Mudança de monarca incentiva súbditos que preferem a república

Carlos III é chefe de Estado de 14 países além do Reino Unido. Vários, sobretudo nas Caraíbas, querem cortar esse laço e enterrar o passado colonial

Bandeira da Comunidade das Nações (Commonwealth) WIKIMEDIA COMMONS

A substituição de Isabel II — uma líder respeitada — por Carlos III — uma incógnita — está a agitar alguns dos 14 países que, apesar de independentes, mantêm o monarca britânico como chefe de Estado. O epicentro da contestação à monarquia localiza-se na região das Caraíbas.

“A morte de Isabel II vai acelerar um diálogo crescente e, em último caso, uma rutura prometida com a coroa britânica enquanto chefe de Estado da Jamaica”, diz ao Expresso Jahlani Niaah, da Universidade de West Indies (Jamaica). “Há críticas crescentes dos nacionalistas caribenhos em relação às razões que levaram cidadãos que passaram por histórias de exploração e opressão colonial por parte dos britânicos a decidir voluntariamente ficar em segundo plano em relação a uma instituição racista representada pela coroa ao nível do tratamento dado a povos não europeus.”

Um farol chamado Barbados

A realeza britânica é hoje o rosto de um passado de escravidão que os caribenhos querem esquecer. No dia seguinte à morte de Isabel II, “The Gleaner”, um dos principais jornais jamaicanos, titulava: “A morte da rainha é o fim de uma era” e “facilitará a rutura da Jamaica com a monarquia”.

Há muito que a submissão a Londres deixou de ser uma questão académica. A 7 de junho deste ano, Marlene Malahoo Forte, ministra dos Assuntos Legais e Constitucionais, disse que o processo de transição para uma república “começou formalmente”. Kingston quer concluir o processo até às eleições de 2025.

“A decisão tomada em outubro de 2021 pelo Estado irmão Barbados, tradicionalmente mais ligado à cultura britânica (era chamado Little England), no sentido de remover a rainha da chefia de Estado, amplificou o debate”, diz Niaah. “E deixou antever ações a nível regional em torno do absurdo que é a coroa e a missão civilizadora da Grã-Bretanha por via de um chefe simbólico a morar no Palácio de Buckingham e de haver assuntos de Estado a precisar de aprovação desse gabinete.”

No rasto da Jamaica, também o arquipélago de Antígua e Barbuda planeia convocar um referendo à república, “provavelmente nos próximos três anos”, disse o primeiro-ministro Gaston Browne. “Não se trata de um ato de hostilidade”, explicou, “mas a etapa final para completar o círculo da independência e assegurar que somos uma verdadeira nação soberana”.

A insignificância política dos países das Caraíbas pode levar à tentação de se relativizar o impacto de um possível divórcio da coroa britânica. Mas esse poderá ser também o rumo de grandes países como a Austrália. Esta semana, o primeiro-ministro Anthony Albanese — um republicano confesso que, pela primeira vez, dotou o governo de um “ministro-adjunto para a república” — descartou haver urgência no assunto. “Questões maiores sobre a nossa Constituição não são chamadas agora”, disse na britânica Sky News.

Um insulto aos indígenas

Uma sondagem divulgada quatro dias após a morte de Isabel II revelou que 60% acham que a Austrália deve permanecer uma monarquia. “Os republicanos defendem que o país deve ter um chefe de Estado australiano, que manter a monarquia é um insulto aos primeiros australianos (indígenas), devido ao passado colonial, e que ‘é hora’ de mudar”, diz ao Expresso Cindy McCreery, da Universidade de Sydney.

Alerta para o facto de o inquérito ter sido feito na emoção da proclamação do novo rei. “Suspeito que as atitudes mudem com o tempo e que a monarquia se torne menos popular. Mas não haverá um referendo sobre a questão republicana nos próximos três anos. No primeiro mandato, Albanese quer concentrar-se em introduzir uma voz indígena no Parlamento.”

Na vizinha Nova Zelândia, a república parece ser também uma questão de tempo. A primeira-ministra, Jacinda Ardern, já disse acreditar que o país a adote no seu tempo de vida. Já o maior entre os grandes não hesita. “Afirmamos a nossa lealdade ao novo rei do Canadá, sua majestade o Rei Carlos III, e oferecemos-lhe o nosso apoio total.” O Canadá foi o país mais visitado por Isabel II, num total de 24 deslocações.

Artigo publicado no “Expresso”, a 16 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui

As imagens da “carnificina climática” no Paquistão

Chuvas abundantes combinadas com o rápido degelo dos glaciares colocou quase um terço do Paquistão debaixo de água. Cerca de 33 milhões de pessoas ficaram com a vida virada do avesso e mais de 1400 morreram. Após visitar o país, o secretário-geral das Nações Unidas alertou para o contributo das alterações climáticas nos fenómenos extremos que devastam o Paquistão desde meados de junho. “Hoje no Paquistão, amanhã no seu país”, avisou António Guterres

Antes de ser nomeado secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres liderou o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados. Nessa qualidade, visitou locais tomados por grandes tragédias humanas — do Sudão do Sul à ilha de Lesbos, na Grécia.

Nada do que viu então é, porém, comparável ao que testemunhou há dias no Paquistão. “Já vi muitos desastres por todo o mundo, mas nunca vi uma carnificina climática a esta escala”, afirmou Guterres ao fim de dois dias no país.

Desde meados de junho que o Paquistão sofre chuvas de monção quase ininterruptas, seguidas de inundações repentinas e deslizamentos de terra. Estima-se que quase um terço do país tenha ficado submerso e que cerca de 33 milhões de pessoas andem ao deus-dará.

Uma razia na agricultura e na pecuária

Nos meses de julho e agosto, caiu no Paquistão 190% de chuva a mais do que a média dos últimos 30 anos. Na província de Sindh, no sul do país, choveu 466% a mais do que a média.

O dilúvio levou à frente casas, ruas e autoestradas, vias férreas, gado e campos de cultivo. Os prejuízos estão calculados em 30 mil milhões de euros.

“Hoje é no Paquistão, amanhã pode ser no seu país onde quer que viva. Esta é uma crise global”, apelou Guterres, “requer uma resposta global.”

Já morreram pelo menos 1400 pessoas, incluindo mais de 450 crianças. Estima-se que ter-se-ão perdido à volta de 700 mil cabeças de gado, o que coloca sobre o país a nuvem negra da insuficiência alimentar.

Lago de 100 km no meio do Paquistão

Às chuvas torrenciais junta-se o efeito do rápido degelo dos glaciares das montanhas a norte. Quer o governo do Paquistão, quer o secretário-geral da ONU insistiram no contributo das alterações climáticas e dos fenómenos extremos para esta tragédia.

Ironicamente, o Paquistão — com mais de 220 milhões de habitantes — contribuiu menos de 1% para as emissões globais de dióxido de carbono.

Numa conferência de imprensa ao lado de Guterres, em Islamabade, o ministro paquistanês dos Negócios Estrangeiros, Bilawal Bhutto-Zardari, foi a voz da impotência em relação ao desafio que o país tem pela frente.

Disse o filho da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto: “Quando temos um lago de 100 quilómetros que se desenvolveu no meio do Paquistão, qual o tamanho do dreno que temos de construir para gerir a situação? Não há estrutura feita pelo homem que possa esvaziar esta água.”

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Chuvas de monção mais intensas do que o habitual inundaram quase um terço do Paquistão, uma área correspondente ao Reino Unido FIDA HUSSAIN / AFP / GETTY IMAGES
Uma cama e roupa a secar, é tudo o que resta a este homem, na localidade de Nowshera FAYAZ AZIZ / REUTERS
Duas meninas socorrem-se de uma jangada improvisada para seguir pelas ruas por onde costumam correr RIZWAN TABASSUM / AFP / GETTY IMAGES
As chuvas intensas provocaram deslizamentos de terras que levaram tudo atrás HUSSAIN ALI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Água por todo o lado, no solo e nos potes e jerricãs à cabeça das mulheres AMER HUSSAIN / REUTERS
A ameaça da fome, após as cheias devastarem o sector agrícola, destruindo colheitas de arroz, milho e trigo PAULA BRONSTEIN / GETTY IMAGES
Duas pessoas recolhem bambus intactos, junto a uma casa totalmente destruída, em Dera Allah Yar AMER HUSSAIN / REUTERS
As canas de bambu são preciosas para ajudar a improvisar pontes, esta em Shikarpur ASIF HASSAN / AFP / GETTY IMAGES
Na cidade de Khaipur Nathan Shah, as ruas transformaram-se em rios GIDEON MENDEL / CORBIS / GETTY IMAGES
Militares da Marinha paquistanesa asseguram ações de resgate de populações, nas áreas mais afetadas AAMIR QURESHI / AFP / GETTY IMAGES
As inundações destruíram casas e pontes e encobriram estradas e pastagens para o gado ADEEL AHMED / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
As cheias já afetaram 33 milhões de pessoas, muitas das quais passaram a viver em tendas, montadas em campos improvisados AHMED ALI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Em Sohbatpur, nas escassas extensões de terra que ficaram à superfície, tendas acolhem quem tudo perdeu FIDA HUSSAIN / AFP / GETTY IMAGES
Com a casa inabitável, esta família salvou a louça que pode e espera por abrigo, em Khairpur AHMED ALI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Perante a ameaça de novas cheias, militares erguem uma barreira de proteção, junto a uma importante central elétrica, em Dadu SALMAN RAO / REUTERS
Ficaram sem casa, vivem na berma de uma estrada, em Sukkur, e não veem a hora da chuva parar de cair ASIF HASSAN / AFP / GETTY IMAGES
As consequências da intempérie já provocaram pelo menos 1400 mortos HUSSAIN ALI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Tristeza nos rostos de quem, por estes dias, está proibido de correr e saltar em total liberdade FIDA HUSSAIN / AFP / GETTY IMAGES
Distribuição de ajuda alimentar doada pela Turquia, em Mirpur Khan FARHAN KHAN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Uma manada de búfalos desbrava as águas, onde normalmente passa uma autoestrada, em Sehwan AKHTAR SOOMRO / REUTERS
Água pelo pescoço, numa zona da província de Sindh, no sul do Paquistão FARHAN KHAN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Dificuldades acrescidas nas ruas de Karachi, a maior cidade do Paquistão, com mais de 16 milhões de habitantes RIZWAN TABASSUM / AFP / GETTY IMAGES
Crianças deslocadas pelas inundações e a viver num campo improvisado aguardam pela distribuição de comida, em Sehwan HUSNAIN ALI / AFP / GETTY IMAGES
Uma corrida contra o tempo para salvar fardos de pasto, antes que a água suba mais um pouco ADEEL AHMED / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Um novo ano letivo começou e, em Dera Ghazi Khan, o caminho para a escola só é mesmo possível de barco SHAHID MIRZA / AFP / GETTY IMAGES
Um rasto de lama numa casa engolida pela água, em Nowshera FAYAZ AZIZ / REUTERS
Junto a um posto de combustíveis alagado, em Mehar, populares fazem muros com sacos para impedir o transbordo das águas AAMIR QURESHI / AFP / GETTY IMAGES
O caos citadino acentuou-se em Karachi AKRAM SHAHID / AFP / GETTY IMAGES
Uma família segue na direção de um porto seguro, transportando tudo aquilo que consegue, em Jamshoro. As cheias no Paquistão, este verão, afetaram milhões de pessoas YASIR RAJPUT / REUTERS
Água a perder de vista, na região de Dadu, província de Sindh (sul), uma das zonas mais gravemente atingidas SUSANNAH GEORGE / GETTY IMAGE

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui

Há cinco réus encarcerados há 20 anos sem julgamento e vítimas de tortura: “Nem sei se justiça é a palavra certa”

Os sucessivos adiamentos do julgamento dos suspeitos do 11 de Setembro tornaram-se um grande embaraço para os Estados Unidos. Se, por um lado, condenar os acusados levaria algum conforto às famílias de quase 3000 vítimas, por outro o facto de os réus serem vítimas de tortura por parte da CIA agrava a complexidade do caso. Em entrevista ao Expresso, um perito em terrorismo tem reservas em considerar como “justiça” o processo que decorre em Guantánamo

ais de duas décadas depois, o 11 de Setembro é uma tragédia cada vez mais esbatida na memória coletiva dos norte-americanos. A cada novo ano letivo, o professor Tom Mockaitis testemunha-o quando recebe novas turmas na Universidade DePaul, uma instituição privada em Chicago. Os novos estudantes não eram nascidos à época ou eram muito jovens para guardarem lembranças que, hoje, os mobilizem minimamente a cada novo aniversário.

“A maioria dos norte-americanos seguiu em frente. Neste momento, o país está muito mais preocupado com o extremismo interno, a recente decisão relativa ao aborto, o 6 de janeiro [invasão do Capitólio] e, se algo a nível internacional, com a guerra na Ucrânia. É como Pearl Harbor para a geração dos meus pais. As pessoas seguiram em frente”, diz este perito em terrorismo, em entrevista ao Expresso.

A exceção a esta tendência de esquecimento são os familiares e amigos das 2977 vítimas mortais que esperam e desesperam pelo julgamento dos acusados. O processo está em fase de pré-julgamento e tem sofrido sucessivos adiamentos.

Defesa sem acesso a provas

Um dos principais obstáculos prende-se com um braço de ferro entre acusação e defesa relativamente à informação que pode ser usada como prova.

“Muitas das provas foram provavelmente obtidas no âmbito do trabalho classificado dos serviços secretos. Eles não vão revelar muito acerca de onde ou como obtiveram a informação”, explica Mockaitis. “Também não está claro o que é que a defesa pode ver. Num julgamento normal, a defesa tem direito a ver de antemão qualquer coisa que a acusação use como prova e tem a oportunidade de revê-la e refutá-la.”

VÍTIMAS: 2977 mortos

  • 2753 no World Trade Center, em Nova Iorque
  • 184 no Pentágono, em Washington D.C.
  • 40 num campo de Shanksville, na Pensilvânia

O processo decorre numa comissão militar, uma forma híbrida entre um tribunal criminal federal e um tribunal marcial militar, criada em 2006 pelo Congresso dos EUA.

Juiz e júri são assegurados por membros das forças armadas norte-americanas. Já as equipas de acusação e de defesa têm de ter obrigatoriamente advogados militares, mas também civis.

Guantánamo, território incógnito

A comissão militar para os suspeitos do 11 de Setembro está sediada na base naval que os Estados Unidos mantêm na Baía de Guantánamo (arrendada em 1903 às autoridades de Cuba).

“Tudo o que se fez foi colocá-los numa instalação que é, essencialmente, um território controlado pelos Estados Unidos, mas que não faz parte dos Estados Unidos”, explica o professor da Universidade DePaul. “Talvez seja porque os réus não poderiam ser responsabilizados de igual forma perante a lei dos EUA. Esta é uma área muito cinzenta.”

As audiências decorrem sem captação de imagens. São permitidas ilustrações, com algumas restrições. “Temos de cavar para obter informações sobre este julgamento. Há muito pouca informação pública.”

Ilustração sobre a sala de audiências, em Guantánamo, divulgada pelo Departamento de Defesa dos EUA. À esquerda, de branco, os cinco réus DEPARTAMENTO DE DEFESA DOS ESTADOS UNIDOS

Matthew N. McCall, um tenente-coronel da Força Aérea, é o juiz do processo desde 20 de agosto de 2021. À época dos atentados, concluía a formação em Direito, na Universidade do Hawai. A sua nomeação foi envolta em polémica por não possuir a experiência requerida de dois anos como juiz militar.

O procurador-chefe é o contra-almirante Aaron Rugh, da Marinha. E o principal advogado de defesa é o brigadeiro-general Jackie L. Thompson Jr., do Exército. Os 12 militares que irão compor o júri ainda não foram selecionados.

Juízes em causa própria

Tom Mockaitis inquieta-se perante o facto de que quem julga serem “membros de uma organização que tem liderado a luta contra o terrorismo”. “Como é possível”, interroga-se.

“Fiquei muito preocupado com a ideia de um tribunal militar. Se os homens e mulheres no tribunal trabalham para uma instituição militar, sob uma cadeia de comando, e sabendo que há um forte desejo por parte daquele órgão de atribuir um veredicto de ‘culpados’, como pode o júri ser livre?”

“Estão a usar um sistema muito estranho”, continua. “Este não é um tribunal que resistiria a um escrutínio minucioso em qualquer país. Não há muita simpatia pelos réus, mas é difícil de defender que este seja um processo justo.”

A base naval dos EUA na baía de Guantánamo ocupa cerca de 117 km² da República de Cuba SHANE T. MCCOY / US NAVY / WIKIMEDIA COMMONS

Cinco homens estão no banco dos réus, acusados de cumplicidade com os 19 terroristas que sequestraram os quatro aviões.

Os cinco detidos

Khalid Sheikh Mohammad consta no Relatório da Comissão do 11 de Setembro como “o principal arquiteto dos ataques”. Nascido no Paquistão, é acusado de ter gizado a ideia de um ataque com aviões e de tê-la proposto a Osama bin Laden, o líder da Al-Qaeda. Foi apanhado em Rawalpindi, no Paquistão, em 2003, numa operação conjunta dos serviços secretos norte-americanos (CIA) e paquistaneses (ISI). Foi sujeito a “técnicas aprimoradas de interrogatório” da CIA, denunciadas em relatórios oficiais dos EUA, incluindo waterboarding, uma forma de tortura que simula uma situação de afogamento.

Walid bin Attash é acusado de treinar dois pilotos sobre como lutar em espaços apertados, como aconteceu para controlar os aviões. Nasceu na Arábia Saudita, juntou-se à jihad no Afeganistão, onde perdeu parte da perna direita, e foi detido em Karachi, no Paquistão, em 2003.

Ali Abdul Aziz Ali nasceu no Kuwait e tem cidadania paquistanesa. Também identificado como Ammar al-Baluchi, é acusado de transferir dinheiro desde os Emirados Árabes Unidos, onde trabalhava na área das tecnologias, para os piratas dos aviões. Foi intercetado em Karachi, no Paquistão, em 2003. A defesa acredita que o filme “Zero Dark Thirty” — designadamente as sessões de tortura aplicadas a uma personagem chamada Ammar — é inspirado na sua experiência.

Ramzi bin al-Shibh é acusado de recrutar e organizar a célula de Hamburgo, na Alemanha, e de agir como intermediário entre a liderança da Al-Qaeda e o egípcio Mohammed Atta, um dos piratas do primeiro avião a embater contra as torres gémeas, apontado como o líder operacional do atentado. Nascido no Iémen, Al-Shibh foi preso em 2002, na cidade paquistanesa de Karachi.

Mustafa al-Hawsawi é responsabilizado por prestar assistência logística e burocrática aos sequestradores. Este saudita é o réu que enfrenta menor número de acusações. Nas audiências em Guantánamo, senta-se numa almofada em forma de rosca para vencer as dores decorrentes de ferimentos no reto sofridos quando esteve cativo pela CIA. A defesa diz que foi violado.

“Uma coisa a ter em mente, e é assim que as organizações terroristas funcionam, é que muitas das pessoas que apoiam a célula e a operação não sabem realmente o que vai acontecer”, diz Mockaitis. “Não temos a certeza que todos os sequestradores estavam totalmente cientes de que participavam numa missão suicida.”

Os fatos cor de laranja dos detidos tornaram-se símbolo da infâmia que Guantánamo se tornou SHANE T. MCCOY / US NAVY / WIKIMEDIA COMMONS

Após serem apanhados, os cinco suspeitos foram encarcerados em prisões secretas da CIA fora dos Estados Unidos. Em 2006, foram transferidos para o centro de detenção de Guantánamo para serem julgados. Foram formalmente acusados de:

  • conspiração;
  • ataque contra civis;
  • assassínio em violação da lei da guerra;
  • ferimentos graves intencionais;
  • sequestro de avião;
  • terrorismo.

“Não é fácil ter simpatia por estes indivíduos. Mas dado o calendário do nosso sistema legal, segundo o qual o julgamento deve decorrer num período de tempo razoável e os réus são inocentes até prova em contrário e têm direitos, este sistema não corresponde a nenhum desses padrões. E não importa que haja provas muito boas. A defesa argumenta de forma bastante convincente que as confissões foram obtidas sob coação. Essas provas nunca seriam admitidas num tribunal dos EUA.”

Estas acusações expõem um conflito difícil de conciliar. Por um lado, o objetivo das autoridades norte-americanas é condenar os acusados como forma de fazer justiça à morte de quase 3000 pessoas. Mas essa pretensão acaba por ficar frustrada pelo facto de os réus também serem vítimas de tortura por parte da CIA.

Os réus do 11 de Setembro são cinco dos 36 prisioneiros que, segundo o site “Close Guantanamo”, subsistem naquele centro de detenção, 21 dos quais foram ilibados de acusações e estão aptos a sair em liberdade.

Desde que foi inaugurado, a 11 de janeiro de 2002, passaram pelos calabouços de Guantánamo 779 homens, a maioria de nacionalidade afegã, seguidos de sauditas e iemenitas. Com Joe Biden na Casa Branca, os portões daquela prisão já se abriram por quatro vezes.

Obama tentou, mas não conseguiu

A 22 de janeiro de 2009, escassos dois dias após tomar posse como Presidente dos EUA, Barack Obama assinou a Ordem Executiva 13492 determinando o encerramento de Guantánamo. Mas não conseguiu cumprir a promessa.

Mockaitis explica a complexidade do processo: “Eles não sabem o que fazer com estas pessoas. Se a opção for colocá-las em prisões nos EUA, isso criará uma tempestade de publicidade adversa. Ainda que não haja grande risco se ficarem presos, todos os políticos vão cair imediatamente em cima do assunto.” Outra possibilidade é devolver os detidos aos países de origem, “mas nalguns casos os países não os querem”.

Para o professor norte-americano, Guantánamo é “um embaraço” para os Estados Unidos. “Estes indivíduos foram detidos e mantidos sem julgamento por um longo período de tempo. Não tenho muitas dúvidas de que são culpados dos crimes de que são acusados. Mas por mais que tenham feito coisas horríveis, esse tratamento viola os nossos padrões do que é a justiça.”

“Quando dou aulas de contraterrorismo, uma das coisas que enfatizo é que a lei e a legitimidade são ferramentas muito poderosas do lado daqueles que lutam contra os extremistas. É isso o que nos diferencia deles”, conclui Mockaitis. “Tenho muitas reservas em relação à forma como isto está a ser feito. Nem sei se justiça é a palavra certa.”

(FOTO PRINCIPAL Dois feixes de luz, no local onde se erguiam as Torres Gémeas, iluminam os céus de Nova Iorque, numa homenagem às vítimas do 11 de Setembro KIM CARPENTER / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de Setembro de 2022. Pode ser consultado aqui

Isabel II. 37 imagens que revelam uma longa vida de união com o reino

Isabel II dedicou 70 dos seus 96 anos de vida a servir o país onde nasceu

Elizabeth Alexandra Mary nasceu a 21 de abril de 1926, em Londres. Na foto, surge (à esq.) na companhia da mãe e da irmã mais nova, Margaret Rose, falecida em 2002 HULTON ARCHIVE / GETTY IMAGES
Neste retrato real, Isabel surge ao colo do pai, o rei Jorge VI, a quem sucederia no trono UNIVERSAL HISTORY ARCHIVE / GETTY IMAGES
Saudar os súbditos à varanda do Palácio de Buckingham foi um hábito que acompanhou Isabel desde a infância BETTMANN / GETTY IMAGES
A paixão por cavalos manifestou-se em tenra idade BETTMANN / GETTY IMAGES
A 9 de julho de 1947, tinha Isabel 21 anos, ficou noiva de Filipe Mountbatten, nascido Filipe da Grécia e Dinamarca HULTON ARCHIVE / GETTY IMAGES
Durante a II Guerra Mundial, as princesas Isabel e Margarida participam numa emissão radiofónica destinada às crianças do império britânico TOPICAL PRESS AGENCY / GETTY IMAGES
Com o noivo, os pais e a irmã, pouco tempo antes de se casar BETTMANN / GETTY IMAGES
No Castelo de Balmoral, na Escócia, na companhia de um dos seus corgis, em 1952 BETTMANN / GETTY IMAGES
Retrato oficial, com a tiara e a faixa da Ordem da Jarreteira, a mais antiga ordem militar de cavalaria britânica BETTMANN / GETTY IMAGES
Em 1960, com o marido e os três filhos mais velhos, nos jardins do Castelo de Balmoral BETTMANN / GETTY IMAGES
Isabel e Filipe casaram-se a 20 de novembro de 1947, na Abadia de Westminster, em Londres HULTON DEUTSCH / CORBIS / GETTY IMAGES
Estiveram casados quase 74 anos. Só a morte de Filipe, em 2021, os separou MICHAEL OCHS ARCHIVES / GETTY IMAGES
Isabel foi coroada rainha a 2 de junho de 1953, na Abadia de Westminster. Tinha 27 anos HULTON ARCHIVE / GETTY IMAGES
Quando ascendeu ao trono, Isabel e Filipe estavam casados há seis anos PRINT COLLECTOR / GETTY IMAGES
Nos tempos de princesa, cumprimentando Winston Churchill, que foi primeiro-ministro nos reinados de Jorge VI e Isabel II KEYSTONE-FRANCE / GETTY IMAGES
As temporadas em Balmoral e as tardes passadas nos jardins do castelo tornaram-se oportunidades fotográficas para a família BETTMANN / GETTY IMAGES
Com os filhos mais velhos, Carlos e Ana. Nasceriam ainda André e Eduardo HULTON DEUTSCH / GETTY IMAGES
Em finais da década de 1960, num avião Andover, em tempos o transporte aéreo da família real britânica BETTMANN / GETTY IMAGES
No dia do casamento de Carlos, o seu primogénito, com Diana Spencer, a 29 de julho de 1981 PRINCESS DIANA ARCHIVE / GETTY IMAGES
Com os netos William e Harry, na tribuna real de um clube de pólo, em 1987 TIM GRAHAM / GETTY IMAGES
Dona de um sentido de humor particular, pôs o Presidente Ronald Reagan às gargalhadas, durante uma visita aos Estados Unidos, em 1983 BETTMANN / GETTY IMAGES
Com Margaret Thatcher, a sua principal interlocutora política entre 1979 e 1990, enquanto primeira-ministra do reino BETTMANN / GETTY IMAGES
Um momento de animação no seio de uma família muitas vezes noticiada por episódios de tensão e tristeza KENT GAVIN / GETTY IMAGES
Sorrisos e cor, durante uma visita ao México, em 1975 SERGE LEMOINE / GETTY IMAGES
A relação com a princesa de Gales foi-se degradando ao longo dos anos e Isabel II não o escondeu PRINCESS DIANA ARCHIVE / GETTY IMAGES
Os súbditos não compreenderam o silêncio de Isabel II quando Diana morreu e criticaram-na JEFF OVERS / GETTY IMAGES
A rainha ouviu a insatisfação do povo e percorreu os ‘mares de flores’ depositadas pelos súbditos em tributo à princesa, este em Balmoral MATHIEU POLAK / GETTY IMAGES
O afastamento dos duques de Sussex dos compromissos oficiais e protocolares da família real desgostou Isabel II nos últimos anos de vida MAX MUMBY / INDIGO / GETTY IMAGES
A 13 de julho de 2016, Isabel II recebeu a conservadora Theresa May, a quem convidou a formar governo DOMINIC LIPINSKI / GETTY IMAGES
Com o príncipe herdeiro, no Palácio de Westminster, a 14 de outubro de 2019, na cerimónia de abertura do Parlamento, tomado pela batalha do ‘Brexit’ PAUL EDWARDS / GETTY IMAGES
Em 2015, com o duque de Edimburgo, à saída de uma cerimónia em honra das tropas britânicas estacionadas no Afeganistão CHRIS JACKSON / GETTY IMAGES
A pandemia de covid-19 acabou com as audiências semanais presenciais entre rainha e chefe de governo. Esta imagem regista o primeiro encontro com Boris Johnson passada a tormenta DOMINIC LIPINSKI / GETTY IMAGES
À chegada a um banquete em sua honra, durante uma visita à Alemanha, aos 89 anos de vida. Só muito recentemente, Isabel II começou a falhar compromissos oficiais SEAN GALLUP / GETTY IMAGES
Chegou a confessar em público ter vivido um “annus horribilis”, em 1992, o ano do divórcio de três dos seus quatro filhos. Mas o sorriso doce ficará como uma das suas imagens mais genuínas SAMIR HUSSEIN / WIREIMAGE / GETTY IMAGES
Sozinha e com a tristeza escondida atrás da máscara, a 17 de abril de 2021, Isabel II assistiu ao funeral do marido, o companheiro de uma longa vida JONATHAN BRADY / GETTY IMAGES
Isabel II foi monarca do Reino Unido e de 14 outros países, reunidos na Commonwealth ANDREW WINNING / GETTY IMAGES
Dois dias antes de falecer, Isabel II recebeu em audiência Liz Truss, em Balmoral, e convidou-a a assumir o cargo de primeira-ministra. A frescura aparente, numa mulher de 96 anos, não indiciava uma partida iminente JANE BARLOW / GETTY IMAGES

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui ou aqui

Um apelo a Ronaldo, Messi e companhia: “Se se limitarem a falar de futebol enquanto estiverem no Catar, será uma oportunidade perdida”

As críticas à volta da atribuição do próximo Mundial ao Catar colocam ainda mais os holofotes sobre os futebolistas que irão competir nos luxuosos relvados do emirado. “Os jogadores contactam diariamente com os media. Fará uma grande diferença se as grandes estrelas falarem” sobre o trabalho escravo dos migrantes, as restrições impostas às mulheres ou a rejeição dos homossexuais, defende Tim Sparv, antigo futebolista finlandês, em entrevista à Tribuna Expresso. Sparv pôs a mão na consciência e tornou-se uma voz em defesa da moralidade no desporto

Nos últimos quinze anos, dois dos maiores eventos desportivos à escala global foram atribuídos, por quatro vezes, a países autoritários, com a ficha suja ao nível do respeito pelos direitos e liberdades individuais.

A China organizou os Jogos Olímpicos de verão em 2008 e a edição de inverno de fevereiro passado, ambos em Pequim. Já a Rússia acolheu os Jogos de inverno de 2014, em Sochi, e o Campeonato do Mundo da FIFA de 2018.

Este ano, ao realizar o Mundial de futebol, o Catar soma-se à lista exclusiva de países com capacidade para organizar, por si só, um evento de grande dimensão. Sem créditos na modalidade, o pequeno emirado do Golfo Pérsico — pouco maior do que o distrito de Beja e com menos de três milhões de habitantes — beneficia de um orçamento suficientemente ilimitado para deslumbrar o mundo do desporto.

Haverá uma sombra a ofuscar todo o glamour: o tratamento escravo dado aos imigrantes, as restrições dos direitos das mulheres e a rejeição à comunidade LGBTQIA+ levantam questões morais que responsabilizam, neste caso, a FIFA e não deixam indiferentes muitos profissionais do desporto.

Um prémio para ditadores

“Atribuir um grande torneio, como o Mundial de futebol, devia ser um prémio por um registo positivo ao nível dos direitos humanos. Devia existir um conjunto de critérios na hora de dar este tipo de eventos. De outra forma, vamos pôr vidas humanas em risco e vamos recompensar ditadores e países que não o merecem”, defende o antigo futebolista finlandês Tim Sparv, em entrevista à Tribuna Expresso.

“Para mim, este tipo de organizações devem compensar bons comportamentos e atitudes, pessoas focadas na igualdade e em valores positivos. Não pode ser suficiente montar um bom espetáculo durante um mês. É necessário algo mais”, sublinha.

Tim Sparv foi o capitão da seleção da Finlândia no Euro 2020, o primeiro Europeu em que a equipa nórdica participou, em 2021 JOOSEP MARTINSON / GETTY IMAGES

O internacional finlandês, que arrumou as chuteiras no final do ano passado, aos 34 anos, é hoje uma voz ativa na denúncia dos problemas laborais no Catar e no apelo para que os agentes desportivos se envolvam.

“Os atletas podem ter um grande impacto na sociedade, mas muitas vezes isso não acontece. Estamos muito envolvidos na profissão e não vemos as possibilidades que temos, de falarmos com crianças e jovens e de os influenciarmos, de passarmos mensagens positivas, contra o racismo, a favor da igualdade, sobre os migrantes, a importância da leitura, pode ser sobre tantas coisas…”, diz.

“Mas é preciso que seja algo em que acreditemos e que nos apaixone. Chegou um pouco tarde na minha carreira, mas estou feliz por fazer algo.”

Viver na bolha, sem olhar o mundo

Sparv despertou para o problema dos abusos dos direitos humanos no Catar em 2019, quando a seleção finlandesa tinha um estágio agendado nesse país do Golfo. Riku Riski, um companheiro de equipa, alegou razões éticas e recusou fazer a viagem.

“Este episódio fez-me questionar: ‘O que se passa? O que não estou a ver?’ Eu sabia que o Catar não era propriamente como a Finlândia, mas vivia na minha bolha, demasiado concentrado em ser futebolista acima de qualquer coisa, em vez de usar a minha condição de capitão da seleção nacional para consciencializar para determinados assuntos.”

Antes de um jogo contra a Turquia, Haaland, estrela da seleção norueguesa e do Manchester City, usa uma ‘t-shirt’ com a inscrição “Direitos humanos, dentro e fora do campo” JORGE GUERRERO / AFP / GETTY IMAGES

Se qualquer futebolista internacional, mesmo em países sem grande projeção na modalidade, tem potencialmente uma audiência de milhões de adeptos a escutá-lo, esse ativo é muitas vezes desperdiçado pelos maiores craques.

“Nestas grandes competições, os jogadores contactam diariamente com os media. Fará uma grande diferença se as grandes estrelas falarem destes assuntos. Ficarei muito desiludido se se limitarem a falar de futebol enquanto estiverem no Catar. Será uma oportunidade perdida.”

A diplomacia das t-shirts

Tim acredita que haverá equipas ou jogadores individualmente a colocarem o dedo na ferida. Anima-o iniciativas como as das seleções da Noruega, Alemanha e Países Baixos — as duas últimas qualificadas para o Catar — que, em jogos de qualificação para o torneio, recorreram à “diplomacia da t-shirt” para difundir mensagens importantes.

“Direitos humanos dentro e fora do campo”, defenderam os noruegueses em camisolas usadas no aquecimento do jogo contra Gibraltar, a 24 de março de 2021. No dia seguinte, antes de defrontarem a Islândia, os jogadores alemães apresentarem-se em formação com a expressão “direitos humanos” estampada em t-shirts pretas. Dias depois, foi a vez dos neerlandeses juntaram-se à campanha com o slogan “Futebol apoia a mudança”.

Sem adesão da equipa adversária (Hungria), os jogadores ingleses protestam contra o racismo, na Puskas Arena de Budapeste NICK POTTS / GETTY IMAGES

Em março deste ano, Harry Kane, o capitão da seleção inglesa, revelou que os jogadores tinham-se reunido para discutir a questão dos direitos humanos no Catar. E garantiu que os ingleses irão usar as plataformas ao seu dispor para aumentar a consciencialização sobre o assunto.

“É importante perceber que, antes de tudo, enquanto jogadores, nós não escolhemos onde este Campeonato Mundial vai ter lugar”, disse Kane. “Mas isto acabou por contribuir para lançar o foco sobre questões importantes que poderiam não ter vindo à tona se o Mundial não se realizasse ali.”

Ainda o exemplo de Kaepernick

A equipa inglesa tem sido das que, de forma mais convicta, continua, antes de cada partida, a colocar o “joelho no chão”, num protesto antirracismo criado por Colin Kaepernick. Em 2016, este jogador de futebol americano ajoelhou-se durante a execução do hino dos Estados Unidos, em protesto contra a violência racial no país. O gesto acabou com a carreira do futebolista, mas continua a inspirar desportistas em todo o mundo.

“Tenho a certeza que alguém vai usar o Mundial no Catar para fazer algum tipo de campanha, alguma ação focada na situação dos trabalhadores migrantes, na igualdade, nos direitos das mulheres ou da comunidade LGBTQ”, diz Sparv.

“Estou bastante confiante que alguém diga: ‘Ok, esta é uma grande possibilidade de falarmos sobre estes assuntos, de sermos criativos e fazermos algo acontecer, dentro ou fora do campo, antes ou depois dos jogos’. E os adeptos também têm a possibilidade de desempenhar um papel.”

Tim Sparv abandonou os relvados em dezembro de 2021, aos 34 anos, encerrando uma carreira de quinze anos como futebolista profissional LARS RONBOG / GETTY IMAGES

Sparv acredita no poder da palavra. Além das entrevistas aos órgãos de informação, tem escrito artigos incitando os protagonistas do futebol a não ficarem indiferentes.

Já este ano, deslocou-se ao Catar, numa viagem organizada pela Federação Internacional das Associações de Futebolistas Profissionais (FIFPro), o que lhe possibilitou o contacto com migrantes, deu-lhe um conhecimento mais amplo do problema e conferiu-lhe maior legitimidade para falar.

Como tratar a Rússia?

O finlandês não se mostra partidário do boicote a eventos desportivos realizados em países alvo de algum tipo de desaprovação internacional. Mas aceita que possa haver exceções, e toma como exemplo a invasão russa da Ucrânia.

“Boicotar a Rússia, impedindo-a de participar em eventos desportivos internacionais, é a única coisa a fazer. É um pouco difícil ver como isso afeta os atletas russos individualmente. Eles deviam ter a possibilidade de continuar com as suas carreiras, não usando a bandeira da Rússia, claro. Mas no caso de atletas que apoiem a guerra, façam a apologia de Vladimir Putin ou usem a letra Z, penso que não deverão ter hipótese de participar em competições internacionais.”

Uma bandeira com o “Z” de apoio à invasão russa da Ucrânia é desfraldada durante um jogo do campeonato sérvio ANDREJ ISAKOVIC / AFP / GETTY IMAGES

A agressão da Rússia à Ucrânia levou países vizinhos a recearem passar por igual pesadelo. A Finlândia, em particular, pôs fim à sua neutralidade histórica e pediu adesão à NATO.

Sparv, que vive atualmente em Praga, a capital da República Checa, de onde é natural a companheira, fez a sua parte e entregou as chaves do seu apartamento, na cidade de Vaasa (na costa ocidental), a uma família ucraniana composta por mãe e dois filhos.

“O pai ficou na Ucrânia, mas a família está bem, se é que é possível dizê-lo desta forma. As crianças gostam de futebol, então levei-as a um clube local, em Vaasa. Já estão a praticar e a fazer novos amigos. Para mim, foi uma forma concreta de ajudar alguém. Senti-me mesmo bem.”

(FOTO PRINCIPAL “Direitos humanos”, lê-se nas ‘t-shirts’ da seleção da Alemanha, num jogo de qualificação para o Mundial do Catar TOBIAS SCHWARZ / GETTY IMAGES)

Artigo publicado na “Tribuna Expresso”, a 4 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui