Ex-Presidente, que lidera as sondagens, faltou ao primeiro debate entre candidatos às primárias republicanas

Se em 234 anos, tantos quantos passaram desde a criação da presidência dos Estados Unidos, nunca um titular do órgão tinha sido acusado criminalmente pela Justiça do país, Donald Trump levou essa distinção ao exagero. Só este ano, o 45º chefe de Estado já foi indiciado em quatro processos criminais, abertos noutros tantos estados. Em dois deles, o início do julgamento já tem data.
Um dos casos é especialmente mais grave do que os restantes — a acusação de interferência eleitoral na Georgia, após as presidenciais de 2020, que Trump perdeu para Joe Biden por menos de 12 mil votos. Este mês, um grande júri desse estado do sueste implicou Trump e 18 aliados na constituição de uma “empresa criminosa” visando subverter a derrota do republicano naquele estado crucial para as contas finais.
DeSantis respondeu que os Estados Unidos “estão em declínio” e que tal “não é inevitável, é uma escolha”. E acrescentou: “Precisamos de mandar Joe Biden de volta para o seu porão e reverter o declínio americano.”
A acusação tem por base a Lei das Organizações Corruptas e Influenciadas por Extorsionistas (RICO, na sigla inglesa) da Georgia, que possibilita à Justiça o agrupamento daquilo que possam parecer crimes não relacionados, cometidos por pessoas diferentes, mas percecionados como tendo objetivo comum — neste caso, manter Donald Trump na Casa Branca a partir de 20 de janeiro de 2021, à revelia da vontade do eleitorado.
Rendições até ao meio-dia
Foi graças a uma lei deste género que, na década de 1980, Rudy Giuliani, à época procurador do Distrito Sul de Nova Iorque, combateu a máfia da cidade, de que mais tarde seria presidente da Câmara. Agora, o ex-advogado de Trump é um dos acusados ao abrigo da mesma lei. Quarta-feira, entregou-se às autoridades numa prisão de Atlanta, a capital da Georgia. Saiu em liberdade após pagar uma fiança de 150 mil dólares (€138 mil).
Se for condenado no caso de interferência eleitoral na Georgia, o ex-Presidente incorre numa pena de prisão de entre 5 e 20 anos
Os 19 implicados neste processo têm até ao meio-dia de hoje (17 horas em Portugal Continental) para se renderem, incluindo Trump, que aceitou entregar-se mediante o pagamento de uma fiança fixada em 200 mil dólares (€184 mil). O acordo proíbe-o explicitamente de usar as redes sociais para atingir ou abordar réus e testemunhas do caso. Se for condenado, o ex-Presidente incorre numa pena de prisão de entre 5 e 20 anos.
Os inúmeros e graves problemas com a Justiça afastaram Trump do combate político. Quarta-feira à noite, o Fiserv Forum, em Milwaukee (Wisconsin), acolheu o primeiro debate entre candidatos às primárias republicanas com vista às presidenciais de 5 de novembro de 2024. O ex-Presidente faltou e esbanjou confiança na hora de justificar a ausência. “O público sabe quem sou e que presidência bem-sucedida tive”, afirmou, domingo passado, na sua rede social Truth Social. “Portanto, não participarei nos debates.”
Favoritismo esmagador
No mesmo dia, uma sondagem da televisão CBS creditava-o com 62% das preferências de voto. Dos inquiridos, 77% consideravam as acusações na Justiça contra Trump motivadas por razões políticas e 99% dos que escolhiam ou consideravam votar em Trump defendiam que “as coisas estavam melhores” com ele na Casa Branca.
O seu adversário mais próximo, o governador da Florida, Ron DeSantis, ficava à distância de quase 50 pontos percentuais (16%). Os restantes sete candidatos analisados não atingiam a fasquia dos 10%. Mike Pence, o antigo vice-presidente de Trump, não ia além dos 5%.
Entrevista para ofuscar
Apesar da vantagem esmagadora nas sondagens, bem ao seu estilo, Trump não deu de barato todo o tempo de antena aos oito adversários que foram a debate. Cinco minutos antes de arrancar a discussão em Milwaukee, começou a ser transmitida na rede social X (antigo Twitter) uma entrevista de Trump concedida a Tucker Carlson, polémico apresentador despedido há tempos da Fox News.
A conversa de cerca de 45 minutos, pré-gravada no clube de golfe de Trump em Bedminster, Nova Jérsia, não fez manchetes, mas roubou audiência ao debate republicano, com mais de 80 milhões de visualizações nas duas horas que se seguiram à sua divulgação. Ao mesmo tempo que desviou atenções dos antagonistas, Trump fez uma provocação à Fox News, que transmitiu o debate em direto, e com quem Trump já teve melhores dias.
E se Trump for condenado…
Em Milwaukee, o assunto Trump apenas surgiu na segunda metade da discussão (que durou duas horas), porventura para dar tempo a que quem acorreu a ouvir o ex-Presidente na rede social voltasse a sintonizar a Fox. O moderador referiu-se a Trump como “o elefante que não está na sala” e perguntou aos oito candidatos se tencionam apoiá-lo na eventualidade de ele ganhar a nomeação republicana às eleições de 2024 e for também condenado na Justiça.
Quatro foram rápidos a levantar a mão — Doug Burgum (governador do Dacota do Norte), Tim Scott (senador pela Carolina do Sul), Nikki Haley (ex-governadora da Carolina do Sul e antiga embaixadora dos EUA na ONU) e Vivek Ramaswamy (empresário). Outros dois foram lentos a fazê-lo — Ron DeSantis e Mike Pence (também ex-governador do Indiana). Um demonstrou relutância (Chris Christie, antigo governador da Nova Jérsia) e apenas um assumiu que não o apoiaria (Asa Hutchinson, ex-governador do Arkansas).
Num debate em Milwaukee, oito republicanos disputaram o título de ‘melhor candidato alternativo’ a Trump
A pergunta não foi inocente, já que um dos critérios previamente estabelecidos pelo Comité Nacional Republicano para selecionar os participantes no debate foi a assinatura do “Compromisso Vencer Biden”, com o qual os candidatos prometeram apoiar o vencedor da nomeação republicana, fosse quem fosse, no duelo contra Biden, previsível vencedor incontestado da nomeação democrata. Duas outras exigências foram a obtenção de pelo menos 1% das intenções de voto em três sondagens nacionais e já terem angariado um mínimo de 40 mil doadores únicos para a sua campanha.
Durante duas horas, e perante uma audiência ao vivo de 4 mil pessoas (que reagia a cada resposta e não se inibia de vaiar quem criticasse Trump), os oito republicanos — com idades entre os 38 anos (Vivek Ramaswamy) e os 72 (Asa Hutchinson) — disputaram o título de ‘melhor candidato alternativo’ a Trump, o mais velho de todos (77 anos). Para alcançá-lo, o alvo preferencial foi Joe Biden, que tem mais quatro anos do que Trump.
O significado da canção
Consistente no segundo lugar das preferências de voto republicanas, DeSantis apontou ao atual Presidente quando confrontado sobre o porquê de o grande êxito musical do momento no país (‘Rich Men North of Richmond’, em português homens ricos a norte de Richmond) ser um tema country interpretado por um artista desconhecido (Oliver Anthony) que discorre sobre os problemas e as frustrações da classe trabalhadora e aponta o dedo aos poderosos de Washington.
OS CASOS QUE ATRAPALHAM TRUMP
O ex-Presidente enfrenta 91 acusações em quatro processos abertos em estados diferentes. Dois julgamentos já têm data
SUBORNO COMO DESPESA LEGAL
A campanha para as presidenciais de 2016, que Donald Trump venceu, estava nas últimas semanas quando saíram das suas contas 130 mil dólares para evitar um escândalo. A verba foi usada para comprar o silêncio de Stormy Daniels, atriz de filmes pornográficos com quem Trump se terá envolvido. A transação configura possível violação da lei estadual de Nova Iorque, não pelo pagamento em si, mas por ser registada como despesa legal. Trump enfrenta 34 acusações sobre falsificação de registos comerciais, num julgamento agendado para 25 de março de 2024. Sendo o crime estadual, só o governador de Nova Iorque poderá perdoar-lhe.
POSSE DE DOCUMENTOS SECRETOS
Na Florida, onde vive no luxuoso resort de Mar-a-Lago, Trump responde por 40 acusações de posse de documentos confidenciais, alguns classificados como “ultrassecretos”, que terá levado quando deixou a Casa Branca, em janeiro de 2021. Devolveu caixas de documentação, mas subsistiram suspeitas de que mantinha na propriedade registos importantes, o que lhe valeu uma acusação de obstrução aos esforços das autoridades para reavê-los. O início do julgamento está agendado para 20 de maio de 2024. Estando em causa crimes federais, se Trump for reeleito Presidente poderá absolver-se a si próprio.
REVERTER A DERROTA DE 2020
O 45º Presidente enfrenta quatro acusações de crimes federais relativas a uma ampla campanha destinada a reverter o resultado oficial da eleição presidencial de 2020, que Trump perdeu para Joe Biden. Em causa estão disseminação de informação falsa sobre fraude eleitoral ou pressão sobre autoridades estaduais republicanas para minar resultados vitoriosos de Biden. O último esforço culminou com a invasão ao Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, por uma multidão de apoiantes que tentou abortar a transferência de poder. O processo decorre em Washington. Se reeleito e condenado, Trump poderá perdoar-se.
INTERFERÊNCIA ELEITORAL
É o caso mais grave e pode valer ao ex-Presidente entre 5 e 20 anos de prisão. Trump enfrenta 13 acusações de tentativa de interferência eleitoral na Georgia, estado crucial para o desfecho das eleições de 2020. A 2 de janeiro de 2021, ao telefone, incitou o secretário de estado da Georgia (republicano) a “encontrar” 11.780 votos, necessários para ganhar a Biden. Várias recontagens confirmaram a vitória do democrata. Além de Trump, estão acusados 18 aliados, ao abrigo de legislação estadual usada para acusar máfias e gangues do crime. Os perdões são concedidos por um painel de cinco membros nomeado pelo governador.
Artigo publicado no “Expresso”, a 25 de agosto de 2023. Pode ser consultado aqui e aqui





