
A Índia vai a votos pela primeira vez desde que ultrapassou a China e se tornou o país mais populoso do mundo, com cerca de 1440 milhões de habitantes. A partir desta sexta-feira, os indianos começam a escolher 543 deputados à câmara baixa do Parlamento (Lok Sabha) para os próximos cinco anos. A disputa trava-se, sobretudo, entre o Partido do Povo Indiano (nacionalista), do primeiro-ministro Narendra Modi, e o Congresso Nacional Indiano, que tem estado na oposição nos últimos dez anos. Para formar Governo, um partido ou coligação terá de garantir 272 assentos.
Votar neste país, que tem a sétima área do mundo, implica uma logística complexa. Segundo a lei, deve haver um local de voto a dois quilómetros da casa de qualquer eleitor. Assim, dos Himalaias (norte) ao Índico (sul), do deserto Thar (oeste) aos arquipélagos da Baía de Bengala (leste), haverá 1,05 milhões de assembleias de voto — a de Tashigang a 4650 metros de altitude —, com 5,5 milhões de urnas eletrónicas.
Para pôr de pé esta operação, cerca de 11 milhões de funcionários atravessaram glaciares e desertos, selvas densas e águas infestadas de crocodilos, nas costas de elefantes e de camelos, a bordo de barcos e helicópteros. O escrutínio, que se prolonga até 1 de junho, realiza-se em sete fases. A principal razão para este calendário por camadas prende-se com a necessidade de alocar forças de segurança para verificar todo o processo, precavendo tentativas de fraude e episódios de violência.
Outra dimensão
969
milhões de indianos estão aptos a votar neste escrutínio. A idade legal para poder votar são 18 anos e para ser candidato, 25
44
dias é quanto dura o processo eleitoral até os resultados serem anunciados (4 de junho); as eleições mais rápidas foram as de 1980: demoraram quatro dias
2660
forças políticas (nacionais e regionais) estão registadas na Índia — para fazer face à iliteracia, são identificados por símbolos
Em que radica a popularidade de Modi?
O atual primeiro-ministro foi eleito pela primeira vez em 2014. Aos 73 anos, candidata-se a um terceiro mandato. Se o cumprir, Narendra Modi torna-se o terceiro indiano com mais tempo na chefia do Executivo. Mais experientes só Jawaharlal Nehru, o primeiro líder pós-independência — 16 anos e 286 dias —, e a sua filha, Indira Gandhi, que passou um acumulado de 15 anos e 350 dias no poder.
O cientista social indiano Amit Singh considera “exagerado” dizer que Modi é um líder popular. “É popular, mas controverso, talvez devido à sua capacidade de usar a religião para polarizar as massas hindus”, diz ao Expresso. “É popular apenas nalguns segmentos da maioria hindu.” Nas eleições de 2019, a sua coligação obteve 37%.
Singh diz que Modi tem boa imprensa, ao contrário da oposição, que recebe pouca atenção. “Há um capitalismo de compadrio que apoia a candidatura de Modi.” Um exemplo foi a compra da NDTV pelo multimilionário Gautam Adani, próximo de Modi. Outrora independente, a televisão é hoje câmara de ressonância do Governo.
Braço de ferro entre duas megacoligações
PARTIDOS Os protagonistas destas eleições são o Partido do Povo Indiano (BJP, na sigla inglesa), criado em 1980 e hoje no poder, e o histórico Congresso Nacional Indiano, fundado em 1885.
LÍDERES O primeiro-ministro Narendra Modi chefia o BJP (nacionalismo hindu). O rosto do Congresso (centro) é Rahul Gandhi, filho, neto e bisneto de antigos primeiros-ministros.
COLIGAÇÕES O BJP formou uma coligação de 38 partidos, a Aliança Democrática Nacional. A oposição une 26 na Aliança Inclusiva para o Desenvolvimento Nacional Indiano (INDIA), a fim de proteger o país do nacionalismo hindu. Modi passou a chamar Bharat ao país, o nome em hindi.
SÍMBOLOS O BJP é identificado por uma flor de lótus e o Congresso por uma mão.
DUAS PERGUNTAS A
Amit Singh
Cientista social indiano, autor do livro “An Approach to Hindutva India”
Que mais o preocupa no seu país?
A ascensão agressiva do nacionalismo e da religião hindus e, em simultâneo, a morte da democracia secular. O secularismo trouxe-nos liberdade de expressão, de religião, igualdade de género e o seu declínio está a ter impacto nos direitos humanos. O crescimento do nacionalismo hindu também perturbou a harmonia comunitária. Vigilantes hindus têm atacado muçulmanos e cristãos. Com Narendra Modi no poder, o ataque à sociedade civil, em especial às minorias religiosas, aumentou.
Com que impacto socioeconómico?
A desigualdade social é preocupante e é a maior de sempre. O desemprego entre os jovens com formação superior é muito elevado. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, 83% dos indianos sem trabalho são jovens. Que vão essas pessoas fazer? Vai haver caos social. Outro problema é a concentração da riqueza em 1% da elite. Com Modi, as divisões sociais aumentaram. As pessoas estão polarizadas com base na casta e na religião, com impacto na qualidade da democracia.
Artigo publicado no “Expresso”, a 19 de abril de 2024. Pode ser consultado aqui e aqui
