Nasceu numa família secular, mas a Intifada radicalizou-o. O ódio aos árabes tornou o seu partido a terceira força de Israel

Há que recuar uns bons 30 anos para se vislumbrar um raio de esperança no conflito entre israelitas e palestinianos. Em 1993, os Acordos de Oslo prometeram a paz, mas esse desejo não foi unânime. Dois anos depois do histórico aperto de mão entre Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, um jovem israelita era a voz da oposição e surgia, numa reportagem televisiva, a mostrar o símbolo de um Cadillac arrancado à respetiva viatura: “Chegámos ao carro dele, vamos chegar a ele também.”
“Ele” era o primeiro-ministro de Israel. Semanas depois, Rabin seria assassinado por um judeu radical, dentro do carro, após participar num comício pela paz em Telavive. Já o jovem que vaticinara o massacre de Rabin era Itamar Ben-Gvir, que na passada terça-feira foi o grande vencedor das eleições legislativas.
Líder do Poder Judaico, formação de extrema-direita que concorreu integrada na lista do Partido Sionista Religioso, Ben-Gvir foi o motor do forte crescimento deste último, que passou de seis para 14 deputados, tornando-se a terceira maior bancada do Parlamento (Knesset). “Ainda não sou primeiro-ministro”, afirmou na noite eleitoral, em reação à votação histórica na sua aliança. “Mas trabalharei para todo o Israel, até para aqueles que me odeiam.”
No poder e no tribunal
Ben-Gvir é deputado desde 2021, quando Israel levava já dois anos de instabilidade política, com sucessivas eleições a ditarem frágeis Governos. O crescimento do Partido Sionista Religioso permitiu desbloquear o impasse a favor da direita e consagrou o regresso ao poder de Benjamin Netanyahu (Likud, partido mais votado), que está a ser julgado por corrupção. Juntam-se-lhe os partidos ultraortodoxos Shas e Judaísmo Unido da Torá.
A ascensão do partido extremista de Ben-Gvir, que advoga a supremacia judaica num país onde 20% da população é árabe, desencadeou alertas de que um ‘Israel judaico’ está a superiorizar-se ao ‘Israel democrático’. Para esta perceção muito contribui o percurso pessoal e político do chefe.
Nascido a 6 de maio de 1976 em Mevasseret Zion, subúrbio de Jerusalém, numa família secular com origem no Curdistão iraquiano, Ben-Gvir radicalizou-se em tenra idade, com a eclosão da primeira Intifada palestiniana, em 1987. “Houve um assassínio, depois outro, e depois outro, e isso fez-me começar a pensar sobre como resolver a situação”, contou.
“Morte aos árabes”
Aderiu a um movimento associado ao partido ultranacionalista Moledet, que encorajava a “transferência” dos árabes da Cisjordânia e da Faixa de Gaza para outros países da região. O caráter voluntário do processo não agradou a Ben-Gvir, que desertou e aderiu ao Kach, um partido racista fundado pelo rabino norte-americano Meir Kahane, que viria a ser rotulado de organização terrorista em Israel.
Hoje, o Poder Judaico, de Ben-Gvir, define-se como partido kahanista e antiárabe. Pugna pela “expulsão” dos israelitas árabes que não demonstrem lealdade ao país. Terça-feira, apoiantes eufóricos com os votos recebidos fizeram a festa gritando “morte aos árabes” e “morte aos terroristas”, que na sua mundividência são sinónimos.
Em defesa de terroristas
A militância extremista fez com que Ben-Gvir fosse dispensado do serviço militar aos 18 anos. Levou-o também ao banco dos réus dezenas de vezes. Em 2007 foi condenado por incitamento ao racismo. O contacto com a justiça despertou-lhe o interesse por estudar Direito. Como advogado, notabilizou-se na defesa de judeus acusados de terrorismo e crimes de ódio.
Na prática, Ben-Gvir é um ‘soldado’ ao serviço da ocupação israelita da Palestina. Vive no colonato de Kiryat Arba, na sempre tensa Hebron (Cisjordânia), com a mulher e cinco filhos. Pendurada em casa chegou a existir uma foto de Baruch Goldstein, o colono que, em 1994, matou a tiro 29 muçulmanos que oravam no Túmulo dos Patriarcas, em Hebron.
Em 2020 Ben-Gvir retirou a foto para facilitar o diálogo com partidos da direita, renitentes em normalizar a participação política de um homem que glorificava a matança de inocentes. “Tirei a foto de Goldstein para impedir um Governo de esquerda”, diria.
No início deste ano passou a andar com segurança reforçada. Alvo de ameaças de morte, nunca se privou de provocar, como quando visitou o bairro árabe de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, em contexto de violência entre árabes e judeus. E passeou-se na Esplanada das Mesquitas enquanto Israel atacava a Faixa de Gaza.
A eleição desta semana revelou que o ódio que Ben-Gvir irradia lhe vale muita popularidade.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de novembro de 2022. Pode ser consultado aqui e aqui
