“Cabe inteiramente aos Estados Unidos escolher que presente de Natal querem receber”. O ultimato de Kim a Trump está a expirar

Os Estados Unidos têm até ao fim do ano para reconhecer a boa-fé da Coreia do Norte e fazer concessões. Se isso não acontecer, diz Pyongyang, a contenção deixa de fazer sentido. “É de prever uma escalada na tensão”, vaticina uma especialista

O relógio está em contagem decrescente na Coreia do Norte. Pyongyang deu a Washington um ultimato que está prestes a expirar: os norte-americanos têm até ao final do ano para fazer concessões importantes e assim salvar o diálogo entre ambos. “Cabe inteiramente aos Estados Unidos escolher que presente de Natal querem receber”, avisou na terça-feira Ri Thae Song, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Norte.

Kim Jong-un e Donald Trump já se encontraram por três vezes — em Singapura (12 de junho de 2018), Hanói (27 e 28 de fevereiro de 2019), e na Zona Desmilitarizada entre as duas Coreias (30 de junho) —, mas essa aproximação tarda em produzir resultados. Os EUA querem que a Coreia do Norte prove que está a desmantelar o seu programa nuclear. Já a Coreia do Norte exige ser recompensada pela suspensão de “uma série de ações”.

“As duras condições impostas pela Coreia do Norte para retomar as conversações sobre desnuclearização com os EUA — a remoção de sanções e as garantias de segurança para as ‘medidas de boa vontade’ que a Coreia do Norte já adotou — refletem uma posição de endurecimento por parte da Coreia do Norte relativamente aos EUA”, comenta ao Expresso Rachel Minyoung Lee, que analisa a realidade norte-coreana a partir de Seul (Coreia do Sul). “Julgo que a próxima movimentação política de Kim Jong-un será no sentido da linha dura, pelo que é de prever uma escalada na tensão.”

Numa avaliação ao estado da relação com os EUA, feita nas Nações Unidas, a Coreia do Norte reclama não ter ganho “nada” com a aproximação entre Kim Jong-un e Donald Trump “a não ser um sentimento de traição”. “É bastante natural que reforcemos as nossas capacidades, a fim de reduzir visivelmente as crescentes ameaças que obstruem a nossa segurança e desenvolvimento”, defendeu a missão norte-coreana.

Nos últimos três meses, Pyongyang vem sinalizando a sua impaciência retomando a realização de testes com mísseis. Aconteceu a 24 de agosto, a 10 de setembro, a 31 de outubro e a 28 de novembro, este último de forma algo provocatória ao coincidir com o feriado de Ação de Graças nos EUA. “Estamos sentados sobre um vulcão ativo”, disse a 12 de novembro Robert L. Carlin, antigo negociador na área do nuclear do Departamento de Estado dos EUA, numa conferência na Universidade de Yonsei, em Seul. “Não temos muito tempo para recuar.”

O diálogo direto entre EUA e Coreia do Norte rompeu-se definitivamente a 5 de outubro, após um encontro de oito horas e meia entre negociadores de topo, nos arredores de Estocolmo (Suécia). Onze dias depois, Kim Jong-un esbanjou confiança, cavalgando no Monte Paektu, o ponto mais alto da península.

“Mais do que uma demonstração de confiança, julgo que o passeio a cavalo foi um desafio”, diz Rachel Minyoung Lee. “A subida ao Monte Paektu seguiu-se a críticas explícitas por parte de Kim Jong-un em relação às sanções dos EUA. Aquela escalada visou sublinhar que a Coreia do Norte seguirá o seu caminho — aquilo que os órgãos oficiais do Estado designam de ‘autossuficiência’ —, apesar das dificuldades resultantes de prolongadas sanções.”

A imprensa norte-coreana condimentou o passeio dizendo que foi um momento de reflexão do líder, de quem se espera para breve “uma grande decisão”. Referido nos hinos nacionais das duas Coreias, o Monte Paektu é também simbólico na relação que a dinastia Kim estabeleceu com o país que fundou em 1948 e que lidera desde então. “De acordo com a propaganda, Kim Il-sung [avô do atual líder] travou batalhas nessa montanha contra o colonizador japonês”, explica a analista.

A associação nacionalista entre o local e os Kim continuou com Kim Jong-il, pai do líder atual, que, diz a propaganda, “nasceu no ‘Campo Secreto’ do Monte Paektu, em 1942, apesar dos registos históricos no mundo real dizerem que nasceu na Rússia em 1941”.

Igualmente, o recurso a um cavalo branco não é um pormenor irrelevante. “Segundo as memórias de Kim Il-sung, um cavalo branco veio de algures na sua direção durante uma batalha contra os japoneses e conseguiu grandes conquistas. Provavelmente por essa razão, os três líderes norte-coreanos foram todos retratados com cavalos brancos”, conclui Rachel Minyoung Lee. Uma forma elegante de mostrarem quem está às rédeas do país.

(FOTO Rodeado por um grupo de atiradores de elite da Força Aérea norte-coreana, Kim Jong-un mostra quem manda no país REUTERS)

Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 5 de dezembro de 2019. Pode ser consultado aqui

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