Nestas terras as armas não se calam: 20 conflitos no mundo

Guerras, rebeliões internas, violência sectária, nalguns casos desde há décadas, tornam estas duas dezenas de territórios especialmente instáveis

Ronald Reagan levava pouco mais de um ano na Casa Branca quando, num discurso proferido na cerimónia de formatura do Eureka College (Illinois), a 9 de maio de 1982, partilhou o seu conceito de paz: “Não é a ausência de conflito, é a capacidade de lidar com o conflito por meios pacíficos.”

O norte-americano e o soviético Mikhail Gorbatchov seriam os últimos líderes das duas superpotências que ditaram as regras nos anos da Guerra Fria (1947-1991), quando muitos conflitos foram travados por procuração, numa lógica de esferas de influência que partiu o mundo em dois, tornando-o mais previsível do que é hoje.

No atual mapa-mundo da conflitualidade há disputas ativas que se arrastam há décadas, como na Palestina e no Sara Ocidental, em que as iniciativas de paz não germinam.

Em regiões com grande diversidade étnica, como nos Grandes Lagos africanos ou em Mianmar, a perseguição a um povo concreto com o intuito de o apagar da face da Terra — no caso, os tutsis e os rohingyas — prova que o genocídio não é prática do passado.

Ucrânia, caso único no século XXI

Diferendos envolvendo potências nucleares, seja em torno de Caxemira ou Taiwan, seja a propósito do desenvolvimento de programas nucleares nacionais, como nos casos da Coreia do Norte ou do Irão, têm potencial para escalar para um conflito global.

No Médio Oriente, Iémen, Líbia e Síria são atualmente os incêndios mais ativos numa região onde a conflitualidade é endémica. No continente africano, a Somália e a região do Sahel — latitudes especialmente castigadas pela seca — têm sido portos seguros para grupos terroristas.

No território correspondente à ex-União Soviética e à sua antiga zona de influência dois conflitos ameaçam arrastar terceiros para crises maiores: o estatuto do Kosovo e a disputa pelo enclave de Nagorno-Karabakh.

Já a invasão russa da Ucrânia — inicia­da em 2014, no Leste, e visando todo o país desde 24 de fevereiro de 2022 — não encontra paralelo no século XXI: o ataque de um Estado soberano a outro com o intuito de o controlar.

1. CAXEMIRA

Esta é uma ferida aberta pela partição da Índia britânica, há mais de 70 anos. Situada nos Himalaias, esta região estende-se pela Índia, Paquistão e China. A área administrada pela Índia é problemática, já que é a única região daquele país predominantemente hindu onde a maioria da população é muçulmana. A dinâmica separatista e o facto de ser fonte de abastecimento hídrico à Índia e Paquistão já originou três guerras. Quando a tensão cresce, o mundo fica à beira de um ataque de nervos. Frente a frente estão potências nucleares que encaram Caxemira como um jogo de soma zero: quem a controlar representa uma ameaça existencial à outra.

2. MIANMAR

O Estado reconhece a existência de 135 grupos étnicos. Os rohingyas não só estão excluídos da lista como são alvo de uma campanha de genocídio. Os problemas no país remontam à emancipação da então Birmânia do Reino Unido (1948), tiro de partida para grupos étnicos se lançarem na luta pela autodeterminação — até hoje. A 1 de fevereiro de 2021 a conflitualidade ganhou nova expressão: os militares depuseram o Governo da Nobel da Paz Aung San Suu Kyi (ele próprio fruto de débil tentativa de democratização após décadas de ditadura) e tomaram o poder. Grupos civis pegaram em armas.

3. TAIWAN

Situada a uma distância média de 180 quilómetros da costa chinesa, a ilha, também designada por Formosa ou China Nacionalista, é um país reconhecido por 12 outros. Para a China Popular, a pretensão independentista da sua província rebelde dificulta a implantação da revolução maoista em todo o território chinês e ameaça o projeto político da ‘China única’. Para o outro gigante geopolítico do Pacífico — os Estados Unidos —, apoiar Taiwan é uma forma de fragilizar Pequim. A perspetiva de conflito aberto em redor de Taiwan é uma grande ameaça à paz mundial.

4. COREIAS

A península da Coreia foi um dos palcos da Guerra Fria, com os territórios a norte e a sul do paralelo 38 a travarem uma guerra (1950-1953) apoiados, cada qual, por uma superpotência. Com a necessidade de assinar formalmente a paz entre as duas Coreias (que apenas celebraram um armistício) e com o sonho da reunificação como cenário, cimeiras ao mais alto nível foram pontuando períodos de desanuviamento, em especial na era Donald Trump, com seis cimeiras em 14 meses, envolvendo Coreia do Norte, Coreia do Sul e Estados Unidos. A falta de resultados práticos levou Pyongyang a retomar os testes com mísseis balísticos. Este mês, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, ordenou a intensificação dos preparativos para a guerra.

5. CHINA-ÍNDIA

Há quem diga que China e Índia só ainda não se envolveram numa guerra maior entre ambas porque têm no meio os Himalaias, a cordilheira montanhosa mais alta do mundo. Ao longo de mais de quatro mil quilómetros de comprimento da Linha de Controlo Real, a fronteira entre os dois países mais populosos do mundo, disputas territoriais não-contíguas contribuem para uma tensão permanente. Para minimizar consequências apocalípticas, já que em causa estão os exércitos com mais efetivos no ativo do mundo e com acesso a armas nucleares, um protocolo sino-indiano de 1996 determina que os contingentes militares ali destacados não usem armas de fogo.

6. PALESTINA

O sonho de um Estado independente, traçado pelas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias (1967) — na qual Israel conquistou os territórios palestinianos da Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental —, é cada vez menos exequível. Em Israel, o novo Governo, composto por partidos de direita, extrema-direita e religiosos ultraortodoxos, prometeu intensificar a ocupação. Já no seio da Autoridade Palestiniana, a gerontocracia e a corrupção não garantem ao povo uma liderança credível para resolver um problema que dura há gerações. Na ausência de um processo de paz digno desse nome, a luta transfere-se cada vez mais para as ruas.

7. FILIPINAS

Há mais de 50 anos que este arquipélago, formado por cerca de 7640 ilhas, é fustigado por conflitos sectários, muitas vezes em paralelo. Entre os mais duradouros estão a insurgência islamita Moro, na ilha de Mindanau, e a rebelião comunista contra o poder central deste país esmagadoramente católico. Desde 2014, vários grupos locais declararam lealdade ao autoproclamado Estado Islâmico (Daesh). Ainda que, pontualmente, sejam celebrados acordos de paz parciais, há sempre focos de guerra ativos.

8. MAR DO SUL DA CHINA

O maior e o mais fundo dos oceanos só é pacífico no nome. Num dos seus mares, o mar do Sul da China, mais de 15 mil ilhas, atóis, bancos de areia e recifes, na maioria desabitados, alimentam disputas territoriais entre países circundantes. Desde que, em 1974, China e Vietname do Sul ocuparam partes distintas das ilhas Paracel, sucederam-se vários outros incidentes. Nos últimos anos a tensão tem-se intensificado com a crescente importância da região enquanto rota comercial e jazida de reservas de petróleo e gás.

9. SARA OCIDENTAL

Em 1976, a retirada de Espanha da sua última colónia em África deu alento ao sonho de independência do povo sarauí. Em nome desse desígnio, a Frente Polisário pegou em armas para defender a autoproclamada República Árabe Sarauí Democrática (RASD) e expulsar Marrocos, que avançara militarmente sobre o território em 1975. Em 1991, a promessa das Nações Unidas de que seria realizado um referendo à autodeterminação do Sara Ocidental levou ao congelamento das hostilidades durante 29 anos. Essa demora, bem como o sentimento de abandono dos sarauís (até Espanha passou a alinhar com Rabat), levou ao fim da trégua no final de 2020.

10. IRÃO

A ambição nuclear do Irão é mais antiga do que a República Islâmica, instituída em 1979. Mas foi só após os ayatollahs tomarem o poder — e Irão e Estados Unidos cortarem relações — que o programa nuclear se tornou um problema internacional, fruto de uma desconfiança generalizada em relação às reais intenções do regime de Teerão. O acordo de 2015, envolvendo sete países, desanuviou, mas os Estados Unidos retiraram-se dele e a tensão voltou a ser a regra.

11. NAGORNO-KARABAKH

Na região do Cáucaso, Azerbaijão e Arménia, antigas repúblicas da União Soviética, disputam há décadas o controlo de um pequeno enclave montanhoso. De maioria arménia, Nagorno-Karabakh é internacionalmente reconhecido como território de soberania azeri. Na prática, quem o administra é, em parte, a autoproclamada República Artsaque, apoiada pela Arménia. Esta disputa — que tem a Rússia ao lado dos arménios e a Turquia em apoio aos azeris — já originou duas guerras.

12. SOMÁLIA

Vive em guerra civil desde 1991, quando o ditador Mohamed Siad Barre foi deposto e vários clãs aproveitaram o vazio de poder para se guerrearem. Parte do território, a Somalilândia, declarou a sua independência logo em 1991. Anos depois, foi a Puntlândia a declarar-se autónoma. Território fragmentado, berço do grupo terrorista Al-Shabaab e porto seguro para a pirataria, a Somália é um desafio à vida.

13. GRANDES LAGOS

Do maior para o mais pequeno, Vitória, Tanganica, Niassa, Turcana, Alberto, Kivu e Eduardo são os sete grandes lagos que dão nome a uma vasta área do Centro, Leste e Sul de África. Abundante em recursos minerais, a região põe em contacto 10 países e múltiplas sensibilidades étnicas. Em 1994, o genocídio dos tutsis no Ruanda forçou milhões de pessoas a fugirem para países vizinhos. Hoje, muita da instabilidade na República Democrática do Congo — o segundo maior país africano — decorre dos êxodos humanos gerados por guerras passadas.

14. SAHEL

A sul do Sara, este corredor semiárido que atravessa África de costa a costa é das regiões mais vulneráveis do continente. Porto de abrigo de grupos islamitas desde a guerra civil na Argélia (1991-2002), o Sahel tem hoje uma dinâmica jiadista alimentada pelas grandes constelações terroristas (Al-Qaeda e Daesh). O cancelamento do mítico Rali Dacar, em 2008, durante a rebelião tuaregue, foi o despertar mediático para os problemas na região. Nos últimos anos o epicentro das crises tem passado de país para país. Em novembro, França deu por terminada uma presença militar permanente nesta zona francófona. Já a influência da Rússia está a crescer.

15. KOSOVO

Desde que declarou unilateralmente a independência, há 15 anos, esta antiga província sérvia de maioria albanesa tem em mãos a batalha da estabilidade. No Norte do país, uma minoria de sérvios kosovares recusa-se a obedecer a Pristina e mantém-se leal a Belgrado. A falta de acordo com a Sérvia mina também o reconhecimento internacional do Kosovo, que ainda não conseguiu tornar-se membro das Nações Unidas.

16. LÍBIA

O movimento da Primavera Árabe tornou-se um inverno rigoroso nesta antiga colónia italiana, com o ditador Muammar Kadhafi executado na rua, em 2011, ao fim de 32 anos de tirania, e o país tomado pela lei das milícias. Doze anos depois a Líbia está refém de dois poderes políticos em competição pelo controlo do país: um com sede em Trípoli, reconhecido pela ONU e apoiado pela Turquia, Catar e Itália; outro sediado no Leste do país, endossado pela Rússia, Egito, Emirados Árabes Unidos e França.

17. SÍRIA

Nos últimos 12 anos, a guerra — que originou o maior êxodo humano desde a II Guerra Mundial —, a corrupção, as sanções, o colapso financeiro do vizinho Líbano, a pandemia e a invasão da Ucrânia originaram “uma crise gémea — humanitária e económica — de proporções épicas”, alertou recentemente Geir O. Pedersen, enviado da ONU para a Síria. A análise não contabilizava ainda os trágicos terramotos de 6 de fevereiro. Uma das zonas mais atingidas foi Idlib (Noroeste), o último reduto da oposição a Bashar al-Assad.

18. UCRÂNIA

A invasão russa da Ucrânia ocorreu… há oito anos. Com manifestações pró-europeias nas ruas (movimento Euromaidan) e a recusa do Presidente (pró-russo) em assinar um acordo de associação com a UE, a corda quebrou para o lado de Viktor Yanukovych, que foi deposto em fevereiro de 2014. A reação da Rússia aconteceria semanas depois, com a chegada de forças pró-Moscovo à península da Crimeia, que acabaria por ser anexada. Em paralelo, o Kremlin não poupou no apoio a forças separatistas pró-russas no Leste da Ucrânia. Desde então, não mais as armas se calaram na região do Donbas. A 24 de fevereiro de 2022, Vladimir Putin — para quem a desintegração da URSS foi uma catástrofe geopolítica — insistiu na inversão do rumo da História: ao invadir a Ucrânia, quis abortar a aproximação ucraniana à UE e recuperar a influência russa no antigo espaço soviético.

19. IÉMEN

Desde que Norte e Sul se reunificaram (1990) que a união sempre foi uma miragem. O conflito mais recente remonta a 2014, quando os huthis (xiitas), sediados no Noroeste, avançaram sobre Saná e tomaram o poder. Aliados do Irão e vizinhos da Arábia Saudita, o Iémen é uma peça no xadrez das rivalidades regionais. Desde março de 2015 uma coligação de países liderada pelos sauditas bombardeia o Iémen visando o fim da era huthi. Tudo se passa num dos países mais pobres, com dinâmicas separatistas e a Al-Qaeda ativa.

20. ETIÓPIA

O segundo país africano mais populoso, onde vivem 80 grupos étnicos, tenta cicatrizar as feridas abertas por uma guerra recente, em que um dos beligerantes foi liderado por um Nobel da Paz: Abiy Ahmed Ali, primeiro-ministro etíope. Vigora há três meses uma trégua que pôs fim ao conflito no Norte, entre uma coligação de exércitos e milícias leais ao Governo e a Frente de Libertação do Povo do Tigray. Segundo o ex-Presidente nigeriano Olusegun Obasanjo, enviado da União Africana, a guerra fez cerca de 600 mil mortos.

NÚMEROS

103.000.000

de pessoas foram forçadas a fugir de casa em todo o mundo. Mais de metade vive no seu país (deslocados internos)

32.500.000

era o número de refugiados no mundo em meados de 2022, diz a ONU. A Síria é o principal país de origem, a Turquia o que mais acolhe

Artigo publicado no “Expresso”, a 24 de fevereiro de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

Pequenos territórios, grandes problemas: conheça cinco pedaços de terra que podem ser rastilhos de grandes guerras

Os países não se medem aos palmos e estes cinco territórios, em particular, são prova disso. Mais pequenos do que Portugal, Kosovo — que esta sexta-feira assinala 15 anos de independência unilateralmente declarada —, Taiwan, Caxemira, Nagorno-Karabakh e Faixa de Gaza têm potencial para originar grandes conflitos e contagiar outros países para guerras de consequências imprevisíveis

Se a dimensão de um país é um ativo que pode ser usado para projetar poder e influência, não se pode aferir com igual imediatismo o impacto que isso tem ao nível da conflitualidade. No atual mapa geopolítico do mundo, algumas das disputas com maior potencial explosivo estão localizadas em territórios pequenos. São exemplos disso o Kosovo, Taiwan, Caxemira, Nagorno-Karabakh e a Faixa de Gaza.

Somada, a área de todos corresponde sensivelmente ao tamanho de Portugal. Mas se, ano após ano, o retângulo luso tem posição garantida nos primeiros lugares do Índice Global de Paz, estes cinco territórios têm capacidade para deixar o mundo à beira de um ataque de nervos.

KOSOVO

Ferida aberta nos Balcãs

O segundo país mais jovem do mundo — só mais velho do que o Sudão do Sul — faz esta sexta-feira 15 anos. O Kosovo nasceu de parto difícil, na sequência do desmembramento da Jugoslávia, em 1991, que originou várias guerras e bombardeamentos da NATO durante 78 dias, justificados com a urgência em estancar a repressão das forças sérvias à população do Kosovo.

Antiga província da Sérvia (cristã ortodoxa) de maioria albanesa (muçulmana), o Kosovo é para os sérvios a terra de origem da sua nacionalidade. Essa circunstância está na origem da tensão que ainda hoje se vive neste território com menos de dois milhões de habitantes.

Concentrada sobretudo no norte, uma minoria sérvia de cerca de 50 mil pessoas é um desafio à estabilidade do país. Declara-se leal às autoridades de Belgrado e não acata ordens do Governo de Pristina.

No mais recente braço de ferro, os sérvios kosovares recusaram-se a alterar as placas de matrícula dos seus carros — que têm letras correspondentes às cidades onde vivem (KM para Kosovska Mitrovica, por exemplo) — para as letras RKS (República do Kosovo). A tensão levou a Sérvia a colocar as suas forças em alerta máximo de prontidão para combate, em dezembro passado.

Presente no território desde 1999, uma missão da NATO (KFOR) é garantia de segurança, ainda que transforme o Kosovo numa espécie de protetorado, limitado na sua afirmação internacional.

A nível diplomático, o reconhecimento enquanto Estado soberano marca passo. Entre outros, Rússia e China (membros permanentes do Conselho de Segurança) e também cinco países da União Europeia, um deles Espanha, negam-lhe esse estatuto. Por essa razão, o Kosovo ainda não conseguiu aderir às Nações Unidas.

TAIWAN

Barril de pólvora no Pacífico

Também chamada China Nacionalista, Taipé ou Formosa, a República da China (nome formal de Taiwan) é garante de águas agitadas no Oceano Pacífico. Situada a uma distância média de 180 quilómetros da costa da República Popular da China, é um Estado soberano reconhecido por 12 países e pela Santa Sé (Vaticano).

Esta ilha — onde vivem cerca de 24 milhões de pessoas — está no epicentro da disputa entre China e Estados Unidos pelo domínio da região da Ásia-Pacífico.

Para Pequim, a pretensão independentista da sua província rebelde — como lhe chama desde que os nacionalistas se retiraram para a ilha, em 1949, após serem derrotados na guerra civil contra os comunistas — representa uma alternativa ao projeto político da China Única. É também um entrave à implantação da revolução maoísta em todo o território chinês, na lógica que já se estendeu a Hong Kong (com contestação visível nas ruas) e Macau.

Para os Estados Unidos, o outro gigante geopolítico da região do Pacífico, apoiar Taiwan é forma fragilizar o grande rival. Outrora um dos quatro “tigres asiáticos”, esta democracia é hoje a 21ª economia mais desenvolvida do mundo, numa classificação em que Portugal ocupa o 50º lugar.

De tempos a tempos, as incursões aéreas de caças chineses na área de defesa de Taiwan, bem como a visita de altos responsáveis políticos norte-americanos à ilha — caso da então presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, em agosto passado — soam a provocação e fazem disparar alertas.

A perspetiva de conflito aberto levou as autoridades de Taiwan a aumentarem o tempo de serviço militar obrigatório de quatro meses para um ano, a partir de 2024. Uma guerra em torno da ilha que lidera a produção mundial de chips para tecnologia civil e militar implicaria duas potências militares e nucleares, numa grande ameaça à paz mundial.

CAXEMIRA

Cobiçada por potências nucleares

Índia, Paquistão e China partilham entre si partes do território da Caxemira, nos Himalaias. No respeito pela Linha de Controlo, que funciona como fronteira, a Índia controla 45% da região, o Paquistão 35% e a China 20%.

Os problemas que fazem soar alarmes em todo o mundo estão localizados na área administrada pela Índia. Este é um país de maioria hindu e Caxemira, a sua região mais setentrional e uma barreira natural a infiltrações exteriores, é a única de maioria muçulmana.

A origem da disputa remonta a 1947, ano da partição da Índia Britânica. A Índia alega que a Caxemira lhe pertence por ter sido parte integrante dos estados governados por marajás. O Paquistão diz que é a população que deve decidir em referendo. Estima-se que estejam ativos no território cerca de 300 militantes armados, num desafio à autoridade de Nova Deli sobre a região.

A dinâmica separatista da região, bem como o facto de ser um depósito de água dos glaciares e principal fonte de abastecimento hídrico de Índia e Paquistão, já originou três guerras (1947, 1965, 1999) entre o país do Mahatma Gandhi (1400 milhões de habitantes) e o de Malala Yousafzai (230 milhões). Direta ou indiretamente, tiveram origem na disputa pela Caxemira.

Frente a frente estão duas potências nucleares, não signatárias do Tratado de Não Proliferação Nuclear, em vigor desde 1970. Para indianos e paquistaneses, a disputa por Caxemira é um jogo de soma zero: quem a controlar representa uma ameaça existencial ao inimigo. Se é verdade que o Paquistão está muito exposto a tudo o que acontece no Afeganistão, é a rivalidade com a Índia que mais consome a república islâmica.

NAGORNO-KARABAKH

O calcanhar do Cáucaso

É uma disputa que se trava no interior do antigo território da União Soviética e que já era foco de conflito antes da desintegração da mesma. Na zona do Cáucaso, Azerbaijão e Arménia já se envolveram em duas guerras pelo controlo do enclave montanhoso de Nagorno-Karabakh, a última das quais em 2020 (a primeira em 1988 e durou mais de seis anos).

Com população de maioria arménia, este pedaço de terra é reconhecido internacionalmente como parte integrante do Azerbaijão, ainda que na prática seja governado, em parte, por uma entidade apoiada pela Arménia.

A República Artsaque declarou a independência em 1992, sendo reconhecida enquanto tal por três outras repúblicas separatistas, elas próprias com deficiente reconhecimento internacional: as georgianas Abecásia e Ossétia do Sul e a moldava Transnístria, todas elas criadas a partir de declarações de secessão auspiciadas por Moscovo (consulte aqui informação sobre os símbolos nacionais deste “país”.)

Na ausência de um tratado de paz permanente, as tréguas são violadas regularmente. Sempre que as hostilidades se reacendem, dois grandes países entram em cena, em apoio de cada uma das partes: a Rússia ao lado da Arménia (ambas cristãs ortodoxas) e a muçulmana sunita Turquia em apoio do Azerbaijão xiita.

Em 1992, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) — a mais abrangente das associações europeias, com 57 países — formou o Grupo de Minsk, para discutir uma solução para o problema. Presidido por França, Rússia e Estados Unidos, não são de esperar progressos enquanto durar a guerra da Ucrânia.

FAIXA DE GAZA

Prisão a céu aberto

Quem vive neste território palestiniano junto ao Mediterrâneo — conquistado por Israel na Guerra dos Seis Dias, em 1967, e devolvido à Autoridade Palestiniana em 2005 — não tem muito por onde fugir. Desde 2007 que as fronteiras da Faixa de Gaza, terrestres, aéreas e marítimas, são objeto de controlo absoluto por parte de Israel e do Egito.

Essa camisa de forças, em que vivem cerca de dois milhões de palestinianos, num retângulo de 40 quilómetros de comprimento por 12 de largura, foi a resposta de Israel a dois anos de grande agitação no território, que se explica em três datas:

  • a 22 de agosto de 2005, Israel retirou-se definitivamente de Gaza após desmantelar os colonatos judeus;
  • a 25 de janeiro de 2006, o movimento islamita Hamas venceu as eleições legislativas palestinianas (as últimas que se realizaram);
  • a 15 de junho de 2007, o Hamas tomou o poder em Gaza pela força.

A liderança bicéfala palestiniana — com a Autoridade Palestiniana a controlar a Cisjordânia e o Hamas na Faixa de Gaza — e a falta de diálogo entre ambos, a que acrescem gerontocracia e corrupção, contribuem mais para o problema do que para a solução.

Em paralelo, as frequentes incursões militares israelitas em Gaza condenam quem lá vive a um quotidiano de frustração, pobreza e violência. Nos últimos 15 anos, foram quatro de grande impacto (2008, 2012, 2014 e 2021).

No seu livro “The Ethnic Cleansing of Palestine” (A limpeza étnica da Palestina), o historiador israelita llan Pappé qualificou a “guetização” de Gaza de forma de “apartheid”. O termo é forte, remontando ao regime racista e segregacionista da África do Sul (1948-91), mas não parece mobilizar. A disputa em torno da Palestina é das mais antigas do mundo mas, não obstante, das que mais têm caído no caixote da indiferença e do esquecimento.

(INFOGRAFIAS JAIME FIGUEIREDO)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de fevereiro de 2023. Pode ser consultado aqui

Nicarágua libertou 222 presos políticos. Para o regime do casal Ortega, foram “deportados traidores”

Um grupo de 222 políticos, jornalistas, religiosos e personalidades da sociedade civil da Nicarágua, críticos do regime liderado pelo ex-guerrilheiro sandinista Daniel Ortega, foi libertado de forma inesperada. Abertas as portas da prisão, entraram num avião e seguiram para os Estados Unidos. São “traidores à pátria”, defendem os apoiantes do Presidente. “Vão para o exílio, mas vão para a liberdade”, regozijou-se um escritor nicaraguense, também ele crítico do regime

O governo ditatorial da Nicarágua, liderado pelo casal Ortega, abriu as portas da cadeia, esta quinta-feira, a 222 presos políticos. Ainda de mandrugada, estes partiram de Manágua, num voo charter organizado pelo governo dos Estados Unidos, e foram transportados para o Aeroporto Internacional de Dulles, nas imediações de Washington DC.

A decisão afetou antigos candidatos presidenciais e governantes, como o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Francisco Aguirre-Sacasa, personalidades da sociedade civil, jornalistas e membros da Igreja Católica, todos eles críticos do regime liderado, desde 2007, pelo ex-guerrilheiro Daniel Ortega que tem como vice-presidente, desde 2017, a sua mulher, Rosario Murillo.

Alguns dos presos políticos estavam dispersos por vários estabelecimentos prisionais do país, outros viviam em regime de prisão domiciliária. Foram detidos na sequência dos violentos protestos antigovernamentais de 2018.

“Um grande dia para a luta pela liberdade”

Para além de assistência médica e legal, escreve a agência Reuters que terão ajuda do Departamento de Estado norte-americano para se reunirem com familiares que já vivem em solo americano, muitos deles fugidos a vagas repressivas anteriores.

“Hoje é um grande dia para a luta pela liberdade na Nicarágua, ao saírem das prisões tantos prisioneiros condenados ou processados injustamente, prisões onde nunca deveriam ter estado. Vão para o exílio, mas vão para a liberdade”, regozijou-se, no Twitter, o escritor nicaraguense Sérgio Ramirez, Prémio Cervantes 2017 e, ele próprio, um crítico do regime.

A publicação “El 19 Digital”, afeta ao movimento sandinista, de que emana o partido do Presidente Ortega, escreve que as pessoas que saíram em liberdade são “traidores à pátria”, que foram condenadas “pela prática de atos atentatórios à independência, soberania e autodeterminação do povo, por incitação à violência, ao terrorismo e à desestabilização económica”.

Alvo ao ouro

O diário britânico “The Guardian” escreve que esta libertação massiva é “uma forma de sinalizar o desejo de relançar relações com os Estados Unidos”.

Na sequência da demonstração de nepotismo do regime Ortega-Murillo e da repressão à dissidência, a Administração Biden impôs sanções económicas que visaram diretamente o sector do ouro — o principal produto de exportação da Nicarágua. Estatísticas do Banco Central do país revelam que, em 2021, 79% das vendas de ouro tiveram como destino os Estados Unidos.

Para além da governação autocrática, nos últimos anos a Nicarágua tem sido notícia por ser um dos países de origem das caravanas de migrantes que partem a pé rumo ao “el dorado” norte-americano. E, no contexto da invasão russa da Ucrânia, Daniel Ortega foi dos primeiros países a sair em defesa de Vladimir Putin.

(IMAGEM WIKIPEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 9 de fevereiro de 2023. Pode ser consultado aqui