A morte de uma jovem sob custódia da polícia, detida por andar na via pública com “trajes inadequados”, desencadeou manifestações contra o uso obrigatório do véu islâmico. E, por arrasto, contra o regime religioso que governa o Irão há 43 anos

1. Porque há protestos em várias cidades iranianas?
Aagitação está nas ruas desde sábado, dia do funeral de uma mulher de 22 anos que morreu fruto de ferimentos graves infligidos dentro de uma carrinha da polícia. Mahsa Amini fora detida em Teerão, pela polícia de costumes, por levar “trajes inadequados”.
Imagens nas redes sociais mostram iranianas a queimar os véus, de uso obrigatório. Os protestos já fizeram pelo menos sete mortos e concentram-se em Teerão, Mashhad, Tabriz e na região curda. Mahsa pertencia a esta minoria, que resistiu a tentativas de assimilação.
2. Que é e para que serve a polícia de costumes?
Também chamada polícia da moralidade, foi criada após a Revolução Islâmica. Tem como missão fazer cumprir, na via pública, os códigos de vestuário impostos pelos ayatollahs, desde logo o uso obrigatório do véu islâmico para as mulheres e roupa larga para ocultar a silhueta.
Transeuntes vestidos de forma que considerem “não islâmica” — por exemplo, com o véu descaído ou, no caso dos homens, calções e camisas de manga curta — são admoestados, multados ou presos por agentes desta força de segurança.
3. Que potencial político têm os protestos?
Este episódio traz à memória a morte do vendedor ambulante tunisino Mohamed Bouazizi, que se imolou pelo fogo, em 2010, depois de a polícia apreender a sua banca.
Este ato desesperado desencadeou protestos no país e originou um efeito dominó no Norte de África e Médio Oriente (Primavera Árabe), que depôs ditadores na Tunísia, Egito, Líbia e Iémen.
No Irão, o descontentamento apoia-se também em slogans políticos, como “Morte ao ditador”, referência velada ao Líder Supremo, Ali Khamenei.
4. Esta contestação nas ruas é inédita no país?
Nos últimos 15 anos, eclodiram grandes manifestações antigovernamentais por duas vezes, que criaram expectativas de uma “primavera iraniana”.
A primeira foi em 2009, contra a vitória do candidato conservador Mahmud Ahmadinejad nas presidenciais (Movimento Verde).
Dez anos depois, nova vaga de protestos, que começou a propósito do forte aumento do preço dos combustíveis, evoluiu para um movimento pró-democracia.
Ambas as jornadas foram violentamente reprimidas pelas forças do regime.
5. Como reagem agora as autoridades de Teerão?
Restringindo o acesso a WhatsApp e Instagram e remetendo-se ao silêncio. Quarta-feira, Khamenei falou 55 minutos na televisão sobre a guerra Irão-Iraque.
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque, o Presidente Ebrahim Raisi também foi omisso.
Já o homólogo americano não perdeu a ocasião de expor Teerão: “Estamos com os corajosos cidadãos e as bravas mulheres do Irão que se manifestam para garantir os direitos básicos”, disse Joe Biden, nas Nações Unidas.
Artigo publicado no “Expresso”, a 23 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui
