Polémica reforma do sistema judicial começou a ganhar forma

O Parlamento de Israel aprovou uma lei que retira poder ao Supremo Tribunal. Trata-se do primeiro diploma de uma ampla reforma judicial que o Governo de Benjamin Netanyahu quer levar avante. Este fim de semana, pela 30.ª semana consecutiva, sai à rua mais uma manifestação de protesto

Manifestação contra a reforma judicial proposta pelo Governo de Benjamin Netanyahu OREN ROZEN / WIKIMEDIA COMMONS

Por estes dias, há uma piada em Israel que traduz o estado de espírito de muitos cidadãos. Dois israelitas encontram-se e um deles pergunta: “Numa palavra, como te sentes?” O outro responde: “Bem!” O primeiro insiste: “E como te sentes em duas palavras?” “Nada bem!” Este diálogo é uma caricatura da confusão que assaltou muitas pessoas. Nos últimos anos, a sociedade polarizou-se a um nível sem precedentes — confirmado pela realização de cinco eleições legislativas em quatro anos — e, mais recentemente, um projeto de reforma judicial pôs os nervos à flor da pele de muita gente no país.

“Há uma enorme tensão entre as pessoas”, diz ao Expresso o advogado israelita Itay Mor, desde Telavive. “Se uma pessoa de esquerda conversa com outra de direita, começam a discutir com muita facilidade. É uma situação muito inflamável.”

Esta semana, o Governo de Benjamin Netanyahu averbou uma importante vitória na sua intenção de alterar o funcionamento da justiça ao ver o Parlamento (Knesset) aprovar um projeto de lei que limita a possibilidade do Supremo Tribunal recorrer à “doutrina da razoabilidade” para bloquear decisões governamentais que considere serem implausíveis.

Democracia sobrevive

“Na prática, a nova legislação reduz significativamente a capacidade do Supremo Tribunal de fiscalizar as decisões tomadas pelo Governo. Mas o Supremo tem outros recursos para desqualificar decisões governamentais”, diz ao Expresso Tamar Hermann, investigadora no Instituto de Democracia de Israel. “Embora o ambiente esteja muito dramático, não significa que o Supremo não tenha forma de controlar o Governo. Esta decisão é importante, mas não é crítica para o modelo de democracia israelita.”

A prerrogativa da razoabilidade não é um instrumento ao qual o Supremo recorra com frequência. Tornou-se um assunto sensível no início do ano, após o tribunal invalidar a nomeação de Aryeh Deri, líder do partido ultraortodoxo Shas e aliado antigo de Netanyahu, para ministro do Interior e da Saúde, invocando precisamente o critério da razoabilidade. Deri tinha sido condenado na justiça por crimes fiscais e estava em liberdade condicional ao abrigo de um acordo judicial.

Itay Mor diz que a prerrogativa da razoabilidade “não depende de critérios objetivos, mas apenas de subjetivos. Depende apenas do ponto de vista do juiz que, num dia, diz que vai ajudar as minorias e noutro decide que não”, afirma. “O Supremo tem autoridade, mas não tem responsabilidade. E o Governo tem responsabilidade, mas não tem autoridade. É uma distorção.”

Após a votação no Knesset — viabilizada pelos 64 deputados da maioria e boicotada pela oposição —, várias petições deram entrada no Supremo pedindo o bloqueio da lei. O órgão agendou o debate para setembro, mas rejeitou bloqueá-la até lá.

Outra possibilidade de estancar o processo seria o Presidente Isaac Herzog, que pugnou até à última por adiar a votação, não assinar o diploma. Não é expectável que o faça. O seu antecessor, Reuven Rivlin, passou por uma situação semelhante: opôs-se a outro diploma controverso, a Lei do Estado-Nação (2018), mas acabou por assiná-lo, aproveitando o momento para fazer um gesto de protesto. Decretando essa lei que Israel — onde cerca de 20% da população são árabes — “é o Estado-nação do povo judeu” e que “o hebraico é a língua do Estado”, secundarizando a língua árabe, Rivlin assinou a lei escrita… em árabe.

Esta semana, na véspera da votação, o ex-Presidente discursou num protesto antigovernamental em Jerusalém: “Temos 24 horas para salvar o nosso maravilhoso país.”

Mais debates após as férias

Para o Governo, o processo é como fatiar um salame: o primeiro pedaço foi cortado esta semana, outros seguir-se-ão. O Knesset vai agora de férias e só após o verão haverá mais debates — previsivelmente sem acordo entre maioria e oposição — e novas votações.

Nas ruas e nas fileiras da oposição, a reforma judicial é um ataque à democracia num país que tem uma estrutura constitucional única. Israel é uma democracia parlamentar, onde o Presidente não pode vetar leis e o Parlamento é unicameral. Não existe uma estrutura federal nem um sistema eleitoral regional. O país não tem uma Constituição rígida, mas antes Leis Básicas, algumas das quais podem ser alteradas por maioria simples no Knesset. O Supremo Tribunal é o único contrapeso ao poder executivo.

Para os defensores da reforma, há também um problema de representatividade. Dizem que o órgão está nas mãos de uma elite homogénea e que os 15 juízes não representam os diferentes sectores da sociedade. Filho de imigrantes marroquinos, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Eli Cohen, defendeu que alguém com antecedentes semelhantes ao seus seria excluído do Supremo “porque somente pertencendo a uma certa panelinha é possível ser-se nomeado”.

Tamar Hermann admite a necessidade de mudanças, “mas feitas com base num consenso e não de uma forma que afaste grande parte do povo. Estar nas mãos de uma elite não significa ser um esquema. Isto foi um desenvolvimento histórico. E durante muitos anos, o Supremo não aceitou críticas. Não nego que alguns aspetos devam ser revistos, mas não da forma brutal como este Governo está a fazer”.

Artigo publicado no “Expresso”, a 28 de julho de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui

Polémica reforma da justiça averbou a primeira vitória, num país “tenso” e “inflamável”

A aprovação, no Parlamento de Israel, de uma lei que retira poderes ao Supremo Tribunal foi acompanhada por protestos nas ruas e motivou que, esta terça-feira, vários jornais tenham assumido o luto e pintado as capas de negro. Ao Expresso, um advogado israelita explica o que está em causa e alerta para “uma distorção” no centro do problema: “O Supremo Tribunal tem autoridade, mas não tem responsabilidade. O Governo tem responsabilidade, mas não tem autoridade”

ILUSTRAÇÃO DAILY SABAH

Do Parlamento para os tribunais. É na justiça que, em Israel, agora se trava uma batalha para tentar reverter um polémico projeto de lei aprovado no Parlamento (Knesset). Menos de 24 horas após ser viabilizado, pelo menos três petições deram entrada no Supremo Tribunal com o intuito de bloquear a nova legislação que limita os poderes… do Supremo Tribunal.

As petições foram apresentadas por organizações da sociedade civil. Yair Lapid, o líder da oposição, já fez saber que tenciona seguir pelo mesmo caminho nos próximos dias.

A possibilidade do Supremo reverter uma decisão que o visa diretamente “é uma loucura”, comenta ao Expresso o advogado israelita Itay Mor, desde Telavive. “O Parlamento tomou uma decisão que afeta o sistema judicial. Então o sistema judicial não gosta e vai anular essa decisão. Em qualquer democracia equilibrada, há uma regra básica: o governo do povo. O povo, a maioria, é quem manda. Escolhe os seus representantes no Parlamento e o Parlamento escolhe o governo. E o sistema judicial é eleito de diferentes formas pelas duas autoridades. Se o sistema judicial anular a decisão do Parlamento, está a anular o povo.”

Após 29 semanas de grandes protestos populares nunca antes vistos em Israel, e 30 horas de debate no Knesset, a maioria que apoia o Governo liderado por Benjamin Netanyahu, o mais à direita de sempre em 75 anos de vida do país, aprovou um diploma que limita a possibilidade do Supremo recorrer à “doutrina da razoabilidade” para bloquear decisões do Governo que considere serem irracionais ou implausíveis.

O advogado não partilha da reação dramática que se observa nas ruas de muitas cidades de Israel, nem tão pouco das análises que projetam nesta legislação uma ameaça à separação de poderes ou até o princípio do fim da democracia em Israel. “O voto foi contra decisões que não são razoáveis pelo sistema judicial”, diz, acrescentando que a prerrogativa da razoabilidade não é clara.

“Não depende de métodos objetivos, mas apenas de subjetivos. Depende apenas do ponto de vista e da perspetiva do juiz. Num dia, um juiz decide que vai ajudar as minorias e noutro decide que não. É este basicamente o problema”, explica. “O Supremo tem a autoridade, mas não tem a responsabilidade. E o Governo tem a responsabilidade, mas não tem a autoridade. É uma distorção.”

Supremo Tribunal tem mais armas

Itay Mor salienta ainda que o Supremo dispõe de mais sete critérios para desqualificar uma decisão governamental: se uma determinada decisão violar a lei, se for contrária à ideia de igualdade ou se não for equilibrada. “Por exemplo, se um membro de uma minoria cometer um crime e o Governo decidir que todos os membros dessa minoria vão para a cadeia.”

O diploma foi viabilizado pelos 64 deputados da maioria (eleitos nas fileiras de partidos de direita, da extrema-direita e religiosos), tendo os membros afetos à oposição abandonado o hemiciclo na hora do voto.

A importância desta votação ficou patente no facto de o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ter participado dos trabalhos escassas horas após ter estado internado para colocação de um pacemaker. Foi no hospital que, no domingo, o Presidente do país, Isaac Herzog, se reuniu com o chefe do Governo, de 73 anos, para tentar, sem sucesso, um adiamento por 15 meses.

“Esta votação é importante não pelas suas implicações legais, mas antes sociais. A situação social em Israel é muito tensa”, diz Itay Mor. “Não conheço pessoalmente Netanyahu, mas creio que ele entende a importância social deste voto. Não temos de gostar dele, mas devemos respeitá-lo porque é um profissional e faz o que pode.”

O Supremo Tribunal de Israel é composto por 15 juízes que são escolhidos por um Comité de Seleção Judicial. Este integra três juízes do próprio Supremo (um deles o presidente), o ministro da Justiça e outro membro do Governo, dois deputados (da oposição) e dois representantes da Ordem dos Advogados. Nove membros no total, sendo que apenas quatro foram eleitos pelo povo.

“O povo de Israel não escolhe diretamente os juízes, que têm muito poder para tomar decisões cruciais. A prerrogativa da razoabilidade não é o único problema no sistema judiciário, mas é uma das ferramentas que o Supremo usa para desqualificar decisões do Governo sem obter o consentimento do Parlamento, que representa o povo”, diz o jurista. “Atualmente, em Israel, o sistema judicial tem muito mais poder do que o Parlamento e o Governo. E ninguém pode criticá-lo.”

Da elite e de esquerda

Mor diz que há uma grande discussão no país sobre a origem dos juízes e a representatividade “quase homogénea” no Supremo Tribunal de Israel. “Não há diversidade, não há juízes de diferentes áreas ou minorias da sociedade. Os juízes do Supremo representam uma percentagem muito pequena da elite da sociedade israelita. E isso é algo que a coligação governamental quer mudar para dar mais poder, no processo de eleição dos juízes, às forças políticas. Mas isso é na eleição, porque, uma vez eleitos, os juízes são totalmente independentes.”

Há também uma leitura política a fazer. “Em Israel, o Supremo Tribunal tende a ter uma abordagem mais de esquerda. Por isso, quando a esquerda não está no governo, tem o Supremo.”

O projeto de lei aprovado na segunda-feira foi apenas o primeiro de uma reforma judicial mais ampla que o Governo espera levar a cabo. “Numa jogada extraordinária, demos o primeiro passo do histórico processo de correção do sistema judicial e restituição dos poderes retirados ao Governo e ao Knesset ao longo de muitos anos”, regozijou-se Yariv Levin, o ministro da Justiça, que pertence ao partido Likud (direita).

O Knesset entra agora em férias e só após o verão haverá mais debates — previsivelmente sem acordo entre maioria e oposição —, mais votações e contestação nas ruas em torno de possíveis novas leis. O advogado é da opinião que “a reforma da justiça de que a coligação fala, no fim, pressupõe também mudanças no Comité” que seleciona os juízes.

Tudo acontece num país altamente polarizado, patente no facto de ter realizado cinco eleições legislativas entre 2019 e 2022. “Há uma enorme tensão nas ruas entre as pessoas”, conclui Itay Mor. “Se alguém de esquerda começar a falar com outra de direita, começam a discutir com muita facilidade. É uma situação muito inflamável.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de julho de 2023. Pode ser consultado aqui

Direitos humanos são importantes, mas interesses políticos são ainda mais

O Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas concluiu mais uma sessão regular. Com tantos atropelos aos direitos humanos no mundo, as votações das resoluções acabaram por refletir outros interesses. Quer esteja em causa a Ucrânia, a Eritreia ou situações de violência religiosa, os países posicionam-se em função de quem é visado e não propriamente da justeza do assunto

Os direitos humanos não colhem unanimidade entre os Estados, nem mesmo quando não são respeitados e se espera uma reação de condenação de quem os viola. Isso ficou patente na 53.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que terminou na sexta-feira. Várias resoluções aprovadas expõem diferentes mundividências ou simplesmente aproveitamentos políticos que transformam os direitos humanos em armas de arremesso entre os Estados.

Um exemplo ficou espelhado na votação da resolução “Combater o ódio religioso que constitui incitamento à discriminação, hostilidade ou violência”, que condena e rejeita “os recentes atos públicos e premeditados de profanação do Sagrado Alcorão e destaca a necessidade de responsabilizar os autores desses atos de ódio religioso, conforme as obrigações dos Estados decorrentes do direito internacional dos direitos humanos”.

O documento exorta ainda “os Estados a examinar as suas leis nacionais, políticas e quadros legislativos para identificarem lacunas que possam impedir a prevenção e repressão de atos” que constituam incitamento ao ódio religioso, discriminação, hostilidade e violência.

No momento da votação da resolução — que foi apresentada pelo Paquistão (em nome dos membros da Organização da Cooperação Islâmica) e pelo Estado não-membro Palestina —, outras razões, que não o combate à islamofobia, falaram mais alto: 28 países aprovaram o texto, mas 12 votaram contra e 7 abstiveram-se.

Os oito membros da União Europeia que atualmente integram o Conselho de Direitos Humanos rejeitaram a resolução, tal como o Reino Unido e os Estados Unidos. A favor, votaram maioritariamente países muçulmanos, africanos e latino-americanos.

15

de março é o Dia Internacional do Combate à Islamofobia, aprovado por unanimidade pela Assembleia Geral das Nações Unidas. A data foi celebrada pela primeira vez este ano.

O problema do ódio religioso ganhou recentemente mais premência após um refugiado iraquiano ter queimado um exemplar do Alcorão em frente à mesquita central de Estocolmo, na Suécia. O ato aconteceu a 28 de junho, quando, em todo o mundo, os muçulmanos celebravam a Festa do Sacrifício (Eid al-Adha), uma das principais no calendário islâmico.

O gesto originou protestos de rua em vários países visando, em especial, os edifícios das embaixadas da Suécia. O Papa Francisco condenou o ato, dizendo-se “irritado e enojado”, e a adesão da Suécia à NATO ficou por um fio, depois de o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, ter acusado o país nórdico de ser complacente com manifestações anti-islâmicas.

Retaliação abortada junto à embaixada de Israel

Em retaliação, um homem de origem síria residente na Suécia obteve autorização das autoridades do país para queimar um exemplar da Torá e uma Bíblia em frente à embaixada de Israel em Estocolmo. Previsto para este fim de semana, o protesto não foi avante, com o seu autor a reclamar apenas atenção.

“Quero mostrar que temos que nos respeitar uns aos outros, vivemos na mesma sociedade. Se eu queimar a Torá, outro a Bíblia, outro o Alcorão, vai haver guerra aqui. O que eu quis mostrar é que não está certo para fazer isso”, disse o homem.

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas é um órgão intergovernamental composto por 47 Estados-membros que se comprometem com a promoção e a proteção dos direitos humanos. Eleitos todos os anos pela Assembleia Geral para mandatos de três anos, são escolhidos segundo um critério geográfico:

  • 13 de África
  • 13 da região Ásia-Pacífico
  • 6 da Europa de Leste
  • 8 da América Latina e Caraíbas
  • 7 da Europa Ocidental e outros Estados

O Conselho reúne-se, em sessão ordinária, três vezes ao ano, em Genebra. Só os 47 membros têm direito a voto, mas qualquer membro da ONU tem direito à palavra. A sessão que se concluiu esta sexta-feira começou a 19 de junho. A 54.ª terá início a 11 de setembro próximo.

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vezes Portugal integrou o Conselho dos Direitos Humanos: entre 1990 e 1993 e, mais recentemente, entre 2015 e 2017.

Situada no Corno de África, a Eritreia foi outro dossiê quente que dividiu águas. O país está sinalizado como território onde há detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, condições prisionais desumanas e abusos sexuais e de género generalizados.

Recentemente, a Eritreia envolveu-se diretamente no conflito que engoliu a vizinha Etiópia, com epicentro na região do Tigray e que terminou oficialmente a 2 de novembro de 2022, com a assinatura de um tratado de paz.

Atrocidades nos dois lados da guerra

Em março deste ano, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, afirmou que quer as Forças Nacionais de Defesa Etíope, e os seus aliados, como o exército eritreu, quer as forças afetas à Frente de Libertação do Povo de Tigray cometeram crimes de guerra durante os dois anos que durou o conflito.

No Conselho de Direitos Humanos, a resolução aprovada sobre o assunto, proposta por um grupo de países, entre os quais Portugal, é um conjunto de apelos genéricos — por exemplo, ao Governo eritreu, para tomar medidas imediatas e concretas, e ao relator especial da ONU, para apresentar um relatório ao Conselho sobre o assunto —, mas nem assim colheu unanimidade.

A favor, votaram apenas 18 países, 7 votaram contra e houve 21 abstenções. Ao lado da Eritreia, rejeitaram a resolução China, Cuba, Índia, Paquistão, Somália e Sudão.

A subalternização da importância dos direitos humanos aos interesses políticos ficou patente em três outras situações.

  1. SÍRIA — Um total de 24 países aprovaram uma resolução que condena o facto de as mulheres e crianças sírias serem alvo de ataques direcionados e de haver “leis ou práticas discriminatórias com base no género por quaisquer partes do conflito, predominantemente o regime sírio”. Quatro membros saíram em defesa do regime de Bashar al-Assad: Bolívia, China, Cuba e Eritreia.
  2. BIELORRÚSSIA  Uma resolução manifestando “profunda preocupação com as contínuas violações sistemáticas dos direitos humanos e das liberdades fundamentais na Bielorrússia, em particular as restrições opressivas em curso aos direitos à liberdade de reunião, associação e expressão pacíficas, tanto online como offline” foi respaldada por 20 países, tendo uma maioria de 21 membros optado pela abstenção. Em defesa do regime de Alexander Lukashenko posicionaram-se Bolívia, China, Cuba, Eritreia, Cazaquistão e Vietname.
  3. ISRAEL  O Conselho adotou uma resolução solicitando “recursos financeiros, humanos e ao nível do conhecimento” para aplicar uma resolução histórica de 2016, que, pela primeira vez, considerou os colonatos israelitas em território palestiniano, incluindo em Jerusalém Oriental e nos Montes Golã, “ilegais e um obstáculo à paz e ao desenvolvimento económico e social”. Na votação, 31 países votaram a favor, 13 abstiveram-se e três ficaram ao lado de Israel: República Checa, Reino Unido e Estados Unidos.

atual composição do Conselho de Direitos Humanos conta com a presença da Ucrânia. A Federação Russa também foi eleita para este ciclo, mas a 7 de abril de 2022 renunciou ao cargo, na sequência de uma deliberação da Assembleia-Geral da ONU que suspendeu a Rússia do Conselho.

Com uma guerra em curso, a situação na Ucrânia foi também objeto de deliberação nesta sessão. Uma resolução relativa à “cooperação e assistência à Ucrânia no campo dos direitos humanos” foi rejeitada por China, Cuba e Eritreia, mas viabilizada por 28 votos favoráveis e 16 abstenções.

À mesa das discussões, o assunto tornou-se, ele próprio, uma guerra de argumentos. De um lado, acusações à Rússia de violação da Carta das Nações Unidas por uma agressão brutal, não provocada e injustificada que multiplica sofrimento na Ucrânia e consequências negativas em todo o mundo.

Do outro, países que atribuem as raízes da tragédia ucraniana às políticas dos Estados Unidos e à expansão para leste da Aliança Atlântica (NATO), à revelia das exigências de segurança de Moscovo. Para uns e outros, o Conselho de Direitos Humanos mais não é do que um campo de batalha.

(ILUSTRAÇÃO “Todo o ser humano tem direitos” FORBES INDIA)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 17 de julho de 2023. Pode ser consultado aqui

“Os iranianos não têm ilusões: este regime não consegue resolver os problemas que atormentam o país há 40 anos”

Dez meses após a morte da iraniana Mahsa Amini, os grandes protestos antirregime estão ausentes das ruas, mas as razões do descontentamento popular continuam vivas. Em entrevista ao Expresso, um membro da oposição no exílio diz que “o Irão é uma sociedade explosiva” e que “ninguém deve ficar surpreendido se acordar amanhã e testemunhar a erupção de outro levantamento por todo o país”

Logotipo do Conselho Nacional da Resistência do Irão (CNRI) WIKIMEDIA COMMONS

Fora do Irão, Paris é uma espécie de capital da oposição ao regime dos ayatollahs. É na principal cidade francesa que tem sede o Conselho Nacional da Resistência do Irão (CNRI), o maior grupo no exílio de opositores ao regime iraniano, que se assume como “a alternativa democrática viável” à República Islâmica.

Este ano, pela primeira vez, uma manifestação convocada pelo CNRI esteve na iminência de não sair à rua. Agendada para 1 de julho, foi inicialmente proibida pela polícia, que alegou haver risco de perturbação da ordem pública.

A organização recorreu à justiça, que foi célere a deliberar. A 24 horas da iniciativa, o Tribunal Administrativo de Paris fez saber que um protesto previsto para durar três horas e circunscrito à Praça Vauban não implicava riscos.

A proibição foi revertida e o Governo francês foi condenado a pagar €1500 aos organizadores. A manifestação saiu à rua e nela participaram dezenas de milhares de iranianos, vindos dos quatro cantos do mundo.

“A decisão era totalmente injustificada. Que me lembre, pelo menos nos últimos 20 anos, nunca tivemos uma manifestação em Paris proibida. Afinal, tudo é muito consistente com o princípio básico não apenas da lei francesa, mas da lei europeia, de liberdade de expressão e de reunião”, diz ao Expresso, de Paris, Ali Safavi, membro do CNRI.

Pressões ao telefone

Para este iraniano, que integra o CNRI há mais de 40 anos — o conselho foi fundado em 1981 —, a posição inicial das autoridades francesas foi uma capitulação face à pressão exercida a partir de Teerão. A 10 de junho, foi notícia uma conversa telefónica de 90 minutos entre o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o seu homólogo iraniano, Ebrahim Raisi.

“Uma questão levantada por Raisi foram as atividades de — nas palavras do regime iraniano — contrarrevolucionários em solo francês, ou seja, da oposição ao regime, não só do nosso movimento mas também de outros iranianos ativos. Em certo sentido, talvez se possa concluir que, após aquela discussão de 90 minutos, Raisi exigiu alguma concessão.”

Nos últimos anos, o diálogo entre o Irão e países ocidentais tem implícita uma tentativa de atar o regime de Teerão a um compromisso relativo ao seu programa nuclear. Com escritórios em grandes países europeus e nos Estados Unidos, foi a partir do seu gabinete na Avenida da Pensilvânia, a 200 metros da Casa Branca, que o CNRI revelou, em 2002, a existência de duas centrais nucleares secretas (em Natanz e Arak) e detalhou atividades nucleares do regime.

No caso específico de França, há um interesse maior do que o nuclear para que Paris continue a cortejar Teerão: quatro cidadãos franceses detidos em prisões iranianas. Usar estrangeiros detidos arbitrariamente no Irão e acusados de espionagem ou atividades subversivas para pressionar governos ocidentais é prática conhecida da República Islâmica.

Este ano, França já conseguiu libertar três cidadãos de um total de sete. Em fevereiro, saiu em liberdade a antropóloga franco-iraniana Fariba Adelkha, detida em 2019 e condenada a seis anos de prisão.

A dupla nacionalidade de pouco lhe valeu, já que a República Islâmica não reconhece esse estatuto e considera apenas a cidadania iraniana. “É deveras lamentável que a política europeia tenha ficado vítima de sequestro e chantagem”, comenta Ali Safavi.

Em maio, para conseguir fazer regressar a casa um trabalhador humanitário belga, detido em Teerão, Bruxelas libertou Asadollah Assadi, diplomata iraniano condenado a 20 anos de prisão por envolvimento numa tentativa frustrada de atentado à bomba em França.

“Estes governos deviam encarar estas tentativas do regime iraniano como sinal de fraqueza. Isso mostra quanto temem o nosso movimento, não apenas devido às campanhas políticas fora do Irão como pelo seu impacto e influência dentro do Irão“, diz Safavi.

“No final de contas, acreditamos que a mudança deve vir de dentro do Irão. Temos uma enorme rede nacional dentro do país que mantém acesa a chama da resistência, apesar de toda a repressão, execuções e supressão” de direitos e liberdades.

Ciclo bárbaro de violência

A mais recente vaga de repressão no Irão teve como faísca a morte de Mahsa Amini, há quase dez meses, na sequência de ferimentos sofridos às mãos da polícia da moralidade, por não levar o hijab (véu islâmico) corretamente colocado. Os grandes protestos antigovernamentais que se seguiram foram silenciados recorrendo a um ciclo bárbaro de detenções, tortura e execução de manifestantes.

Uma técnica persistente, nos últimos meses, que a oposição atribui ao regime, são envenenamentos deliberados com químicos em escolas femininas, que já contaminaram mais de 1200 estudantes. Teerão assegura que a sua investigação não detetou quaisquer envenenamentos e acusou “inimigos” estrangeiros e dissidentes de fomentarem o medo.

O alvo escolhido é fácil de justificar: foram as mulheres quem teve um papel de liderança nos protestos após a morte de Mahsa Amini, que se tornou um símbolo dentro e fora de portas.

Na semana passada, a equipa brasileira de futebol feminino, que vai disputar o Mundial da FIFA, chegou à Austrália a bordo de um charter pintado com imagens de Mahsa Amini e do futebolista Amir Nasr Azadani, condenado a 26 anos de prisão por um tribunal revolucionário, acusado do assassínio de três elementos das forças de segurança, durante os protestos.

https://twitter.com/AJE_Sport/status/1676289793364221952

“A revolta no Irão durou sete a oito meses. Foram mortos cerca de 750 manifestantes, incluindo 70 crianças, algumas com apenas nove anos, e 61 mulheres. Nos dias seguintes, o regime usou espingardas de chumbo para alvejar os rostos das mulheres, cegando-as ou procurando desfigurá-las. Depois foram os ataques químicos em escolas femininas por todo o Irão”, enumera Ali Safavi. “Tudo isto foram tentativas do regime para intimidar a população.”

Protestos continuam noutro formato

O opositor salienta a resiliência dos iranianos e garante que as ações de protesto não foram completamente silenciadas. “Os protestos continuaram, embora a forma tenha mudado. O regime fez de tudo para evitar a enxurrada de grandes aglomerações dos meses anteriores, mas não conseguiu reprimir por completo os protestos. Quando têm oportunidade, marcham em menor número. À noite, cantam das suas casas e telhados. Alguns jovens tornaram-se mais desafiadores e usam cocktails Molotov ou outros meios para atacar bases dos Guardas da Revolução e dos Basiji [grupo paramilitar]. Há muitos vídeos a sair do país que o mostram. E o regime é muito combativo.”

Segundo a organização Iran Human Rights, com sede na Noruega, no primeiro semestre deste ano, o Irão enforcou 354 pessoas. Esta segunda-feira, o rapper Toomaj Salehi foi condenado a seis anos e três meses de prisão. Detido em outubro passado por apoiar os protestos antigovernamentais, enfrentava acusações que podiam valer-lhe a pena de morte.

“Os problemas económicos, políticos e sociais no Irão, a falta de liberdade, a pressão sobre as mulheres, a inflação descontrolada, o desemprego crescente, a escassez de alimentos, a falta de água, a destruição do ambiente, a imensa corrupção governamental… enquanto estas questões não forem resolvidas, haverá protestos”, vaticina o iraniano, recordando que o Irão tem as quartas maiores reservas de petróleo do mundo e as segundas maiores de gás.

“Ninguém deve ficar surpreendido se acordar amanhã e testemunhar a erupção de outro levantamento por todo o país. Desde 2016, o Irão foi palco de seis grandes protestos — em 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2022. Se não fosse a covid-19, também teria havido protestos em 2021”, conclui Ali Safavi. “O Irão é uma sociedade explosiva. As pessoas não têm ilusões de que este regime consiga resolver os problemas que têm atormentado o país nos últimos 40 anos.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 13 de julho de 2023. Pode ser consultado aqui

Israel atacou campo de refugiados de Jenin: hoje, como há 20 anos, um foco de resistência à ocupação da Palestina

Como nos anos da segunda Intifada, a cidade de Jenin, e o seu campo de refugiados em particular, continua a ser um dos principais bastiões de resistência à ocupação israelita da Palestina. Após um influente ministro israelita ter pedido, há dez dias, uma campanha militar para “explodir prédios, assassinar terroristas, não um, ou dois, mas dezenas, centenas ou, se necessário, milhares”, esta localidade da Cisjordânia tornou-se um alvo óbvio

O mais recente episódio de violência entre israelitas e palestinianos tem como epicentro o campo de refugiados de Jenin, no território palestiniano ocupado da Cisjordânia. Há 20 anos, ali travou-se uma das mais sangrentas batalhas da segunda Intifada (revolta palestiniana). Hoje, uma ampla operação militar israelita, incitada por governantes israelitas extremistas, traz à memória reminiscências desses dias e vaticina um futuro sombrio.

“Tudo faz parte de uma estratégia que começou com o estabelecimento do Estado de Israel, em 1948, e continua até hoje”, comenta ao Expresso Giulia Daniele, investigadora no Centro de Estudos Internacionais, do Instituto Universitário de Lisboa.

“Isso irá piorar ainda mais com uma liderança governamental e uma sociedade abertamente viradas para a extrema-direita. Parece mais do que claro que sem um posicionamento forte da comunidade internacional não será possível superar o impasse atual.”

O que está a acontecer na Palestina?

Israel tem em curso uma operação militar em larga escala na cidade palestiniana de Jenin (norte da Cisjordânia). A ofensiva começou cerca da uma hora da manhã desta segunda-feira (menos duas horas em Portugal Continental), quando um edifício no interior do campo de refugiados foi atingido por drones. Segundo as Forças de Defesa de Israel (IDF), o alvo era um centro de comando usado para planear ataques contra Israel.

Seguiu-se uma incursão terrestre de meios de infantaria, envolvendo mais de 1000 soldados. Se as incursões terrestres israelitas não são uma novidade na Cisjordânia, o facto de esta em particular ter sido precedida por bombardeamentos confere-lhe um caráter excecional.

A troca de fogo entre as tropas israelitas e militantes armados palestinianos provocou até ao momento, pelo menos, oito mortos e 50 feridos, entre os palestinianos. Há notícia de dezenas de detenções.

“As imagens que chegam de Jenin lembram muito o que aconteceu em abril de 2002”, no contexto da segunda Intifada (2000-2005). “Durante a operação ‘Escudo Defensivo’, as forças militares israelitas invadiram o campo de refugiados e ali estiveram mais de dez dias, não permitindo a presença de jornalistas e organizações internacionais”, recorda a investigadora.

“Foi um massacre com centenas de mortos e milhares de feridos, embora de difícil reconhecimento internacional. Foram publicados apenas alguns relatórios bastante genéricos por organizações internacionais para os direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Amnistia Internacional”, diz.

“Mas houve testemunhos claros do que aconteceu em documentários, como “Jenin, Jenin”, do realizador palestiniano Mohammed Bakri.”

Também esta segunda-feira parece ter havido um esforço para isolar o campo de olhares condenatórios, ainda que, na era da Internet e das redes sociais, seja impossível tudo controlar. Num vídeo divulgado pela televisão árabe Al-Jazeera, um bulldozer israelita enche de entulho uma rua do campo de refugiados, obstaculizando a circulação de ambulâncias.

https://twitter.com/AJEnglish/status/1675767411641917440

Por que razão o alvo é o campo de refugiados de Jenin?

Segundo o Exército israelita, o objetivo da operação é prender “terroristas” e recolher armas do campo. Incursões deste género são frequentes em especial em Jenin e também em Nablus, um pouco mais para sul, onde também se movimentam grupos armados palestinianos.

A 11 de maio de 2002, enquanto cobria uma operação deste género, precisamente no campo de refugiados de Jenin, foi morta a jornalista do canal árabe da Al-Jazeera Shireen Abu Akleh, atingida por fogo israelita. A repórter palestiniana, que tinha também nacionalidade norte-americana, vestia um colete e usava um capacete que a identificavam como membro da “imprensa”.

Nas cartas militares israelitas, há anos que o campo de refugiados de Jenin, estabelecido em 1953, está referenciado como um reduto terrorista. Mais ainda desde 2021, quando surgiram as Brigadas de Jenin, compostas por militantes afetos a vários grupos armados palestinianos, incluindo o Hamas (o grupo que controla a Faixa de Gaza) e a Jihad Islâmica.

“Desde 2002 que o campo de Jenin se tornou um local de resistência”, diz ao Expresso Ahmed, um palestiniano de 28 anos, que vive na Faixa de Gaza. “As pessoas na Cisjordânia sofrem muito. Israel quer as nossas terras para construir colonatos. Deixem-nos, a terra é nossa, é terra palestiniana! Há operações todos os dias. A resistência está a crescer. Está a ficar como Gaza.”

Ahmed diz que a situação em Gaza tem estado calma. Não têm sido disparados rockets na direção de Israel, mas teme que “se a situação ficar mais dura” na Cisjordânia, talvez possa haver retaliação israelita sobre Gaza. “O Hamas [que controla Gaza] tem soldados na Cisjordânia e funciona em Jenin por baixo da mesa”, diz.

Havia indícios de que esta escalada podia acontecer?

A tensão na Cisjordânia vinha em crescendo, com episódios recentes de violência em várias regiões do território, em especial atribuídos a colonos judeus sobre populações árabes.

Nos últimos dias, a agência noticiosa palestiniana WAFA deu conta de colheitas incendiadas, na aldeia de At-Tawani (sul de Hebron), onde próximo existe o colonato de Ma’on, e também do ataque de colonos a uma nascente de água, em Qaryut, na mesma região.

Sem agricultura e sem água, a vida torna-se impossível e é nisso que apostam os colonos — que se movimentam com proteção militar —, para que os palestinianos partam e libertem mais terras para Israel ocupar. Para os palestinianos que ficam, não restam muitas mais opções do que resistir com o que têm à mão.

Paralelamente, desde os corredores do poder em Israel, têm soado discursos verdadeiramente incendiários. O mais recente Governo liderado por Benjamin Netanyahu, composto maioritariamente por forças extremistas e religiosas, não esconde que a ocupação da Palestina é o caminho a seguir.

“Faz parte claramente do programa do Governo israelita que conta agora com muitos membros que querem uma anexação definitiva dos territórios palestinianos”, refere Giulia Daniele.

“Nas últimas semanas, os partidos da extrema-direita ultra-religiosa no atual Governo israelita incitaram a uma operação militar mais abrangente no norte da Cisjordânia com uma possível reocupação de Jenin por ser uma fortaleza de milícias armadas palestinianas que atuam contra soldados e colonos israelitas”, acrescenta.

“Sem alternativas e nada a perder, mais e mais palestinianos (em particular os jovens) apoiam a luta armada, considerando-a o principal meio que o povo palestiniano ainda tem para acabar com a ocupação militar israelita.”

Há dez dias, durante uma visita a um posto avançado ilegal na colina de Evyatar — uma estrutura que pretende ser o início de um colonato —, Itamar Ben-Gvir, o polémico e extremista ministro da Segurança Nacional de Israel, defendeu: “É preciso que haja um colonato total aqui. Não apenas aqui, mas em todas as colinas ao nosso redor”, disse, citado pelo jornal israelita “The Times of Israel”.

“Temos de colonizar a terra de Israel e, ao mesmo tempo, lançar uma campanha militar, explodir prédios, assassinar terroristas. Não um, ou dois, mas dezenas, centenas ou, se necessário, milhares.”

Ben-Gvir é, ele próprio, um ‘soldado’ ao serviço da ocupação, já que vive no colonato de Kiryat Arba, na área de Hebron. Ao abrigo do direito internacional, os colonatos são ilegais.

Que espaço há para uma solução política para a questão israelo-palestiniana?

O processo de paz é inexistente e não há perspetiva de que se reative tão cedo. Do lado palestiniano, uma liderança envelhecida, corrupta e acomodada não dá garantias de credibilidade para lidar com um problema que afeta várias gerações de palestinianos.

“Existem muitas rivalidades dentro da Autoridade Nacional Palestiniana e o debate acerca da sucessão de Mahmoud Abbas”, que tem 87 anos e está no cargo há 18, “contribui para tornar a situação ainda mais instável”, acrescenta Giulia Daniele.

Esta segunda-feira, Nabil Abu Rudeineh, porta-voz do Presidente Abbas, reagiu aos acontecimento em Jenin repetindo o discurso cansado de sempre e qualificando a operação de “um novo crime de guerra contra o povo indefeso”.

Do lado de Israel, para o Governo de Netanyahu, o diálogo não é uma opção realista. E no terreno, a ocupação não pára de se acentuar, tornando o sonho de uma Palestina independente cada vez menos exequível.

Na Cisjordânia, a expansão dos colonatos e a consequente intensificação de um sistema de apartheid entre judeus e árabes alimenta um ciclo vicioso de violência diária que visa uns e outros à vez. Já na Faixa de Gaza, a ocupação faz-se ‘por controlo remoto’, já que, desde 2007, vigora um bloqueio aplicado por Israel e Egito que controla tudo o que entra e sai do território por terra, mar e ar.

Nos dois territórios palestinianos, “a situação é a mesma, mas com instrumentos diferentes”, conclui Ahmed. “Mas Gaza pode ferir Israel com os rockets.” Na ausência de um processo de paz digno desse nome, a luta transfere-se cada vez mais para as ruas, com pedras ou com armas.

(FOTO “Para não esquecer”, lê-se neste mural, no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia ocupada MUJJADARA / WIKIMEDIA COMMONS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de julho de 2023. Pode ser consultado aqui, aqui e aqui