A estabilidade política e governativa tornou-se um grande desafio em Israel. O país vai para as quintas eleições legislativas em menos de quatro anos e as sondagens dizem que ainda não será desta que um partido conseguirá formar uma coligação governativa estável. “Temos de alterar o grau de facilidade com que o Parlamento se dissolve”, diz um investigador israelita

Nas últimas semanas, as autoridades de Israel têm multiplicado alertas de perigo destinados aos seus nacionais que planeiem viajar ou já estejam em território da Turquia. Na origem dos avisos estão informações que dão conta de operacionais iranianos envolvidos no planeamento de ataques contra cidadãos israelitas na cidade de Istambul.
Numa altura em que o acordo internacional sobre o programa nuclear iraniano — ao qual Israel se opõe — era objeto de intensas negociações em Viena com vista à sua reativação, Telavive e Teerão voltam a protagonizar tensão. É, pois, surpreendente que haja, em Israel, quem considere que a ameaça iraniana está longe de ser atualmente a maior dor de cabeça do país.
“O principal problema que Israel enfrenta é a estabilização do sistema político para sustentar a democracia”, diz ao Expresso o investigador Gideon Rahat, do Instituto de Democracia de Israel. “Em segundo lugar, temos de encontrar algum tipo de solução visionária para o conflito com os palestinianos e de lidar com a ameaça iraniana. Depois, há muitos problemas internos ao nível dos sistemas de saúde e educativo e dos transportes públicos, que em Israel são um grande problema. Temos muito para resolver e já perdemos muitos anos com eleições, uma após outra, com a pandemia de coronavírus a complicar ainda mais.”
Desde 1996, quando Benjamin Netanyahu foi eleito primeiro-ministro pela primeira vez — o israelita que, desde sempre, mais anos chefiou o Governo do país —, Israel realiza eleições legislativas, em média, a cada dois anos e meio.
Essa média encurtou drasticamente nos últimos quatro anos. Os israelitas foram a votos em abril e setembro de 2019, março de 2020 e março de 2021. Irão às urnas de novo a 1 de novembro próximo, depois de, na semana passada, o Parlamento (Knesset) ter aprovado a sua própria dissolução.
“Temos de alterar o grau de facilidade com que o Knesset se dissolve”, comenta o académico israelita. Os partidos “deviam ter mais incentivos para procurar outras soluções políticas para produzir um Governo estável”, continua. “As eleições em Israel ocorrem numa única circunscrição nacional. Se adotarmos círculos eleitorais como em Portugal ou Espanha, por exemplo, podemos mudar a paisagem política para que os partidos sejam mais propensos a unir-se e a concorrer juntos. Se alguns partidos pequenos se fundirem, podem ser criados blocos maiores, ainda que não seja possível saber se isso levaria à estabilidade. Agora a divisão é real. Israel está quase dividido ao meio.”
No Knesset dissolvido, estavam representados 13 partidos ou coligações. O Executivo em funções era apoiado por oito formações com agendas irreconciliáveis, da extrema-direita judaica aos islamitas árabes.
“Em Israel, o voto é, antes de tudo, identitário. As pessoas identificadas como religiosas estão mais à direita, as mais seculares votam mais à esquerda, os árabes votam nos partidos árabes e comunista, os judeus nos partidos sionistas”, explica o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Votar tem que ver, primeiro, com identidade, e essas identidades estão ligadas a ideologias e políticas, além de durante décadas ficarem ligadas a personalidades concretas, como Netanyahu. Não é possível dizer que as pessoas votam apenas por assuntos.”
Que dizem as sondagens?
As sondagens realizadas após o anúncio da dissolução do Knesset confirmam o cenário de fragmentação, prevendo que, nas eleições de 1 de novembro, nem o bloco de partidos que apoia Netanyahu, nem o bloco que se lhe opõe obtenham votos suficientes para garantir o apoio de 61 dos 120 deputados e formar um Governo estável.
As sondagens indincam também que Netanyahu é o candidato favorito dos eleitores. “Sempre foi muito popular, mas nunca teve maioria. É esse o seu problema”, comenta Rahat. “É um líder populista, pelo que tem o apoio de algumas pessoas e é detestado por outras. O segredo da sua popularidade é o populismo. Vai contra a chamada velha elite, os media e os tribunais, em nome da maioria e da tradição judaicas, e às vezes até da religião.”
Após 15 anos na cadeira do poder, Netanyahu está com a justiça à perna. É réu em três processos por corrupção, fraude e abuso de confiança, num julgamento que começou a 24 de maio de 2020 e que, segundo Rahat, “pode demorar uma eternidade, não terminará em meses, vai demorar anos”. Segundo a lei, só na eventualidade de ser condenado e de serem esgotados os recursos é que se poderá colocar um cenário de afastamento de Netanyahu da vida política.
“Há interpretações à lei segundo as quais ele já devia estar impedido. Se se seguir estritamente a lei, terá de decorrer muito tempo até que seja impedido. É sempre possível que alguém recorra ao tribunal e este decida que Netanyahu não pode recandidatar-se a primeiro-ministro, mas não é muito provável.”
A mais recente crise política em Israel foi acelerada pela rejeição, no Knesset, de uma lei que, nas últimas décadas, não tem encontrado obstáculo para ser prorrogada: a chamada Lei dos Colonos, de 1967, que tem de ser renovada de cinco em cinco anos e que prevê a aplicação da lei civil israelita aos cerca de 500 mil colonos judeus que vivem de forma fortificada no território palestiniano ocupado da Cisjordânia (aos três milhões de palestinianos, Israel aplica a lei militar).
Naquela que vários órgãos de informação israelitas qualificaram de “uma das votações mais surreais da história” do país, alguns partidos que, ideologicamente, sempre apoiaram a lei desta vez rejeitaram a sua renovação. Foi o caso do Likud, o partido de direita liderado por Netanyahu. “Fizeram-no para abalar a coligação. A tática da oposição é votar contra qualquer coisa que a coligação proponha, mesmo que a apoie.”
A estratégia não só levou à dissolução do Knesset como salvou a Lei dos Colonos, que, graças à marcação de novas eleições, foi automaticamente renovada.
Biden a caminho do Médio Oriente
Outra consequência do abalo político foi a substituição de primeiro-ministro. Naftali Bennett (Yamina, direita sionista) abandonou o cargo, anunciou que não será candidato às próximas eleições e cedeu o lugar ao seu parceiro de coligação, Yair Lapid (do partido centrista Yesh Atid), com quem acordara alternar na chefia do Governo a meio do mandato e que era, até agora, ministro dos Negócios Estrangeiros.
Será, pois, Lapid que irá receber o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com chegada prevista a Israel a 13 de julho. “A visita é, em primeiro lugar, uma expressão da estreita relação entre Israel e os Estados Unidos. Em segundo lugar, é indício de que o atual Governo dos Estados Unidos provavelmente prefere ter Lapid como primeiro-ministro, ou Bennett antes dele, do que Netanyahu, um claro defensor do Partido Republicano, mais conotado com essa formação do que seria recomendável a um primeiro-ministro israelita, dado tratar-se de política interna norte-americana.”
De Israel, Biden irá para a Arábia Saudita, um trajeto carregado de simbolismo, já que os dois países não têm relações diplomáticas. “Julgo que há uma tentativa para melhorar a relação que existe, de alguma forma, nos bastidores entre Israel e a Arábia Saudita. Mas Biden também tem um interesse próprio na Arábia Saudita, já que necessita de garantir gasolina suficiente para o seu povo, para que apoie os democratas nas eleições [para o Congresso] de metade de mandato”, de 8 de novembro próximo.
Não é líquido que eventuais êxitos internacionais de Israel angariem votos para 1 de novembro. “Na última década, o peso eleitoral das relações exteriores e da segurança diminuiu um pouco. Em relação aos palestinianos, há um impasse, porque os palestinianos estão divididos entre o Hamas na Faixa de Gaza e a Organização de Libertação da Palestina [de que a Fatah é a principal fação] na Cisjordânia. Em relação à ameaça iraniana, ou a outras ameaças, há consenso”, conclui Rahat.
Inversamente, explica: “O peso eleitoral das questões internas está a aumentar, incluindo junto dos cidadãos israelitas árabes. E das questões internas faz parte a democracia e perceber-se se a democracia é o Governo da maioria ou uma democracia mais liberal.”
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 4 de julho de 2022. Pode ser consultado aqui