O calcanhar de Aquiles do Presidente

Economia e Trump complicam ‘o passeio’ de Hassan Rohani nas eleições presidenciais da próxima semana

SOFIA MIGUEL ROSA

De quatro em quatro anos, a luta pelo poder no Irão entre fações conservadoras e reformistas ganha visibilidade internacional. Foi o que aconteceu em 2009 quando a reeleição do conservador Mahmoud Ahmadinejad foi contestada nas ruas pelo Movimento Verde, criando a ilusão de uma “primavera” iraniana. Foi assim também em 2013 quando a eleição do clérigo moderado Hassan Rohani criou expectativas quanto a uma real abertura da República Islâmica ao Ocidente.

Na próxima sexta-feira, 55 milhões de iranianos estão convocados para escolher o Presidente, pela 12ª vez desde a Revolução Islâmica de 1979. “O padrão aponta para que [o Presidente em funções] Hassan Rohani seja o provável vencedor. Mas, nos últimos meses, analistas têm previsto a sua derrota”, alerta ao Expresso Ghoncheh Tazmini, investigadora da Faculdade de Estudos Orientais e Africanos (SOAS) da Universidade de Londres.

“A presidência de Rohani foi diretamente relacionada com o sentimento de crise no Irão em 2013. A economia estava mal, esmagada por pesadas sanções e, com o dossiê nuclear por resolver, o risco de um ataque dos EUA estava sempre presente. Rohani foi escolhido para resolver o problema. O Líder Supremo apoiou os seus esforços de forma relutante, advertindo para a desconfiança da América. Rohani desempenhou a tarefa com sucesso, mas as expectativas quanto a benefícios económicos decorrentes do acordo nuclear ainda não se concretizaram.”

Ao aceitar colocar o programa nuclear iraniano sob vigilância internacional — através do acordo assinado a 14 de julho de 2015 com o P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha), o Irão recebeu garantias de que as sanções seriam aliviadas.

Polémicas e milhões

Meio ano depois de assinar o acordo, Hassan Rohani confirmava essa expectativa ao pisar solo europeu naquela que foi a primeira visita de um chefe de Estado iraniano em 16 anos. As deslocações a Itália e França foram ensombradas pela polémica — em Roma porque foram tapadas estátuas de nus num museu que visitou e em Paris por não se ter realizado o jantar de gala onde seria servido vinho —, mas de lá Rohani saiu com centenas de contratos assinados que prometiam dinamizar a economia nacional.

“Após tomar posse, Rohani nomeou o Governo mais tecnocrata que a República Islâmica alguma vez teve. Atacou o problema da inflação com sucesso reduzindo-a para um dígito. No tempo do seu antecessor, tinha chegado aos 40%”, diz a analista iraniana. Já a taxa de desemprego, que mais diretamente afeta a população (80 milhões), foi de 12,5% em 2016.

“As sanções dos EUA ainda em vigor e a incerteza à volta da política da Administração Trump em relação ao Irão levaram muitas empresas europeias a não arriscar fazer negócio com Teerão”, comenta a investigadora. “Igualmente, grandes instituições financeiras continuam a recusar fazer pagamentos no âmbito de contratos que envolvam iranianos.”

Desconfiar do estrangeiro

A 21 de março, na tradicional mensagem de Ano Novo (Nowruz) — que no Irão coincide com a entrada da primavera —, o Líder Supremo recordou que as promessas económicas do Governo estavam por cumprir. Por essa altura, já Donald Trump tinha conotado os iranianos com suspeitos de terrorismo ao incluir o Irão na lista de sete países visados pelo decreto de 27 de janeiro que proibia os nacionais desses países de entrarem nos EUA (depois suspenso pela justiça). Teerão sentiu-o como uma afronta e a retórica radical que olha para o estrangeiro com desconfiança ganhou força.

Nestas eleições, registaram-se como pré-candidatos… 1636 iranianos. Além de Rohani, só mais cinco passaram no Conselho dos Guardiães, que verifica o perfil dos candidatos e a sua conformidade com os preceitos da República Islâmica. Ebrahim Raisi, da confiança do aparelho revolucionário e próximo do Líder Supremo, ayatollah Ali Khamenei, 77 anos, é o adversário mais forte do Presidente.

Um dos nomes chumbados foi o do ex-Presidente conservador Mahmoud Ahmadinejad (2005/13). “Essa exclusão demonstra que o Líder Supremo não quer problemas e deseja que os iranianos vão às urnas” e escolham. “O Líder Supremo quer evitar uma campanha que
exacerbe as divisões políticas”, diz a investigadora da SOAS.

Pilares consensuais

Com 38 anos, a República Islâmica continua num sistema híbrido, combinando elementos democráticos e teocráticos. Em épocas eleitorais, fações políticas rivais confrontam-se mas sem pôr em causa os pilares da revolução. “Enquanto a presidência pode cair para o campo tradicionalista/conservador, ou para o campo moderado/pragmático, ou ainda para o campo reformista, as prioridades estratégicas da República Islâmica permanecem as mesmas”.

Ou seja, presidências moderadas e reformistas concentram-se na sociedade civil e defendem o degelo em relação ao estrangeiro; já as conservadoras centram-se na economia doméstica, nos benefícios sociais e são mais cautelosas em relação a uma aproximação ao
Ocidente. Mas nenhuma põe em causa a soberania do líder.

OS SEIS CANDIDATOS PRESIDENCIAIS E O ACORDO NUCLEAR

“Na história do Islão, há um tratado de paz entre [o xiita] imã Hassan e [o califa omíada] Muawiyah. Apesar do imã Hassan saber que Muawiyah não iria ser leal ao tratado, assinou-o para deixar claro quem iria falhar o compromisso.” A afirmação é do candidato Mostafa Hashemitaba, fazendo um paralelismo entre este episódio histórico e o acordo sobre o nuclear iraniano assinado com seis potências internacionais.

“Porque cumprimos o que acordámos e o outro lado não?”, juntou-se-lhe Mohamed Bagher Qalibaf. “É tempo de o outro lado ser responsabilizado”, acrescentou Mostafa Mir-Salim. Num debate na televisão, o Presidente Rohani defendeu o acordo dizendo que, sem este, em vez de dois milhões de barris de petróleo por dia, o Irão produziria apenas 200 mil.

Os seus cinco adversários realçaram que o acordo não trouxe prosperidade ao país, mas nenhum prometeu rasgá-lo. Várias vezes, Donald Trump falou de “um acordo muito mau”, deixando no ar a hipótese de o renegociar. A “ameaça” de Trump e a falta de benefícios diretos para “o cidadão da rua” levam muitos iranianos a olhar para estas eleições como um referendo ao acordo nuclear.

CANDIDATOS

HASSAN ROHANI
Eleito Presidente em 2013, com 51%, tenta a reeleição aos 68 anos. Foi um dos artífices do acordo sobre o nuclear iraniano. Defensor do diálogo com o Ocidente, é apoiado por moderados e reformistas

EBRAHIM RAISI
Aos 56 anos, é o principal candidato conservador e, diz-se, o favorito do Líder Supremo. Natural de Mashhad, a segunda cidade, lidera a Astan Quds Razavi, instituição de beneficiência tida como um império financeiro

MOHAMMED B. QALIBAF
Preside à Câmara Municipal de Teerão desde 2005. Conservador, liderou a Força Aérea dos Guardas da Revolução entre 1997 e 2000. Adversário de Rohani nas presidenciais de 2013, nasceu em Mashhad há 55 anos

MOSTAFA MIR-SALIM
Ex-ministro da Cultura e da Orientação Islâmica, é um crítico do acordo nuclear e defensor da repressão de dissidentes. Tem 69 anos

ESHAQ JAHANGIRI
É primeiro vice-presidente de Hassan Rohani. Foi ministro das Indústrias e das Minas sob a presidência do reformista Mohammad Khatami e, antes, governador da província de Isfahan. Tem 59 anos

MOSTAFA HASHEMITABA
Aos 70 anos, apresenta-se como um reformista moderado. Nas presidenciais de 2001, foi o menos votado dos dez candidatos

PROCESSO ELEITORAL

1636
cidadãos pré-candidataram-se às eleições presidenciais, 137 dos quais eram mulheres. Nunca a candidatura de uma mulher foi aprovada pelo Conselho dos Guardiães

26
de maio é a data prevista para a segunda volta, na eventualidade de nenhum dos seis candidatos alcançar 50% dos votos mais um. No dia seguinte, está previsto o início do mês sagrado do Ramadão

Artigo publicado no “Expresso”, a 13 de maio de 2017. Pode ser consultado aqui

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