da Rússia, e que justificou a abstenção de França, Reino Unido e Estados Unidos. “Estes países entendiam — e bem — que o prazo estabelecido devia ser de um ano, por causa da programação da atividade das organizações não-governamentais” que estão no terreno. “Paira uma certa insegurança que, ao fim destes seis meses, possa não haver esse prolongamento”, comenta a eurodeputada.
A seu ver, é claro que “a Rússia está a fazer um jogo político”. A parlamentar socialista prossegue: “Toda a marca negativa que vem do conflito na Ucrânia é transportada para condicionar e servir como moeda de troca para o que se está a passar na Síria. Há uma instrumentalização política da ajuda humanitária”.
“Felizmente, a resolução foi aprovada, mas paira sobre as cabeças das pessoas que são assistidas, e que dependem em absoluto desta ajuda humanitária, a possibilidade de, passados seis meses, a Rússia decidir vetar o funcionamento deste corredor.”
3. DESACORDO SOBRE O NUCLEAR IRANIANO
Rússia e Irão são os países mais castigados por sanções internacionais em todo o mundo. Essa circunstância e as crescentes dificuldades económicas dela decorrentes empurram-nos na direção do outro, e de quem assuma na cena internacional uma amizade com ambos, como é o caso da Turquia.
“Infelizmente, devido à pandemia do coronavírus, o volume de comércio [entre Irão e Turquia] diminuiu significativamente, chegando agora aos 7000 milhões de dólares [valor semelhante em euros]. Acredito que com a determinação dos dois países, conseguiremos atingir o volume comercial de 30 mil milhões de dólares”, afirmou o Presidente turco, esta terça-feira, após encontrar-se com o homólogo iraniano. “Além disso, tomando medidas na área de petróleo e do gás natural, podemos acelerar esta situação.”
Teerão desespera por ver as sanções internacionais levantadas, o que só acontecerá no âmbito de um acordo internacional sobre o seu programa nuclear. Desde abril de 2021 decorrem negociações em Viena, visando a reativação do compromisso, ferido após a retirada dos Estados Unidos ordenada por Donald Trump. Mas o diálogo em que participam sete países tarda em produzir resultados.
Segunda-feira à noite, o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano, Amir Abdollahian, falou ao telefone com Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para a Política Externa e de Segurança. “A Casa Branca deve pôr de lado as suas exigências e dúvidas excessivas e, de forma realista, caminhar para se encontrar uma solução e se chegue a um acordo”, disse o iraniano ao espanhol. “E deve parar de repetir a abordagem ineficaz do passado e o comportamento improdutivo de recurso a pressões e sanções para influenciar.”
Apesar da insistência num acordo, é cada vez mais percetível que, para os ayatollahs, que governam o Irão desde 1979, as grandes oportunidades estão não no Ocidente, mas a leste, desde logo na Rússia e, por arrasto, na China. Mais ainda numa altura em que veem os inimigos Israel e Arábia Saudita unidos numa aliança improvável, promovida pelos Estados Unidos, e cujo cimento é “conter o Irão”.
(Ao centro, o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, foi o anfitrião dos homólogos russo, Vladimir Putin (à esq. na foto), e turco, Recep Tayyip Erdogan SERGEI SAVOSTYANOV / SPUTNIK / AFP /GETTY IMAGES)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 20 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui
A ano e meio de mandato, o 46.º Presidente dos Estados Unidos viajou até ao Médio Oriente para uma estadia de quatro dias que o levou a Israel, à Cisjordânia ocupada e à Arábia Saudita. Dois objetivos predominaram: a necessidade de conter o Irão e de integrar Israel na região
Meses após usar a palavra “pária” para se referir à Arábia Saudita, Joe Biden foi ao reino promover uma aliança regional MANDEL NGAN / AFP / GETTY IMAGES
1. O ELEFANTE NA SALA
OIrão e a sua ambição nuclear foram uma sombra que seguiu Joe Biden do primeiro ao último minuto da deslocação ao Médio Oriente este mês. Em Israel, que olha para a República Islâmica como uma ameaça existencial, o Presidente dos Estados Unidos não conseguiu disfarçar uma discordância em relação ao seu mais sólido aliado na região.
Numa entrevista pré-gravada ao Channel 12 de Israel, divulgada no dia em que chegou ao país, Biden defendeu a reativação do acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano (a que Telavive se opõe), aceitando manter a opção militar sobre a mesa, “como último recurso”, se Teerão estiver na iminência de obter uma ogiva nuclear.
A apologia das negociações colide de frente com a posição de Israel em relação ao gigante persa. “A única coisa que poderá conter o Irão é saber que, se continuar a desenvolver o seu programa nuclear, o mundo livre usará a força”, disse o primeiro-ministro israelita, Yair Lapid, na conferência de imprensa conjunta com Biden. “A única maneira de detê-los é colocar uma ameaça militar credível sobre a mesa.”
“Continuo a acreditar que a diplomacia é o melhor caminho”, contrapôs Biden. Não ter ouvido da boca do amigo americano palavras mais intransigentes para com Teerão terá sido grande frustração para as autoridades de Israel.
2. NETANYAHU ATIVO NOS BASTIDORES
Um dos israelitas mais vocais na defesa de uma solução militar para o problema iraniano foi o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que governou entre 1996 e 1999 e, depois, entre 2009 e 2021.
O atual líder da oposição assistiu na pista do aeroporto Ben Gurion à aterragem do Air Force One e, logo ali, não enjeitou em comentar o assunto com a imprensa. “Para travar regimes como o Irão, não bastam as sanções económicas e políticas”, disse. “Não há como parar o Irão sem uma opção militar, sem uma ameaça militar credível, na esperança de o deter. Mas se não impedir, não há outra escolha a não ser ativá-la.”
Netanyahu teve direito a um encontro com Joe Biden — “caloroso e excelente”, como qualificou —, onde insistiu na abordagem bélica ao Irão. “Somos amigos há 40 anos, mas, para assegurarmos os próximos 40, temos de lidar com a ameaça iraniana”, afirmou, defendendo que não bastam sanções nem uma aliança defensiva entre Israel e países árabes amigos. “Tem de haver uma opção militar ofensiva credível.” Como “falcão” da política, prometeu: “É o que farei se ou quando regressar ao gabinete de primeiro-ministro.”
Netanyahu, que é o israelita que mais tempo foi primeiro-ministro, aposta todas as fichas nas eleições legislativas de 1 de novembro próximo para regressar à cadeira do poder. As sondagens dizem que é o político mais popular do país.
3. A PRESSÃO DAS ELEIÇÕES
O encontro entre Biden e o primeiro-ministro Lapid, quinta-feira de manhã, no Hotel Waldorf Astoria, em Jerusalém, foi protagonizado por dois líderes pressionados pelo calendário eleitoral.
O Presidente dos Estados Unidos pode ver esfumar-se a curta maioria democrata de que dispõe no Congresso, nas eleições agendadas para 8 de novembro. Já o primeiro-ministro israelita, líder do partido centrista Yesh Atid, tem na mira as legislativas de 1 de outubro, que serão as quintas no país em menos de quatro anos. Lapid está no cargo há menos de um mês, na sequência da mais recente crise na política israelita.
4. O SIONISTA QUE QUER UMA PALESTINA INDEPENDENTE
À chegada a Israel, naquela que foi a sua primeira visita enquanto 46.º Presidente dos Estados Unidos, Biden recordou a primeira visita ao país, em 1973, era ele senador pelo Delaware.
Desde então, Biden já foi oficialmente a Israel dez vezes, o que lhe possibilitou o “privilégio” de conhecer pessoalmente todos os primeiros-ministros desde Golda Meir (1969-1974). “Repito-o: não é preciso ser-se judeu para se ser sionista”, disse agora.
A confissão agradou aos israelitas e lançou desconfiança entre os palestinianos, expectantes em relação ao que ia dizer-lhes. “Israel deve permanecer um Estado judeu, democrático e independente. A melhor forma de o conseguir continua a ser uma solução de dois Estados para dois povos, ambos com raízes profundas e antigas nesta terra.”
Muitos israelitas não terão apreciado que um sionista de coração fizesse a apologia da solução de dois Estados. “Continua a ser, na minha opinião, a melhor maneira de garantir o futuro de igual liberdade, prosperidade e democracia para israelitas e palestinianos”, disse Biden, “ainda que não seja [viável] no curto prazo.”
O roteiro de Joe Biden contemplou umas horas na cidade palestiniana de Belém, na Cisjordânia ocupada. Visitou a Igreja da Natividade, que abriga o local onde nasceu Jesus Cristo — Biden é cristão e católico — e reuniu-se com o Presidente da Autoridade Palestiniana, mas não se comprometeu com um calendário para a retoma das negociações de paz.
Biden e Mahmud Abbas tentaram, em vão, que o encontro fosse selado com uma declaração conjunta, inviabilizada pela complexidade semântica do problema. Os norte-americanos queriam que constasse que o futuro Estado palestiniano teria a sua capital “em” Jerusalém Oriental, enquanto os palestinianos exigiam escrever que “a” capital fosse Jerusalém Oriental.
5. UMA VISITA QUE IRRITOU OS ISRAELITAS
Sexta-feira de manhã, antes de seguir para a Cisjordânia, Biden fez uma visita a Jerusalém Oriental (a parte árabe da cidade santa, ocupada por Israel e que os palestinianos querem para sua capital) que muito indispôs as autoridades israelitas.
O Presidente dos Estados Unidos visitou o Hospital Augusta Victoria, no Monte das Oliveiras (fora da Cidade Velha), recusando a presença de qualquer representante oficial israelita na sua comitiva.
“Estou muito feliz por Biden visitar tanto o ocidente como o oriente da cidade. Tem todo o direito de realizar uma visita privada, mas tenho de dizer que gostava de o acompanhar”, lamentou o autarca de Jerusalém, Moshe Lion.
A iniciativa de Biden é difícil de “encaixar” por parte de alguns sectores israelitas, já que, em 2017, Donald Trump reconheceu formalmente Jerusalém “a capital de Israel” e ordenou a transferência da embaixada dos Estados Unidos para a cidade santa.
Outra circunstância contribuiu para afastar israelitas desta visita. O Hospital Augusta Victoria foi cofundado a seguir à primeira guerra israelo-árabe (1948) por luteranos alemães e pela agência da ONU que ainda hoje assiste os refugiados palestinianos (UNRWA), precisamente para acudir aos palestinianos expulsos de Israel após a criação do Estado.
Desde então, vigora neste hospital uma política de independência que lhe garante boa cooperação com israelitas e palestinianos, mas que, na prática, lhe permite barrar a entrada a representantes israelitas que ali vão em missão de acompanhamento de convidados.
6. ARMAMENTO DE HOJE E DE AMANHÃ
Acabado de chegar a Israel, quarta-feira, foi no aeroporto Ben Gurion, em Telavive, que Biden cumpriu o primeiro ponto do seu programa de visita. Na pista, uma exposição de equipamento bélico de última geração funcionava como prova da aplicação dos milhões desembolsados por Washington para financiar a indústria israelita de armamento. São exemplos o sistema de defesa antiaéreo Iron Dome (Cúpula de Ferro) e o novo sistema de interceção a laser Iron Beam (Viga de Ferro), em desenvolvimento, com a chancela da empresa israelita Rafael Advanced Defense Systems.
7. UM VOO PARA A HISTÓRIA
De Israel, Biden viajou diretamente para a Arábia Saudita. O voo entre Telavive, na costa do Mar Mediterrâneo, e Jeddah, na costa do Mar Vermelho, fez história, já que os dois países não têm relações diplomáticas. Só muito recentemente, após a normalização das relações diplomáticas entre Israel e Emirados Árabes Unidos e Bahrain, em 2020, é que Riade passou a autorizar que aviões israelitas atravessassem o seu espaço aéreo.
Biden descreveu o voo como “um pequeno símbolo das relações emergentes e dos passos na direção da normalização [diplomática] entre Israel e o mundo árabe, em que o meu Governo trabalha para aprofundar e expandir”. O voo foi bom prenúncio já que, no mesmo dia, Riade anunciou a abertura dos céus nacionais aos aviões civis israelitas. Companhias aéreas como a El Al vão passar a encurtar horas nos seus voos para oriente e a equacionar abrir novas rotas.
Nos últimos dois anos, através dos Acordos de Abraão, os Estados Unidos têm pressionado no sentido da integração de Israel na região do Golfo Pérsico. Se foi a Administração Trump que apadrinhou os primeiros Acordos, Biden não os enjeita e colocou-os no capítulo prioritário da sua agenda externa, com o ambicioso objetivo de envolver a Arábia Saudita, o gigante árabe do Médio Oriente.
A deslocação de Biden à Arábia Saudita teve também essa componente, ainda que o próprio tenha admitido, em entrevista à televisão israelita, que a normalização total entre Telavive e Riade vai “demorar muito tempo”.
“Precisamos de ter um processo, e esse processo precisa de incluir a aplicação da Iniciativa de Paz Árabe [de 2002, também conhecida como Iniciativa Saudita]”, explicou o ministro dos Negócios Estrangeiros saudita, Adel al-Jubeir. “Uma vez que nos comprometemos com um acordo de dois Estados com um Estado palestiniano nos territórios ocupados, com Jerusalém Oriental como capital, esses são os nossos requisitos para a paz.”
8. A NOVA ARQUITETURA DO MÉDIO ORIENTE
Joe Biden chegou ao Médio Oriente numa altura em que o mundo se debate com altos preços da energia e grave insegurança alimentar, decorrentes da invasão russa da Ucrânia.
Restaurar a relação entre Estados Unidos e Arábia Saudita — deteriorada pelo assassínio do jornalista saudita Jamal Khashoggi, no consulado saudita em Istambul, em 2018 — tem, por isso, tripla importância: minimizar a crise económica levando o gigante saudita a abrir as torneiras do petróleo, promover a segurança pugnando pela integração regional de Israel e criar uma frente de defesa regional de contenção do Irão e dos seus próximos.
No mesmo dia em que Biden chegou à Arábia Saudita, o Irão mostrou as garras e apresentou a sua primeira divisão de drones, estacionada no Oceano Índico. Também a Rússia aproveitou a presença de Biden na região para responder às movimentações de Washington e anunciou a realização de uma cimeira entre o Presidente Vladimir Putin e os homólogos iraniano e turco, Ebrahim Raisi e Recep Tayyip Erdogan. O encontro acontecerá esta terça-feira, em Teerão.
A etapa saudita do périplo valeu duras críticas a Biden. A seguir ao assassínio de Khashoggi, em 2018, não hesitara em rotular o reino de “pária”, nem de referir-se com desprezo ao todo-poderoso príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman (MbS). Mas quando os interesses económicos falaram mais alto, Biden pôs de parte a agenda dos direitos humanos. Sexta-feira, foi MbS quem o recebeu à entrada do Palácio Al Salman, em Jeddah.
9. I2U2, UMA NOVA FÓRMULA DE INTEGRAÇÃO
Além dos Acordos de Abraão, que constituem uma autoestrada entre Israel e o mundo árabe, esta viagem de Biden inaugurou os trabalhos de um novo fórum de integração regional. A partir de Jerusalém, Biden e o primeiro-ministro Lapid participaram numa cimeira por videoconferência com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e o Presidente dos Emirados Árabes Unidos, Mohamed bin Zayed (MbZ).
Estados Unidos, Israel, Índia e Emirados batizaram o quarteto socorrendo-se da primeira letra dos seus nomes em inglês, o que resultou num impronunciável “I2U2” (ai-tu-iú-tu). A parceria visa aprofundar a cooperação económica entre as regiões do Médio Oriente e do Indo-Pacífico, à semelhança do que acontece, no Pacífico, com o Quad, que junta Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos e procura funcionar como contrapeso à influência da China na região.
Um dos projetos anunciados pelo I2U2 passa pela construção de parques agrícolas na Índia, no valor de 2000 milhões de dólares, que usarão tecnologia israelita e que Abu Dabi (um dos sete Emirados) ajudará a financiar.
10. JOGOS SÓ PARA JUDEUS
Num momento mais descontraído, mas pleno de significado político, Biden marcou presença na cerimónia de abertura dos 21.º Jogos da Macabíada, no Estádio Teddy, em Jerusalém.
Também chamados “Jogos Olímpicos Judeus”, contam com a participação de milhares de atletas judeus oriundos de cerca de 60 países e também israelitas não-judeus (20% da população de Israel é árabe). A competição é sancionada pelo Comité Olímpico Internacional e realiza-se de quatro em quatro anos, no ano seguinte aos Jogos Olímpicos de Verão.
No discurso inaugural, o Presidente de Israel, Isaac Herzog, realçou um “dia de festa para o Estado de Israel e para todo o povo judeu, um momento especial de união. Um momento que incorpora os valores compartilhados nos quais acreditamos: sionismo e excelência, fé e esperança, solidariedade e aproximação”. Com Biden a seu lado.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui
A primeira viagem do Presidente dos EUA ao Médio Oriente levou-o a Israel, onde falou do Irão. Hoje tem na agenda a Arábia Saudita. Palestinianos são o parente pobre
Quando Joe Biden entrou na Casa Branca, no início de 2021, a relação entre Estados Unidos e Arábia Saudita estava fragilizada pelo assassínio do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018, no consulado saudita em Istambul. Para o 46º Presidente, o crime era tão hediondo que o reino não escapava ao rótulo de “pária”.
Biden prometeu “recalibrar” a relação e desprezou o todo-poderoso príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman (MbS), implicado pessoalmente no caso, privilegiando o contacto com o debilitado rei Salman. A confirmar o afastamento entre Washington e Riade, Biden retirou da lista de organizações terroristas os huthis (apoiados pelo Irão), que os sauditas combatem no Iémen.
A ano e meio de mandato, porém, o pragmatismo parece ter assaltado a política externa de Biden. O Presidente americano chega hoje à Arábia Saudita, pressionado pela urgência em convencer o maior exportador mundial de petróleo a abrir as torneiras para que os preços da energia desçam nos mercados internacionais. A visita inclui um encontro com MbS.
Biden chega à Arábia Saudita após dois dias em Israel. O voo direto entre Telavive e Jeddah indicia uma intenção: pressionar no sentido da normalização da relação diplomática, como já aconteceu, desde 2020, entre Israel e Emirados Árabes Unidos, Barém, Sudão e Marrocos.
Os Acordos de Abraão são uma autoestrada de aproximação do Estado judeu ao mundo árabe, em nome de um inimigo comum: o Irão. Na escala em Israel, Biden defendeu um novo acordo sobre o programa nuclear iraniano (a que Israel se opõe) e garantiu que a opção militar continua sobre a mesa, “como último recurso”, para impedir Teerão de aceder à bomba atómica.
A visita permitiu também um encontro entre dois dirigentes aflitos: o próprio Biden, que pode perder a maioria democrata no Congresso nas eleições de 8 de novembro, e o primeiro-ministro israelita Yair Lapid, que tem legislativas marcadas para 1 de outubro, as quintas em menos de quatro anos. Como nas anteriores, não se prevê que o conflito israelo-palestiniano mobilize o eleitorado.
Hoje, Biden estará umas horas no território palestiniano ocupado da Cisjordânia. Em Israel, prometeu enfatizar o apoio à solução de dois Estados, “mesmo que não seja [viável] no curto prazo”. Até lá, a ocupação israelita continuará a desbravar terreno, nas suas múltiplas expressões.
3 julho: Assédio judeu a Al-Aqsa
Pelo menos 114 colonos judeus extremistas irrompem pela Esplanada das Mesquitas, na cidade velha de Jerusalém, protegidos por polícias israelitas. De forma provocatória, passeiam-se junto à mesquita de Al-Aqsa, o terceiro lugar santo para os muçulmanos. Realizam também rituais talmúdicos e recebem explicações de rabinos sobre a importância do Monte do Templo, como os judeus chamam ao local. Os crentes muçulmanos são barrados por seguranças nos portões de acesso.
4 julho: É proibido construir
Seis famílias palestinianas de Khirbet Humsa al-Tahta, comunidade beduína do Vale do Jordão (a zona fértil da Cisjordânia), recebem ordens escritas das autoridades israelitas para pararem de construir em 30 estruturas. Este aglomerado está cercado por israelitas em três lados: o colonato de Hamra, um campo de treino militar e um checkpoint. Esta é uma prática com que Israel visa contribuir para expulsar os palestinianos de certas terras, para que as áreas ocupadas por judeus se expandam.
5 julho: Água não é para todos
Forças israelitas destroem condutas junto a uma nascente de água, que abastece a aldeia de Duma, no norte da Cisjordânia. É também demolido o muro de proteção e trabalhos de reabilitação recentes, feitos pelas autoridades da aldeia. Estas tentaram, em vão, que um tribunal israelita impedisse a destruição da infraestrutura. Na Cisjordânia, o acesso à água faz-se de forma discriminatória: é fácil para os colonos, difícil para os palestinianos, que têm de a comprar a Israel.
6 julho: Cerco aos pescadores
A marinha israelita abre fogo e dispara jatos de água na direção de pescadores da Faixa de Gaza, acusando-os de violação do limite de três milhas náuticas, que estão obrigados a respeitar. O incidente, de que não resultam mortos ou feridos, acontece ao largo das cidades de Jabalia e Beit Lahia, no norte do território. Israel já não tem tropas nem colonos na Faixa de Gaza (onde vivem dois milhões de pessoas), mas ocupa-a desde 2007 por “controlo remoto”, com um bloqueio por terra, ar e mar.
7 julho: Bulldozers ao ataque
Na aldeia de An-Nabi Samwil, em Jerusalém Oriental (a parte árabe da cidade anexada por Israel), bulldozers municipais arrasaram um terreno murado com árvores e um lava-jato, pertencentes a palestinianos, alegando não terem licença. Esta prática é muito usada para dificultar o quotidiano dos palestinianos e levá-los a abandonar terras. Os bulldozers tornaram-se arma da ocupação, ao ponto de empresas como Caterpillar, JCB, Volvo ou Hyundai serem alvo de campanhas de boicote por venderem equipamentos a Israel.
8 julho: Política para empatar
A cinco dias da chegada de Biden, o primeiro-ministro de Israel, Yair Lapid, telefona ao Presidente da Autoridade Palestiniana (AP), Mahmud Abbas para, segundo o diário israelita “Haaretz”, discutirem “a continuidade da sua cooperação e a necessidade de manter a calma e o sossego na região”. A ocupação israelita beneficia da divisão política palestiniana. Aos 87 anos, Abbas mantém-se, há 17, inamovível à frente da AP (que governa a Cisjordânia) e em Gaza manda o grupo islamita Hamas.
9 julho: Vidas sem valor
No checkpoint de Jalama, a leste de Belém, o cadáver de Faleh Mousa Jaradat é finalmente entregue à família. Este palestiniano de 39 anos fora alvejado, a 17 de janeiro, por soldados israelitas que o acusaram de tentar esfaquear um militar. Israel reteve o corpo como medida de punição. Neste mês de julho, já morreram quatro palestinianos às mãos de israelitas: três homens de 18, 20 e 32 anos (dois a tiro e um por agressões), na Cisjordânia, e uma mulher de 68 anos, numa prisão de Israel.
10 julho: Presos em protesto
Ra’ed Rayyan, de 27 anos, cumpre o 95º dia em greve de fome. Detido na Prisão Hospital de Ramleh, em Israel, este palestiniano de Jerusalém exige o fim da sua detenção administrativa, que dura há meses. Dos mais de 4600 palestinianos presos em Israel (entre os quais 30 mulheres e 180 menores), 640 estão nessa situação: detidos sem acusação ou julgamento. Em janeiro, mais de 450 iniciaram um protesto, que dura até hoje, e recusam-se a comparecer nas sessões, em tribunal militar.
11 julho: A lei dos colonos
Cerca de 450 árvores de fruto são arrancadas de terras árabes por colonos judeus, em Turmusaya e Mughayir (nordeste de Ramallah). Os colonos invadem-nas acompanhados por militares israelitas, cuja missão na Cisjordânia é só proteger os 500 mil judeus que ali vivem, entre três milhões de árabes. A violência dos colonos manifesta-se ainda no bloqueio de ruas, arremesso de pedras contra carros e casas, queima de oliveiras, vandalização de colheitas e agressões físicas.
12 julho: Detenções em massa
Nove palestinianos são presos durante incursões de forças israelitas em várias localidades da Cisjordânia e na área de Jerusalém. As detenções em massa são uma forma de intimidação das populações. No dia 6, foram detidos 42 palestinianos e dois dias antes 25. Em junho, as forças israelitas levaram 464 palestinianos, incluindo 70 crianças e 18 mulheres. Desde 1967, perto de um milhão de palestinianos terão passado pelas prisões israelitas. Algo que afeta quase todas as famílias.
Artigo publicado no “Expresso”, a 15 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.