Campanha #BringThemHomeNow pelo regresso dos reféns israelitas chega a cinco cidades portuguesas

Cartazes de rua apelam ao regresso a casa dos reféns israelitas ainda em posse do Hamas. O objetivo desta ação é também aumentar a consciência da população portuguesa “em relação à dor e ao horror por que o povo judeu e israelita está a passar”, diz ao Expresso um organizador

Mensagem de apelo à libertação dos reféns israelitas em posse do Hamas, em Matosinhos
MARGARIDA MOTA

Na popularmente designada Rotunda da Anémona, em Matosinhos, um painel publicitário com 148 fotografias do rosto de outros tantos homens, mulheres e crianças disputa as atenções, ao lado de cartazes de partidos políticos, de espaços comerciais ou de programação cultural.

Uma mensagem confere-lhe caráter menos mundano e mais dramático: “Bebés. Idosos. Mulheres. Homens. Ainda em Gaza reféns do Hamas”. Por baixo, a hashtag usada nas redes sociais para alertar para o problema e pressionar as autoridades israelitas a tudo fazer para resgatar os reféns: #BringThemHomeNow (Tragam-nos para casa agora).

Mais de três meses após o ataque do grupo islamita a Israel, de que resultou, além de cerca de 1300 mortos, o rapto de 240 pessoas, 148 israelitas permanecem ainda na Faixa de Gaza (alguns possivelmente mortos). Numa iniciativa da Associação Luso-Israelita Aliados, cartazes apelando à libertação dos reféns foram colocados na via pública em Matosinhos, Porto, Vila Nova de Gaia, Loures e Lisboa.

Cartaz da campanha #BringThemHomeNow, em Loures CORTESIA ALIADOS

“O objetivo da iniciativa é contribuir para aumentar a consciencialização em relação à dor e ao horror por que o povo judeu e israelita está a passar hoje em dia”, disse ao Expresso um membro da associação.

Com sede no Porto, a Associação Luso-Israelita Aliados é um movimento civil, apolítico, formado por cidadãos portugueses e israelitas residentes em Portugal, “destinado a harmonizar os sentimentos públicos e a promover a unidade entre israelitas e portugueses”.

Na rede social X, esta página, administrada por familiares e amigos, disponibiliza pequenas descrições pessoais das pessoas levadas pelo Hamas.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 12 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Mais de um quarto da população mundial vai a votos em oito países asiáticos: em quase todos, a democracia derrapa

Num aparente sinal de vitalidade democrática, pelo menos 64 países realizam eleições nacionais no decurso de 2024. Na Ásia, o continente com a maior concentração de dinastias políticas e onde vive 60% da população mundial, há razões de preocupação. Nalguns países, o exercício do direito ao voto pode resultar na consagração de poderes autocráticos. Foi assim, esta semana, no Bangladesh

Este será um ano de importantes definições políticas em todo o mundo. Pelo menos 64 países realizam eleições legislativas ou presidenciais, entre os quais sete dos dez países mais populosos do mundo: Bangladesh, Paquistão, Indonésia, Rússia, Índia, México e Estados Unidos, por ordem cronológica. Portugal terá a sua quota de atenção com legislativas a 10 de março.

Esta ampla jornada eleitoral terá um impacto particular no continente asiático, onde vive cerca de 60% da população mundial e os sistemas de governo são muito marcados por dinastias políticas.

Do Irão à Indonésia, um total de 13 atos eleitorais permitirão uma avaliação às tendências políticas regionais e, alguns casos serão verdadeiros testes à democracia. Oito casos merecem especial atenção.

174 milhões de habitantes

Este país da Ásia do Sul foi a votos no domingo passado 7 de janeiro, com um vencedor anunciado à partida. Aos 74 anos, Sheikh Hasina — que preside à Liga Awami (partido de centro-esquerda) e está no poder, de forma ininterrupta, desde 2009 — foi reeleita para um quarto mandato consecutivo como primeira-ministra do Bangladesh. (Exerceu um primeiro mandato entre 1996 e 2001.)

A previsibilidade do resultado, a detenção de centenas de opositores nos meses que antecederam as eleições e o boicote decretado pelo Partido Nacionalista do Bangladesh (centro-direita), o outro partido dominante no país, afastaram eleitores das urnas. A taxa de afluência ficou-se pelos 40% — nas últimas eleições, em 2018, tinha sido de 80,2%. A primeira-ministra desvalorizou o boicote e disse:

“Cada partido político tem o direito de tomar decisões, a ausência de um partido nas eleições não significa que a democracia esteja ausente”

Sheikh Hasina é filha de Sheikh Mujibur Rahman, o homem que declarou a independência do país, em 1971. Pioneira nessa luta, a Liga Awami conquistou agora 222 dos 300 lugares no Parlamento.

No ranking “Varieties of Democracy” — que agrupa os países em “democracias liberais”, “democracias eleitorais” (como Portugal), “autocracias eleitorais” e “autocracias fechadas” —, o Bangladesh surge no terceiro grupo.

“Estamos perante um caso que resvalou claramente para a autocracia, com a preocupação adicional de, neste país, assistirmos a uma crescente violência”, diz ao Expresso Luís Tomé, professor na Universidade Autónoma de Lisboa.

“Quando os mecanismos institucionais — que, neste caso, deveriam ser democráticos, mas são-no apenas de fachada — não funcionam, o risco é o aumento da violência. A oposição e muitos cidadãos entendem que a única alternativa de demover o poder instituído é por um golpe.”

Adeus, multipartidarismo!

No hemisfério político ocidental do planeta, há receios cada vez mais vocais de que, aos 53 anos de vida, o Bangladesh esteja a caminho de se tornar um Estado de partido único.

“Os Estados Unidos partilham a opinião de outros observadores de que estas eleições não foram livres ou justas e lamentamos que nem todos os partidos tenham participado”, reagiu Matthew Miller, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano.

As dúvidas são partilhadas por outros países ocidentais, mas não por Rússia e China. Esta quarta-feira, os embaixadores destes dois países marcaram presença numa cerimónia de felicitações à primeira-ministra, na sua residência oficial, em Daca.

24 milhões de habitantes

As eleições presidenciais e legislativas na República da China (também conhecida como Taiwan ou Formosa), a 13 de janeiro, serão mais uma oportunidade de clarificação política relativamente ao sentimento prevalecente na ilha — de aproximação ou de afastamento — relativamente à República Popular da China.

Esta divisão dura desde o fim da guerra civil, em 1949, quando os nacionalistas (derrotados) se refugiaram naquele território insular, que se governa de forma autónoma, a cerca de 160 quilómetros da costa chinesa.

“A concretização da reunificação completa com a pátria é um curso inevitável de desenvolvimento, é justo e é o que o povo deseja. A pátria deve e será reunificada”

Xi Jinping
Presidente da República Popular da China, a 26 de dezembro, dia do 130.º aniversário do nascimento de Mao Tsé-Tung, o fundador do país

A integração de Taiwan na China Continental por via eleitoral “é o sonho de Xi Jinping e dos chineses de China Continental, que preferem a reunificação pacífica”, continua o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI).

“A partir do momento em que Taiwan avançou para uma plena democracia, nos anos 1990, Pequim teve sempre a expectativa de poder incluir Taiwan na mãe pátria, na lógica de ‘um país, dois sistemas’. E sempre interferiu, direta ou indiretamente, nos processos eleitorais em Taiwan, para que os candidatos que fossem mais abertos a essa possibilidade saíssem vencedores”, diz.

O precedente Hong Kong

“Mas sobretudo a partir da imposição da Lei de Segurança Nacional em Hong Kong, em 2019, a esmagadora maioria da população de Taiwan, e não apenas o tradicional partido independentista [Partido Democrático Progressista (DPP, na sigla em inglês)], deixou de acreditar na possibilidade de Pequim vir a respeitar as particularidades democráticas do sistema de Taiwan no caso de uma unificação.”

Em setembro passado, a China desvendou um plano de 21 medidas destinadas a potenciar o “desenvolvimento integrado” de Taiwan e de Fujian, a província costeira chinesa mais próxima à “província renegada”, como Pequim rotula Taiwan. O plano visa “fazer de Fujian o destino de primeira escolha de residentes e empresas de Taiwan para buscarem desenvolvimento no continente”.

Mas paralelamente, a China não pára de mostrar as garras a Taiwan. “Pequim tem muita dificuldade em gerir a lógica do bastão e da cenoura, como se vê à medida que se aproximam as eleições em Taiwan. Ao mesmo tempo que oferece algo de positivo para que os taiwaneses vejam aquilo que poderão ganhar com a reunificação da China, mantém uma enorme pressão militar, com ameaças, exercícios e declarações no sentido de que, no fundo, os taiwaneses vão ter que decidir entre a paz e a guerra”, continua Luís Tomé.

De uma solução acordada à reunificação pela força, “o relógio está a contar”, acrescenta. “O Presidente Xi Jinping disse que a questão de Taiwan vai ser resolvida no seu tempo, o que coloca uma enorme pressão no calendário.” Em 2027, será o centenário da criação do Exército de Libertação Popular, uma efeméride que pode ser aproveitada por Pequim para concretizar pela força o sonho há muito adiado.

243 milhões de habitantes

De crise em crise, o Paquistão tem eleições para a Assembleia Nacional marcadas para 8 de fevereiro, embora o Senado já tenha votado o seu adiamento. A decisão, não vinculativa, foi justificada com as “condições de segurança prevalecentes” no país.

A mais recente vaga de instabilidade decorre do afastamento do poder de Imran Khan, um antigo jogador de críquete que se tornou o político mais popular do país. Destituído do cargo de primeiro-ministro após uma moção de confiança, em abril de 2022, está atualmente preso, condenado por corrupção.

“O grande receio é que o Paquistão descambe numa guerra civil porque esta não será uma disputa política convencional em contexto democrático”, analisa o especialista em Relações Internacionais.

Trocar os EUA pela China

“Nos últimos tempos, tem acontecido de tudo um pouco ao país. Imran Khan, que era um indivíduo prestigiado e um pouco fora do sistema político, estava a fazer algumas reformas bem sucedidas. O problema é que começou a querer jogar a alta política internacional. Um dos seus maiores erros foi colocar o Paquistão demasiado na alçada da China e afastá-lo do outro aliado tradicional, os Estados Unidos. Desde os anos 1950, o Paquistão tem a particularidade de ter como aliados, em simultâneo, a China e os EUA.”

Imran Khan aproximou o Paquistão também da Rússia. Na véspera da invasão russa da Ucrânia, a 23 de fevereiro de 2022, Vladimir Putin recebeu o chefe do Governo paquistanês no Kremlin, em Moscovo. “Essa foi uma das razões pelas quais depois foi feito o voto de desconfiança” a Khan.

Paralelamente à instabilidade política, o Paquistão enfrenta uma das suas piores crises económicas, resultante de opções políticas erradas, condições globais adversas, a pandemia de covid-19 e as inundações catastróficas de 2022 que submergiram um terço do país. “O Paquistão é uma soma de múltiplas crises”, diz Luís Tomé.

Este caos generalizado, combinado com tentativas externas de influência, a presença no território de grupos radicais terroristas com ligações a grupos como a Al-Qaeda, o Daesh e os talibãs, confluem para “uma situação delicada que pode degenerar numa guerra civil. E a preocupação maior resulta não só de ser um país com quase 250 milhões de habitantes, mas porque é um país com armas nucleares, com disputas com a Índia. O Paquistão está num momento perigoso e as eleições podem não facilitar”, alerta o académico.

279 milhões de habitantes

Com o Presidente Joko Widodo impedido de se recandidatar, dado já ter exercido dois mandatos, as eleições presidenciais indonésias de 14 de fevereiro estão transformadas num verdadeiro ‘negócio de família’.

Um dos três candidatos é o atual ministro da Defesa que escolheu para seu vice-presidente Gibran Raka, o filho mais velho do atual chefe de Estado. Raka tem 36 anos, quando a idade legal para concorrer ao cargo era de 40. A lei foi alterada à medida pela mão do presidente do Supremo Tribunal, que é cunhado do Presidente e tio de Raka.

“Quando Jokowi [como também é conhecido o atual Presidente] foi eleito em 2014, era um outsider político. Era um empresário da área do mobiliário que, aparentemente, rompia com a lógica das dinastias políticas, muito consolidada no Sudeste Asiático. Ele próprio escreveu, na sua autobiografia: ‘Tornar-me Presidente não significa canalizar o poder para os meus filhos’. Agora tem o filho a concorrer e ainda por cima com o ministro da Defesa que é, ele próprio, genro do antigo ditador Suharto”, alerta Luís Tomé.

O mal menor

A importância do exemplo indonésio transcende o próprio país. “Neste momento, a Indonésia é o medidor daquilo que acontece na região, e não só. Por um lado, há quem defenda que esta lógica das dinastias políticas é uma forma de, mesmo em democracia, sustentar algum equilíbrio. Ou seja, é preferível que as democracias funcionem em torno de algumas dinastias, porque mantêm a estabilidade do sistema político democrático. Outros discordam e defendem que isto é uma forma de certas famílias manterem privilégios que o resto da população não tem”, com consequências sociais de risco.

“Isto pode desiludir a população e levá-la a entender que a democracia não é um processo que permita a ascensão social, económica e política. E se o povo considerar que a democracia não serve, vai procurar alternativas. Isto acontece no Sudeste Asiático, que é uma das regiões onde mais se sente a pressão da China, que tenta dar ao mundo um modelo alternativo à democracia liberal — um modelo de regime autocrático, com desenvolvimento económico.”

89 milhões de habitantes

A 1 de março, os iranianos escolherão, simultaneamente, os seus representantes em dois órgãos: o Parlamento (Majlis) e a Assembleia de Peritos, esta última responsável pela nomeação do Líder Supremo.

“As eleições no Irão, em regra, têm uma faceta de grande liberdade. Os eleitores podem escolher os candidatos e não há propriamente manipulação de resultados. O condicionamento vem do papel do ayatollah [o Líder Supremo]. Na lógica xiita, aquilo que ele diz não é contestável.”, explica o investigador do IPRI.

“O condicionamento vem dos candidatos que podem constar no boletim. O regime seleciona os candidatos que o povo pode escolher e afasta muitos potenciais democratas que querem acabar com a Revolução Islâmica e que está fora de questão.”

No Irão, os partidos políticos não são muito relevantes. A dinâmica política gira em torno de dicotomias que se manifestam mais em contextos de tensão: conservadores versus reformistas, ortodoxos versus moderados, teóricos versus pragmáticos.

Na presente conjuntura, apesar das cíclicas vagas de protestos populares antigovernamentais, a tensão internacional permanente em que o Irão se encontra envolto — alvo de sanções, aliado da Rússia na guerra da Ucrânia e instigador do “eixo de resistência” no Médio Oriente (apoiando grupos armados como o palestiniano Hamas e o libanês Hezbollah) — tende a favorecer uma das fações.

“No contexto atual, os ortodoxos, que dominam neste momento a cena política iraniana, têm condições para se manter. Embora, economicamente, tenham sofrido quando os Estados Unidos aplicaram sanções, a apoiar o Irão ao nível económico têm estado a China, que se tornou o seu maior parceiro, e a Rússia”, vaticina Luís Tomé, especialista na região da Ásia-Pacífico.

52 milhões de habitantes

Esta democracia consolidada — apesar dos graves problemas de corrupção ao mais alto nível da política, com três dos últimos Presidentes condenados a penas de prisão — escolhe a próxima Assembleia Nacional a 10 de abril.

Paralelamente às questões económicas e sociais, a ferida aberta na península da Coreia desde 1953 — ano em que terminou a guerra entre as duas Coreias, que carece ainda da assinatura de um tratado de paz — é tema obrigatório em quaisquer eleições legislativas ou presidenciais. Que estratégia seguir em relação ao Norte?

Por um lado, há “uma linha tendente à unificação, mais apaziguadora com a Coreia do Norte, para minimizar tensões, introduzir laços, a pensar nas famílias de um lado e do outro do paralelo 38, e até a nível empresarial, para evitar o colapso no Norte e tentar, com tempo, levar as coisas a bom porto”, diz o professor da Universidade Autónoma.

Por outro, há a abordagem na linha do atual Presidente Yoon Suk-yeol “que entende que é preciso reagir de igual forma e, portanto, se a Coreia do Norte ameaça, a Coreia do Sul não se fica e ameaça de seguida”.

26 milhões de habitantes

No mesmo dia em que os sul-coreanos vão a votos (10 de abril), também os coreanos do norte farão escolhas. Em causa está a eleição da Assembleia Popular Suprema da República Popular Democrática da Coreia (vulgarmente chamada Coreia do Norte), órgão que exerce o poder legislativo.

Se a Ásia é o continente com a maior concentração de dinastias políticas, a lógica de sucessão familiar é levada ao extremo na Coreia do Norte. O país é governado desde a sua fundação pela mesma família e, apesar de ter apenas 40 anos — completados esta semana —, Kim Jong-un vai dando indicações de quem é hipótese para lhe suceder.

Boatos e especulações

Segundo as últimas especulações — ou não fosse a Coreia do Norte o país mais fechado do mundo —, Kim poderá passar o poder à sua filha, Kim Ju-ae, que terá, neste momento, 11 anos. “Mas à frente desta solução está a irmã [Kim Yo-jong]”, recorda Luís Tomé.

“Agora fala-se na filha, porque não sendo habitual, Kim Jong-un tem-na mostrado publicamente, e porque o poder tem passado de pai para filho. Numa lógica dinástica, quase monárquica, já se discute quem lhe sucederá. E ainda por cima, correm boatos de que Kim Jong-un, há dois anos, teve sérios problemas de saúde. Aquela que, aparentemente, é a sua preferida é a irmã, que é, muitas vezes, o rosto da sua política externa. O que se assume é que a irmã será a sucessora e que, a longo prazo, será a filha. Agora, por alguma razão, ele quer mostrá-la.”

1435 milhões de habitantes

A Índia é, desde o ano passado, o país mais populoso do mundo. Sempre que há eleições universais neste país organizado socialmente em função de um sistema de castas, o escrutínio decorre durante semanas. Este ano, será assim entre abril e maio próximos, quando os indianos forem eleger os 543 lugares no Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento.

O Partido Bharatiya Janata (conservador, nacionalista hindu), do primeiro-ministro Narendra Modi, é o favorito à vitória, na senda da grande popularidade do seu líder, que, aos 73 anos, busca um terceiro mandato consecutivo de cinco anos no poder.

Todos contra Modi

Numa espécie de “todos contra Modi”, uma coligação de quase 30 formações políticas, entre as quais o histórico Congresso Nacional Indiano, da dinastia Gandhi, uniram-se na Aliança Inclusiva para o Desenvolvimento Nacional Indiano.

Na língua inglesa, a sigla desta formação é INDIA, “julgo que para dar um significado nacionalista indiano e não hindu. Não sei se será suficiente para impedir nova vitória dos nacionalistas hindus e de Modi”, duvida Luís Tomé.

No Ocidente, “agrada-nos considerar a democracia indiana enquanto tal, porque é o país mais populoso do mundo e gostamos de ter um contrapeso à China. Tanto os Estados Unidos como a União Europeia têm procurado melhorar relações estratégicas com a Índia. Mas, na verdade, sob qualquer padrão, a democracia indiana tem deixado muito a desejar”, conclui Luís Tomé.

“Desde logo, em termos dos direitos das crianças, direitos laborais, direitos das mulheres e direitos das minorias, incluindo a minoria muçulmana de mais de 200 milhões de pessoas. A pretexto do problema do terrorismo e das tensões com o Paquistão, há regiões da Índia onde a Internet é bloqueada durante seis meses. Num regime democrático, isto não é muito abonatório”, critica.

“Enquanto nacionalista hindu, Modi tem progressivamente marginalizado os muçulmanos. Nenhuma democracia permitiria o que ele fez ao autorizar que imigrantes possam adquirir cidadania indiana, mas não imigrantes muçulmanos. É uma desigualdade flagrante. Modi está a criar uma situação escaldante.”

(IMAGEM FACEBOOK ASIA ELECTS)

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 11 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Morte do n.º 2 do Hamas “não ficará sem uma resposta ou punição”, garantiu o líder do Hezbollah

Hassan Nasrallah fez o seu segundo discurso em três dias. O líder do Hezbollah prometeu vingar a morte do alto responsável do Hamas, ocorrida em território libanês, e dirigiu-se às populações do norte de Israel, aconselhando-as a pressionar o Governo de Israel para “acabar com a agressão em Gaza”

Logotipos do Hamas e do Hezbollah ACEH ONLINE

Hassan Nasrallah discursou, esta sexta-feira, pela segunda vez em três dias. O secretário-geral do Hezbollah, a organização armada xiita implantada no sul do Líbano, defendeu que o grupo ficaria exposto se não reagisse ao assassínio de Saleh al-Arouri, o número dois do Hamas, em Beirute, num ataque com drone atribuído a Israel, na terça-feira à noite.

Nasrallah referiu-se a Al-Arouri como “um amigo próximo” com quem estava coordenado a vários níveis. “Digo-vos com certeza que isto não ficará sem uma resposta ou punição”, disse Nasrallah, explicando que serão as forças no terreno a decidir a natureza da resposta “no momento e no local apropriados”.

“Não podemos permanecer calados sobre uma violação desta gravidade porque isso significa que todo o Líbano, as cidades e os números ficarão expostos”, continuou Nasrallah.

Israel não assumiu a responsabilidade do ataque que vitimou Al-Arouri, mas, nas redes sociais, responsáveis políticos, como o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, saudaram a morte do responsável do Hamas.

Na rede social X, Danny Danon, deputado e antigo embaixador de Israel nas Nações Unidas, felicitou “as Forças de Defesa de Israel, o Shin Bet, a Mossad e as forças de segurança pelo assassinato de Saleh al-Arouri”, em Beirute.

“Oportunidade histórica” para reaver território

No seu discurso, gravado previamente e transmitido esta sexta-feira na televisão, Nasrallah disse que, desde 8 de outubro, o Hezbollah já realizou 670 ações militares ao longo da fronteira com Israel, com as quais destruiu um “grande número de veículos e tanques israelitas”.

Nasrallah acrescentou que essas manobras abriram uma “oportunidade histórica” para o Líbano libertar a sua terra ocupada por Israel, aludindo, entre outras contendas territoriais fronteiriças, às Quintas de Shebaa, disputadas pelas duas partes.

“Enfrentamos uma oportunidade real para libertar cada centímetro das nossas terras libanesas e evitar que o inimigo viole as nossas fronteiras e espaço aéreo”, disse.

Objetivo: aliviar a pressão em Gaza

Nasrallah dirigiu-se também às populações que vivem no norte de Israel e que, em virtude da troca de fogo diária entre Israel e o Hezbollah, tiveram de ser transferidas para locais mais seguros.

“Os libaneses historicamente fugiram de Israel, e hoje quem foge são os israelitas”, disse o líder do Hezbollah. “Israel já estabeleceu uma zona de segurança no sul do Líbano – hoje, a zona de segurança está no norte de Israel. Os habitantes do norte de Israel estão errados ao exigir uma guerra contra o Hezbollah, não os ajudará. Pelo contrário, o que os ajudará a regressar a suas casas é pressionarem o governo para acabar com a agressão em Gaza.”

Nasrallah admitiu que o Hezbollah começou a atacar o norte de Israel para dividir as atenções das Forças de Defesa de Israel e aliviar a pressão sobre a Faixa de Gaza. “A batalha que está a ocorrer no sul do Líbano estabilizou o equilíbrio da dissuasão”, disse.

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 5 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui

Ataques em Damasco, Beirute e Kerman revelam eixo de provocação ao Irão

A explosão de duas bombas numa cidade iraniana provocou, esta quarta-feira, mais de 100 mortos. Foi o último de uma série de ataques contra o Irão ou grupos armados aliados na região que indiciam uma intenção de provocação à República Islâmica. Dois investigadores ouvidos pelo Expresso coincidem na análise. A guerra não está a correr bem ao primeiro-ministro israelita. Prolongá-la e abrir novas frentes na região é uma necessidade de Benjamin Netanyahu, em nome da sua própria sobrevivência política

Duas iranianas juntos a um retrato de Qasem Soleimani, em Teerão MORTEZA NIKOUBAZL / GETTY IMAGES

Há exatamente quatro anos, no aeroporto de Bagdade, capital do Iraque, um míssil certeiro disparado por um drone dirigido por forças dos Estados Unidos — era Donald Trump o inquilino da Casa Branca — atingiu mortalmente o general iraniano Qassem Soleimani.

Esta quarta-feira, a explosão de duas bombas, perto do Cemitério dos Mártires, onde Soleimani está enterrado, na cidade de Kerman (centro do Irão), provocaram pelo menos 103 mortos e 141 feridos. O banho de sangue levou o Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, a cancelar a sua visita à Turquia, prevista para esta quinta-feira.

Este “ataque terrorista”, como depressa foi rotulado pelas autoridades iranianas, atingiu em cheio uma multidão que se dirigia para uma cerimónia em memória daquele herói nacional — que teve um papel determinante na derrota do Daesh no Iraque e na Síria.

A tragédia fez acionar os alertas da escalada do conflito na região do Médio Oriente, que, menos de 24 horas antes, já sofrera um poderoso abalo com o assassínio de Salah al-Aaruri, número dois do Hamas, num ataque com drone atribuído a Israel, no sul de Beirute, capital do Líbano.

“O significado dos dois ataques consecutivos não se prende com quem era Soleimani ou com o seu legado enquanto figura política e estratégica, mas com o simbolismo da sua liderança da Força Quds”, diz ao Expresso Mohammed Cherkaoui, professor na área da Resolução de Conflitos na Universidade George Mason (Virgínia, EUA). “O alvo de Kerman é a ligação Irão-Palestina, menos de 20 horas após o assassínio do número dois do Hamas, em Beirute.”

A Força Quds, que adota o nome árabe da cidade de Jerusalém, é uma unidade de elite dentro do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica do Irão. Está encarregue do apoio de Teerão a um conjunto de peões na região, que atuam em nome do interesse nacional iraniano — como o grupo islamita palestiniano Hamas, o movimento xiita libanês Hezbollah e os rebeldes iemenitas hutis. Atualmente, todos estão empenhados, em maior ou menor grau, em ações de confronto com Israel.

Nenhum dos dois ataques foi reivindicado, mas na região aponta-se o dedo ao Estado judeu. Na rede social X, o deputado israelita Danny Danon, antigo embaixador nas Nações Unidas, confirmou suspeitas e felicitou “as Forças de Defesa de Israel, o Shin Bet, a Mossad e as forças de segurança pelo assassínio de Salah al-Aaruri”, no Líbano. “Qualquer pessoa envolvida no massacre de 7 de outubro deve saber que entraremos em contacto e apresentaremos a fatura.”

Nascido na cidade palestiniana de Ramallah, na Cisjordânia ocupada, Salah al-Aaruri era o principal coordenador das ações do Hamas naquele território palestiniano. A confirmar-se a implicação de Telavive na sua morte, foi a primeira vez que Israel atacou na capital libanesa desde a guerra de 34 dias que travou com Hezbollah, no verão de 2006.

Com que objetivo o fez agora?

“Até agora, a guerra em Gaza do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que dura há quase três meses, parece debater-se com dificuldades ao nível da erradicação do Hamas, da libertação dos reféns e da alteração da geopolítica da Faixa de Gaza”, continua o antigo membro do Painel de Peritos das Nações Unidas. “Parece ter mudado de tática na direção do norte, onde o Hezbollah poderá retaliar pelo assassínio do líder palestiniano, no sul de Beirute.”

Neste sentido, a intenção de Netanyahu seria mostrar mão dura e, ao mesmo tempo, procurar transmitir liderança e segurança ao povo israelita. Mas outra razão maior sobressai.

“Netanyahu está também a tentar provocar um confronto com os iranianos e, possivelmente, uma guerra regional. Acredita que é o melhor momento estratégico para puxar a perna dos Estados Unidos, numa demonstração de força contra o Irão, tomado pelo apelo de que há que parar o ‘Irão nuclear’, que vem desde o seu famoso discurso na Assembleia-Geral da ONU, em que mostrou o desenho de uma ‘bomba nuclear iraniana a fazer tique-taque’”, acrescenta.

Javad Heirannia, que dirige o Centro de Investigação Científica e Estudos Estratégicos do Médio Oriente, de Teerão, enumera indícios recentes que revelam que Israel está de olho no Irão. “As condições da guerra em Gaza e a intensificação dos ataques dos hutis do Iémen no Mar Vermelho e no Estreito de Bab al-Mandab aumentaram as tensões”, diz ao Expresso.

“Primeiro, Israel enviou uma mensagem de alerta e dissuasão ao Irão, ao levar a cabo atos de sabotagem dentro do país, incluindo um ataque cibernético a postos de gasolina. Depois, fez um aviso ainda mais sério, visando o comandante dos Guardas da Revolução na Síria. Com as explosões em Kerman, Israel elevou o nível de alerta dissuasor contra Teerão e anunciou que pode criar insegurança e atingir o Irão por dentro.”

O episódio na Síria de que fala Heirannia ocorreu a 25 de dezembro. Razi Mousavi, principal comandante da Força Quds nesse país e coordenador da relação entre Teerão e Damasco, foi morto na sua casa, no bairro de Sayida Zeinab, a sueste da capital síria, atingida por três mísseis.

“Israel realiza estes planos de assassínios contra o que considera serem ‘alvos ligados ao Irão’. Netanyahu internalizou o medo — nele mesmo e no Likud [o seu partido, no poder] e nos círculos políticos de direita — de que o principal inimigo de Israel é o Irão”, explica Mohammed Cherkaoui. “Agora, ele não está a travar uma guerra dual entre Israel e o Hamas, antes a arquitetar um extravasamento em formato triangular, onde o Hezbollah no Líbano, os hutis no Iémen, milícias armadas na Síria e no Iraque, e o Irão vão para um confronto de força. Confia no que considera ser uma mola para as relações Israel-Ocidente.”

Nasrallah ao ataque… verbal

Esta quarta-feira, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, fez um discurso evocativo do aniversário da morte de Soleimani. A milícia xiita que lidera — que é também uma formação política (Partido de Deus), com deputados eleitos e ministros no Governo — é um dos principais vértices do chamado “eixo de resistência” que o regime de Teerão promove junto de peões regionais, que atuam em seu nome.

A expectativa em relação à comunicação de Nasrallah redobrou de interesse após a morte do n.º 2 do Hamas em território libanês. Mas Nasrallah absteve-se de ameaças concretas. “Se o inimigo pensa travar uma guerra contra o Líbano, a nossa luta será sem teto, sem limites, sem regras”, disse Nasrallah, remetendo para sexta-feira um novo discurso sobre o assunto.

Em paralelo aos bombardeamentos e à ofensiva terrestre de Israel na Faixa de Gaza, tem-se registado troca de fogo entre forças israelitas estacionadas no norte de Israel e grupos do Hezbollah no sul do Líbano. De um lado e do outro já houve vítimas mortais, mas a situação ainda não evoluiu para uma guerra aberta.

Uma sucessão de ataques como os de Damasco, Beirute e, hoje, em Kerman potencia uma escalada que pode contagiar toda a região. Heirannia pensa que esse cenário não é do interesse de Teerão. “O Irão sabe que entrar numa guerra futura com Israel arrastará a América para esse conflito, e esta não é uma opção desejável para Teerão. Parece que o Irão vai adiar a vingança para outro momento. A questão principal é qual poderá ser a avaliação de Israel e qual a sua próxima ação. Não esqueçamos que as guerras sempre foram baseadas em erros de cálculo.”

Netanyahu quer o Irão na guerra

Após o ataque do Hamas a Israel, a 7 de outubro, o Irão negou envolvimento direto e tanto Israel como os Estados Unidos afastaram essa possibilidade no exercício de identificação de culpados. Para Cherkaoui, com o evoluir da guerra, a entrada do Irão num conflito abrangente tornou-se “o desejo ideal de Netanyahu por várias razões”.

“Primeiro, tem necessidade extrema de prolongar a guerra e abrir novas frentes na região. Também teme a retaliação política dos seus adversários e de um grande segmento da sociedade israelita que leve a perder o cargo e à possibilidade de um processo judicial e condenação que o leve à prisão”, conclui o académico.

“O que faz sentido para ele, agora, é gerir a sua guerra em Gaza pressionando no sentido de uma escalada regional. Recordemos como os governos ocidentais, de Washington a Berlim, se apressaram, política e militarmente, a proteger a segurança nacional de Israel a 7 de outubro de 2023, sob o lema: ‘Israel está sob ataque do Hamas’. Agora imagine-se o que faria o Ocidente em reação a: ‘Israel está sob ataque do Irão!’…

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui e aqui

Com Israel tomado pela guerra, o Supremo Tribunal retomou o braço de ferro com o Governo. Justiça ou política?

O principal órgão judicial de Israel foi insensível ao contexto de guerra que o país vive e tornou pública uma deliberação que ameaça reabrir feridas na sociedade. “Enquanto a guerra une a todos, esta decisão leva-nos de volta à divisão anterior a 7 de outubro”, diz ao Expresso um advogado israelita. Em causa está a alteração a uma lei-chave para a reforma judicial do Governo: o Parlamento aprovou-a e agora o Supremo anulou-a

As manifestações contra a reforma judicial colocaram Benjamin Netanyahu sob fogo: “O exterminador de Israel”, lê-se no cartaz MATAN GOLAN / GETTY IMAGES

Com uma guerra em curso que mobiliza quase toda a população, paralisa o país e é, nas palavras do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, “a segunda guerra da independência de Israel”, o Supremo Tribunal chamou a si o protagonismo e reforçou a sua autoridade em relação aos destinos do Estado judeu.

Era já noite, no primeiro dia do ano, quando o coletivo de 15 juízes tornou pública a decisão de anular uma alteração à chamada lei da razoabilidade, aprovada no Parlamento (Knesset) a 25 de julho do ano passado, que era um dos pilares da polémica reforma judicial gizada pelo Governo.

Ao longo de 2023, este assunto mobilizou quer os bastidores políticos quer as ruas do país durante largos meses, num braço-de-ferro entre quem achava que o sistema judicial precisava de ser mudado e quem considerava a agenda para a justiça do Governo — dominado por partidos extremistas e religiosos — uma ameaça à democracia.

A investigadora israelita Tamar Hermann, do Instituto de Democracia de Israel, não vê relação entre o momento escolhido pelo Supremo Tribunal e alguma vontade oculta de interferir nos planos de guerra do Governo. “De forma alguma”, disse ao Expresso. “O momento foi este porque o prazo, segundo a lei, estava a terminar. Legalmente, eles não podiam adiar a publicação do veredito.”

O advogado israelita Itay Mor também não perceciona qualquer intenção do Supremo em condicionar o rumo da guerra, mas vislumbra objetivos políticos. “O principal fator que levou a esta decisão prende-se com o facto de duas juízas, incluindo a presidente do Supremo Tribunal, se terem reformado”, disse ao Expresso.

Aos 70 anos, Esther Hayut e Anat Baron atingiram o limite de idade e aposentaram-se em meados de outubro passado. Nestes casos, a lei prevê que, nos três meses seguintes, os antigos juízes possam ainda participar das deliberações. “É legal, mas dadas as circunstâncias é muito invulgar”, explica Itay Mor.

“Esta foi basicamente uma declaração de aposentadoria. Quiseram deixar a sua marca. Houve sugestões para que adiassem a decisão ou pelo menos a sua publicitação. Se isso fosse aceite, estas juízas não participariam.”

“Este é um momento muito problemático para publicar algo deste género”, continua o advogado. “Enquanto a guerra une a todos, esta decisão leva a sociedade de volta à divisão anterior a 7 de outubro. A maioria das pessoas não concorda com isto.”

“A decisão dos juízes do Supremo Tribunal de publicar a decisão durante a guerra é o oposto do espírito de unidade necessário hoje em dia para o sucesso dos nossos soldados na frente”

Yariv Levin
ministro da Justiça de Israel e arquiteto do projeto de reforma judicial

A votação no Supremo foi renhida com oito juízes a defenderem a anulação do fim da cláusula da razoabilidade e sete a pronunciarem-se contra essa prerrogativa. Prevaleceu o argumento de que limitar a possibilidade do Supremo usar critérios de razoabilidade para abortar decisões do Governo mina o caráter democrático do Estado judeu. Esther Hayut e Anat Baron contribuíram para a posição dominante.

A professora Tamar Hermann concorda que a deliberação pode não ser coincidente com o sentimento maioritário da sociedade. “Houve pluralidade no Supremo, mas se perguntarmos às pessoas, a proporção poderá ser diferente. Pode muito bem acontecer que a maioria diga que é uma lei aceitável. O Supremo não é, de forma alguma, um bom reflexo da distribuição de opinião entre as pessoas”, diz.

“Há 64 lugares no Parlamento [num total de 120] ocupados por deputados de partidos de direita, que são a favor desta lei” e foram eleitos pelo povo.

A fundamentação do Supremo totalizou cerca de 250 mil palavras, com cada juiz a escrever um parecer. Para a jurisprudência de Israel, o documento é um marco, já que, pela primeira vez, este tribunal derrubou uma Lei Básica.

Dado Israel não ter uma Constituição escrita, semelhante à que existe em Portugal, por exemplo, um conjunto de Leis Básicas servem de base ao sistema judicial e à estrutura de governo.

Para Benjamin Netanyahu e a sua coligação governativa, esta deliberação foi um rombo no argumento repetido incessantemente de que a maioria parlamentar era soberana. O Supremo demonstrou que os poderes legislativo e executivo devem estar sujeitos a restrições e que maiorias políticas não podem servir para ameaçar direitos.

“O que aconteceu em Israel nunca aconteceu em nenhuma outra democracia na Terra. Há países onde o Supremo pode anular regras, mas nunca decide sobre as regras básicas de uma sociedade. Isso é sempre competência do Parlamento, que é o órgão eleito. E há outros países onde os juízes são eleitos e é possível dar-lhes mais poder. Não é o caso. O que aconteceu é muito extremo, incomum e único”, diz o jurista israelita.

“Isto é uma crise. Se o Parlamento não consegue legislar sobre o que acontece no sistema jurídico, então como funciona o sistema? O Supremo Tribunal não é eleito, então como pode estar acima de tudo?”

Em termos técnicos, a deliberação do Supremo pode voltar a ser desafiada no Parlamento. “O Knesset é o órgão legislativo. É a ele que compete produzir regras. Se o Supremo Tribunal decidir anular o que o Parlamento produz vai criar uma colisão que alguém vai ter de resolver”, diz o advogado.

Se regressar ao Parlamento, não é claro que tipo de maioria será necessária para contrariar a posição do Supremo. “Esse é o problema em Israel, não há indicação de quantos votos uma lei básica deve obter”, diz a professora. “Mas esta deliberação acrescentou algo muito mais substancial, que foi afirmar que o Supremo tem o direito de escrutinar minuciosamente as leis básicas. Isto foi algo bastante ambíguo durante muitos anos e agora o Supremo afirmou-o formalmente.”

Na prática, esta posição relativa às Leis Básicas — que foi aprovada por uma maioria clara de 13 juízes contra dois — significa que o Supremo reclama para si autoridade para anular leis fundamentais do Estado que contrariem a sua natureza judaica e democrática.

Contrariamente à decisão sobre a lei da razoabilidade, esta declaração sobre as Leis Básicas não pode ser apreciada pelo Parlamento. “Não é algo que o Knesset possa contestar, a menos que mude todo o sistema de regime em Israel”, refere a israelita.

“Aparentemente”, acrescenta Tamar Hermann, esta posição do Supremo poderá ser o fim da linha para a reforma judicial do Governo que “percebeu que a luta seria muito longa e dura e, durante uma guerra, as pessoas não aceitariam a continuação deste processo. Talvez o retomem dentro de alguns anos, mas agora não”.

E Itay Mor acrescenta: “Toda a liderança está agora concentrada na guerra. Neste momento, não acredito que alguém pense noutra coisa. Talvez daqui a seis meses, um ano, queiram fazer mudanças, e acredito que as farão. A curto prazo, não será tomada nenhuma decisão em relação a isto”.

Numa mensagem de Ano Novo, um porta-voz das Forças de Defesa de Israel preparou o povo para a probabilidade do conflito se estender todo o ano de 2024. Perante esse cenário, aterrorizado diariamente pela perspetiva do conflito extravasar fronteiras e abrir novas frentes em redor e ainda com um governo fragilizado pela incapacidade em prever o ataque de 7 de outubro e pela dificuldade em resgatar os reféns em posse do Hamas, uma crise constitucional seria mais um pesadelo no país.

“Essa é a maior crítica que se faz em Israel, neste momento, em relação ao sistema judicial. Se se tratasse de uma decisão do Governo, nunca seria tomada a meio da guerra”, conclui Itay Mor. “Mas o sistema judicial faz o que quer. No seu parecer, uma das juízas fez uma comparação entre a guerra e a lei da razoabilidade. Isso mostra o quão desligados eles estão da realidade.”

Artigo publicado no “Expresso Online”, a 3 de janeiro de 2024. Pode ser consultado aqui