O grupo das 20 maiores economias do mundo reúne-se este fim de semana, na cidade indiana de Nova Deli, com duas ausências de peso: Vladimir Putin e Xi Jinping. Seis perguntas e respostas para perceber o motivo dessas faltas, a importância que esta cimeira tem para a Índia — ou chamar-se-á o país Bharat? — e ainda porque nasceu e qual é o objetivo de um grupo como o G20
A Índia acolhe este fim de semana, pela primeira vez, uma cimeira do poderoso grupo das 20 economias mais desenvolvidas do mundo (G20). Nas ruas de Nova Deli, a cidade anfitriã, há por estes dias segurança acrescida providenciada por 130 mil polícias e agentes paramilitares e também por um sistema antidrones.
Alguns ‘bairros de lata’ desta megacidade com mais de 30 milhões de habitantes foram destruídos, centenas de cães retirados das ruas e recortes em tamanho real de langures — um primata corpulento com cara negra — foram espalhados por várias zonas da capital indiana para afugentar os macacos.
Com os holofotes voltados sobre si, a Índia não quer que nada ofusque esta oportunidade de ouro para afirmar poder, no mesmo ano em que ultrapassou a China e se coroou como a maior potência demográfica do mundo.
Há dúvidas sobre o país que acolhe a cimeira do G20?
Não há qualquer incerteza que o evento decorrerá na Índia, mas há expectativa quanto à designação que o Estado anfitrião irá assumir na documentação oficial. Numa comunicação enviada aos países participantes, o Governo indiano convidou os líderes que estarão em Nova Deli para um jantar com o “Presidente de Bharat”.
A cimeira esclarecerá relativamente à real intenção do executivo liderado por um nacionalista hindu em promover uma mudança de nome do país. Várias explicações têm sido adiantadas para a eventualidade de isso acontecer.
Por um lado, a vontade de Modi e do seu Partido do Povo Indiano (Bharatiya Janata Party, BJP) se livrarem de uma designação imposta pelo colonizador britânico, mais de 75 anos após a independência.
Há, porém, outra razão política de natureza interna. No próximo ano, a Índia realiza eleições gerais e, a 1 de setembro passado, 28 partidos políticos anunciaram que irão a votos coligados, com um objetivo comum: impedir a terceira vitória consecutiva do BJP e da corrente nacionalista hindu.
O novo bloco político de oposição a Modi designa-se INDIA (sigla de Indian National Developmental Inclusive Alliance/Aliança Nacional Indiana para o Desenvolvimento Inclusivo). Afastar a palavra “Índia” dos holofotes poderá ser também uma forma de não dar visibilidade à oposição.
Que importância tem esta cimeira para a Índia?
O encontro acontece num momento delicado das relações internacionais, com a guerra na Ucrânia a dividir ainda mais o mundo. Por toda a cidade de Nova Deli, a Índia procura contrariar esse ceticismo assumindo-se como exemplo a seguir.
Murais, mupis e outro tipo de instalações alusivas à cimeira do G20 procuram associar o evento a símbolos indianos, como o carismático líder anticolonialista Mahatma Gandhi, apologista da resistência não violenta, ou a conquistas históricas, como a recente chegada à Lua.
Esta cimeira — que tem um slogan a três tempos: “Uma Terra. Uma Família. Um Futuro — será uma oportunidade para a Índia subir ao palco do Centro Internacional de Convenções ‘Bharat Mandapam’ e reclamar um estatuto de potência global, na presença dos principais líderes do mundo, ou pelo menos daqueles que marcarem presença.
Vladimir Putin vai estar presente?
A Federação Russa pertence efetivamente ao clube do G20, mas o seu Presidente não estará presente. Vladimir Putin enfrenta um mandado de detenção emitido pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra, relativo à transferência de crianças ucranianas para território russo, e não arrisca pôr o pé fora do seu país.
Acontecerá em Nova Deli o que sucedeu recentemente na cidade sul-africana de Joanesburgo, que acolheu a 15ª cimeira dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), onde Putin também este ausente e a Rússia fez-se representar pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov.
Há mais líderes que não vão à cimeira de Nova Deli?
Há outra ausência de vulto, a de Xi Jinping, Presidente da China, que faltará a uma cimeira do G20 pela primeira vez desde que subiu ao poder, em 2012. A delegação de Pequim será liderada pelo primeiro-ministro Li Qiang.
Uma das explicações possíveis para a ausência de Xi Jinping passa pela intenção de retirar peso político a um fórum multilateral com forte presença ocidental em detrimento de outros onde a China tem um papel mais preponderante, como o grupo dos BRICS.
Este, por exemplo, quer assumir-se como um contrapeso à influência ocidental e a grupos como o G7 e o G20. Nesse sentido, na última cimeira, os cinco BRICS anunciaram a entrada na organização de mais seis países — Argentina, Egito, Etiópia, Irão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos — num esforço de remodelação da ordem internacional.
Outra razão para o “boicote” de Xi poderá decorrer da deterioração da relação com a vizinha Índia, com quem a China tem uma disputa territorial ao longo da fronteira dos Himalaias. Na semana passada, Pequim divulgou um novo mapa que colocava zonas disputadas à cor do território chinês. Nova Deli protestou e a China aconselhou a Índia a “ficar calma”. A confirmar-se este cenário, a falta de Xi seria uma atitude de desprezo.
Em Nova Deli, perde-se assim a oportunidade de um encontro a dois entre Xi Jinping e Joe Biden, como aconteceu na última cimeira do G20, em Bali, e de China e Estados Unidos deitarem água na fervura na tensão multifacetada entre ambos.

Que impacto terão as ausências de Putin e Xi nos trabalhos da cimeira?
Desde logo, estarão em falta os dois líderes do G20 que mais têm dificultado a adoção de uma declaração conjunta sobre a guerra na Ucrânia. Nenhum deles subscreve uma posição condenatória das ações de Moscovo e, em contrapartida, os países ocidentais não abdicam de uma forte condenação da Rússia.
Antes de partir para Nova Deli, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, afirmou-se desapontado pelo facto de o Presidente ucraniano não ter sido convidado para a cimeira. “Falaremos fortemente por si e continuaremos a garantir que o mundo esteja ao lado da Ucrânia”, disse Trudeau a Volodymyr Zelensky, num telefonema recente.
As posições de China e Rússia terão mensageiros em Nova Deli pelo que não é expetável um consenso que abra caminho a uma Declaração de Líderes em conclusão da cimeira, mais ainda numa altura em que a Rússia faz depender o desbloqueio do acordo do Mar Negro relativo aos cereais ucranianos do levantamento de sanções ocidentais.
Esta sexta-feira, já na capital indiana, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou: “É difícil prever se será possível haver um acordo sobre uma declaração [final]. Ainda estamos a negociar. Não tenciono dizer nada que possa dificultar os esforços” da presidência indiana do G20.
Como nasceu o G20 e com que objetivo?
Este fórum intergovernamental reuniu-se pela primeira vez em Berlim, em 1999, dois anos após a crise financeira na Ásia. Então, juntou à mesa do diálogo 19 ministros das Finanças de outros tantos países e a União Europeia, cientes de que uma qualquer outra crise com aquela dimensão nunca poderia ser resolvida dentro das fronteiras de cada país e que requeria cooperação internacional.
Desde 2008, as cimeiras anuais passaram a ser protagonizadas pelos chefes de Estado ou de Governo. As “Cimeiras de Líderes do G20”, até então fóruns de discussão sobre os problemas da economia global, ganharam um caráter mais geopolítico e mediático.
No total, os países que compõem o G20 correspondem a 80% do Produto Interno Bruto (PIB) global e 75% do comércio internacional.
Em Nova Deli, para além dos 20 membros, estarão também nove países convidados: dois europeus (Espanha e Países Baixos), um da África Subsariana (Nigéria), três países árabes (Egito, Emirados Árabes Unidos e Omã), dois asiáticos (Bangladesh e Singapura) e um insular (Maurícias).
A 1 de dezembro próximo, a Índia passa o testemunho para o Brasil que assegurará a presidência do G20 durante um ano.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 8 de setembro de 2023. Pode ser consultado aqui


