Carlos III é chefe de Estado de 14 países além do Reino Unido. Vários, sobretudo nas Caraíbas, querem cortar esse laço e enterrar o passado colonial

A substituição de Isabel II — uma líder respeitada — por Carlos III — uma incógnita — está a agitar alguns dos 14 países que, apesar de independentes, mantêm o monarca britânico como chefe de Estado. O epicentro da contestação à monarquia localiza-se na região das Caraíbas.
“A morte de Isabel II vai acelerar um diálogo crescente e, em último caso, uma rutura prometida com a coroa britânica enquanto chefe de Estado da Jamaica”, diz ao Expresso Jahlani Niaah, da Universidade de West Indies (Jamaica). “Há críticas crescentes dos nacionalistas caribenhos em relação às razões que levaram cidadãos que passaram por histórias de exploração e opressão colonial por parte dos britânicos a decidir voluntariamente ficar em segundo plano em relação a uma instituição racista representada pela coroa ao nível do tratamento dado a povos não europeus.”
Um farol chamado Barbados
A realeza britânica é hoje o rosto de um passado de escravidão que os caribenhos querem esquecer. No dia seguinte à morte de Isabel II, “The Gleaner”, um dos principais jornais jamaicanos, titulava: “A morte da rainha é o fim de uma era” e “facilitará a rutura da Jamaica com a monarquia”.
Há muito que a submissão a Londres deixou de ser uma questão académica. A 7 de junho deste ano, Marlene Malahoo Forte, ministra dos Assuntos Legais e Constitucionais, disse que o processo de transição para uma república “começou formalmente”. Kingston quer concluir o processo até às eleições de 2025.
“A decisão tomada em outubro de 2021 pelo Estado irmão Barbados, tradicionalmente mais ligado à cultura britânica (era chamado Little England), no sentido de remover a rainha da chefia de Estado, amplificou o debate”, diz Niaah. “E deixou antever ações a nível regional em torno do absurdo que é a coroa e a missão civilizadora da Grã-Bretanha por via de um chefe simbólico a morar no Palácio de Buckingham e de haver assuntos de Estado a precisar de aprovação desse gabinete.”
No rasto da Jamaica, também o arquipélago de Antígua e Barbuda planeia convocar um referendo à república, “provavelmente nos próximos três anos”, disse o primeiro-ministro Gaston Browne. “Não se trata de um ato de hostilidade”, explicou, “mas a etapa final para completar o círculo da independência e assegurar que somos uma verdadeira nação soberana”.
A insignificância política dos países das Caraíbas pode levar à tentação de se relativizar o impacto de um possível divórcio da coroa britânica. Mas esse poderá ser também o rumo de grandes países como a Austrália. Esta semana, o primeiro-ministro Anthony Albanese — um republicano confesso que, pela primeira vez, dotou o governo de um “ministro-adjunto para a república” — descartou haver urgência no assunto. “Questões maiores sobre a nossa Constituição não são chamadas agora”, disse na britânica Sky News.
Um insulto aos indígenas
Uma sondagem divulgada quatro dias após a morte de Isabel II revelou que 60% acham que a Austrália deve permanecer uma monarquia. “Os republicanos defendem que o país deve ter um chefe de Estado australiano, que manter a monarquia é um insulto aos primeiros australianos (indígenas), devido ao passado colonial, e que ‘é hora’ de mudar”, diz ao Expresso Cindy McCreery, da Universidade de Sydney.
Alerta para o facto de o inquérito ter sido feito na emoção da proclamação do novo rei. “Suspeito que as atitudes mudem com o tempo e que a monarquia se torne menos popular. Mas não haverá um referendo sobre a questão republicana nos próximos três anos. No primeiro mandato, Albanese quer concentrar-se em introduzir uma voz indígena no Parlamento.”
Na vizinha Nova Zelândia, a república parece ser também uma questão de tempo. A primeira-ministra, Jacinda Ardern, já disse acreditar que o país a adote no seu tempo de vida. Já o maior entre os grandes não hesita. “Afirmamos a nossa lealdade ao novo rei do Canadá, sua majestade o Rei Carlos III, e oferecemos-lhe o nosso apoio total.” O Canadá foi o país mais visitado por Isabel II, num total de 24 deslocações.
Artigo publicado no “Expresso”, a 16 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui