Quando falta um ano para as presidenciais nos Estados Unidos, Joe Biden surge como o candidato democrata mais bem colocado para derrotar Donald Trump. Ao Expresso, o autor de um livro sobre a “parceria extraordinária” entre Obama e Biden quando estiveram na Casa Branca ajuda a perceber por que razão Biden pode não ser o favorito do anterior Presidente
Durante oito anos, Barack Obama e Joe Biden conviveram na presidência dos Estados Unidos como verdadeiros irmãos. Na presença um do outro, o Presidente e o seu vice não pouparam nos sorrisos, nas mostras de carinho e nos gestos de cumplicidade.
A amizade transbordou os corredores do poder e, muitas vezes, surgiram juntos em eventos desportivos, como o fazem os melhores amigos. Na imprensa, esta relação de grande proximidade ganhou as cores de um “bromance” — um romance entre irmãos (brothers, em inglês).
Três dias antes de deixar funções, Obama prestou tributo a essa caminhada conjunta e condecorou Biden com a Medalha Presidencial da Liberdade, a maior honra concedida a um civil. “Foi o melhor vice-presidente que a América alguma vez teve”, disse o 44º Presidente, eleito pela primeira vez faz esta segunda-feira onze anos.
Se Obama é hoje alguém distante dos palcos da política, já Biden sonha ainda com a cadeira do poder. A 25 de abril passado, o antigo senador pelo Delaware lançou a sua candidatura às eleições presidenciais de 3 de novembro de 2020. Envolto em ações de campanha desde então, ainda não ouviu do “irmão” Obama o esperado apoio.
“Obama não pôde endossar Biden logo após ter anunciado a sua candidatura porque não se sabe se ele será o candidato democrata”, explica ao Expresso Steven Levingston, autor do livro “Barack and Joe: The Making of an Extraordinary Partnership” [Barack e Joe: A Realização de uma Parceria Extraordinária], recentemente publicado.
“Obama é a pessoa mais popular — e mais poderosa — no Partido Democrata. O seu apoio terá muito peso pelo que terá de o fazer com cuidado e somente após o partido ter a certeza de quem será o seu candidato. Se Obama apoiar Biden, ou qualquer outro, antes da nomeação final, corre o risco de escolher a pessoa errada e, quando o candidato for nomeado, o seu apoio ter menos peso.”
Obama parece, pois, determinado em repetir o guião de 2016, adotando uma postura de neutralidade na fase das primárias e expressando apoio – no caso a Hillary Clinton – dissipadas as dúvidas quanto ao candidato escolhido.
“O relacionamento entre Obama e Biden foi único na história americana. Presidentes e vice-presidentes não se comportam daquela maneira. Admiravam-se e respeitavam-se verdadeiramente, tinham uma amizade profunda e formaram uma equipa dinâmica na Casa Branca”, continua Levingston. “Mas, na sua essência, o relacionamento era um casamento político. A política intercetou a amizade. Esta relação pessoal tão profunda não podia superar as necessidades da política.”
Com Obama em silêncio, Biden procura tirar dividendos desse percurso ímpar ao lado de um dos Presidentes mais emblemáticos da história do país, sobretudo nos debates com os adversários democratas. “O meu problema com o vice-presidente Biden é que sempre que se refere algo de bom sobre Barack Obama, ele diz: ‘Oh, eu estava lá, eu estava lá, isso sou eu também’”, criticou Julián Castro, no debate de 12 de setembro. “Mas sempre que se questiona um aspeto da Administração da qual ambos fizemos parte, ele diz: ‘Bem, isso foi o Presidente’.” Castro foi secretário da Habitação e do Desenvolvimento Urbanístico entre 2014 e 2017.
O apoio de Obama a Biden levaria o antigo vice-presidente a disparar nas sondagens, mas dizem os números que desde que iniciou a corrida democrata Biden esteve sempre na liderança. E mesmo num eventual confronto com Donald Trump, a última projeção divulgada, da insuspeita Fox News (com inquéritos realizados entre 27 e 30 de outubro), dá 51% a Biden e 39% a Trump.
“Se Biden for o candidato democrata, acredito que Obama o apoiará com força e com um desejo genuíno de o ver eleito. Na sua perspetiva, é mais importante que os democratas reconquistem a Casa Branca em parte para redefinir a nação e restaurar parte do legado de Obama”, defende Levingston, editor de Não-Ficção do jornal “The Washington Post”.
“De certa forma, Biden pode ser o melhor candidato para preservar a herança de Obama, tendo trabalhado em estreita colaboração com ele e sendo mais moderado do que outros candidatos democratas que querem empurrar a nação para além do lugar onde Obama a colocou.”
Mas se Biden é realmente o favorito de Obama, talvez só mesmo o 44º Presidente saiba a resposta. “Do ponto de vista do seu legado, pode muito bem ser que Obama prefira um candidato que seja mais indicativo de mudança política do que Biden é”, concluiu o autor. “Obama alterou a paisagem política ao tornar-se o primeiro Presidente negro. Se os EUA elegessem agora uma mulher [Elizabeth Warren] ou um Presidente homossexual [Pete Buttigieg], isso promoveria mais o legado de Obama como pioneiro na cena política norte-americana — um homem que remodelou a natureza da política americana.”
(FOTO Joe Biden e Barack Obama partilham uma risada, antes de uma ação de campanha para as presidenciais desse ano, em Portsmouth, em Nova Hampshire, a 7 de setembro de 2012. Obama seria reeleito Presidente dos EUA e Biden continuaria a ser o seu vice-presidente PETE SOUZA / US GOVERNMENT / RAWPIXEL)
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 4 de novembro de 2019. Pode ser consultado aqui