Ao sexto dia em funções, o novo Governo de Israel confirmou algum do potencial desestabilizador que se lhe atribui. Itamar Ben-Gvir, porventura o ministro mais polémico do Executivo de Benjamin Netanyahu, fez-se passear pelo Monte do Templo, numa atitude de clara provocação aos palestinianos. A visita do político extremista, novo titular da Segurança Nacional, originou uma condenação generalizada a nível internacional, com um alto responsável da Administração Biden, citado pelo portal israelita “Ynet”, a denunciar uma tentativa de “atiçar o caos”.
Aquele que é o local mais sagrado para os judeus, onde se insere o Muro das Lamentações (único vestígio do antigo Templo de Herodes), é também especial para os muçulmanos, já que se ergue ali a Mesquita de Al-Aqsa, terceiro lugar santo do Islão. Este complexo fica em Jerusalém Oriental, a parte árabe da cidade santa, conquistada por Israel em 1967 e que os palestinianos reivindicam para capital do Estado com que sonham. O potencial explosivo desta disputa levou as partes a aceitarem a custódia da família real hachemita da Jordânia, que reclama linhagem direta do profeta Maomé, sobre nove lugares sagrados na Terra Santa.
Avisos ao Hamas
O Monte do Templo, em concreto, pode ser visitado por crentes das três religiões monoteístas, mas cristãos e judeus devem abster-se de rezar no local. Nos últimos anos, grupos de judeus radicais, por vezes sob proteção policial, têm desafiado esse statu quo. Não há registo que Ben-Gvir o tenha tentado, durante a sua visita de 13 minutos, iniciada cerca das 7h de terça-feira, num período em que a presença de judeus era permitida.
Netanyahu lidera o seu sexto governo, o mais à direita de sempre, com partidos ultraortodoxos e da extrema-direita
“O nosso Governo não se submeterá às ameaças do Hamas [grupo islamita que controla a Faixa de Gaza]. O Monte do Templo é o lugar mais importante para o povo de Israel e mantemos a liberdade de movimento para muçulmanos e cristãos, mas os judeus também subirão ao Monte. Quem fizer ameaças será recebido com punho de ferro”, disse Ben-Gvir.
Não é a primeira vez que o líder do Poder Judaico, partido kahanista (seguidor do rabino Meir Kahane) e antiárabe da extrema-direita, visita a Esplanada das Mesquitas (outro nome do Monte do Templo) em ação provocatória. Já lá tinha ido em março passado, enquanto deputado, com uma “mensagem muito simples”: “Não me vou render e não vou capitular. O Estado de Israel não deve capitular diante de terroristas que estão a tentar matar-nos,” Esta semana foi a primeira vez que o fez enquanto governante e responsável pela polícia.
O rastilho da Intifada
Ben-Gvir teve um percurso fulgurante na política. Entrou no Parlamento em 2021 e nas legislativas do ano seguinte foi o resultado do seu partido que possibilitou a Netanyahu continuar a somar tempo a um recorde que já lhe pertence: é o israelita que mais tempo foi primeiro-ministro. A ser julgado por corrupção, Netanyahu tomou posse a 29 de dezembro como chefe do seu sexto Governo, o mais à direita da história do país. Além do Likud, que lidera, integram a coligação partidos religiosos ultraortodoxos (Shas e Judaismo Unido da Torá) e da extrema-direita (Sionismo Religioso, Poder Judaico e o homofóbico Noam). É apoiado por 64 dos 120 deputados.
O rosto mais mediático desse extremismo é Ben-Gvir, que vive num colonato e tem no currículo defesa de judeus radicais em tribunal e uma condenação por incitamento ao racismo. A sua visita ao Monte do Templo terminou sem incidentes, mas a história do local mostra que, às vezes, à bonança segue-se a tempestade. A 28 de setembro de 2000, o então líder da oposição, Ariel Sharon, passeou-se 45 minutos no local, com forte aparato policial. A violência começou no dia seguinte, sexta-feira, quando as mesquitas palestinianas se encheram para a oração mais importante da semana. Foi o início da Intifada de Al-Aqsa.
(FOTO Frame de um vídeo da visita ao Monte do Templo de Itamar Ben-Gvir, ministro da Segurança Nacional de Israel, a 3 de janeiro de 2023 WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso”, a 6 de janeiro de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui
