Além da contenção para evitar uma guerra, houve recados na forma como Teerão vingou Soleimani. Há espaço para dialogar
O assassínio do general Qasem Soleimani — alvejado por um drone dos Estados Unidos, dia 3, no aeroporto de Bagdade (Iraque) — desencadeou uma comoção entre os iranianos como não se via desde a morte do ayatollah Ruhollah Khomeini, fundador da República Islâmica. As ruas gritaram por “vingança”, e o regime foi destemido na hora de levá-la a cabo, bombardeando duas bases norte-americanas no Iraque. “Uma bofetada na cara” dos EUA, declarou o Líder Supremo, ayatollah Ali Khamenei.
Talvez em Washington a pancada tenha sido sentida mais como um murro, daqueles que deixa qualquer um atordoado. No discurso à nação com que reagiu ao ataque do Irão — e quando a imprevisibilidade de Donald Trump fazia prever um contra-ataque militar —, o Presidente dos EUA ‘fcou-se’ pela aprovação de novas sanções a Teerão e declarou-se disposto ao diálogo. “Todos devemos trabalhar juntos para fazer um acordo com o Irão que torne o mundo um lugar mais seguro e pacífico”, disse, quarta-feira. “O Irão pode ser um grande país.”
Responder à letra ao Irão poderia ser o gatilho de uma guerra total no Médio Oriente. A retaliação iraniana pela morte do general teve pelo menos três avisos importantes nesse sentido. Os 22 mísseis usados foram lançados de território iraniano, o que revela vontade de vingar a execução de Soleimani pelas próprias mãos e não “por procuração”, como acontece muitas vezes. Uma grande vantagem estratégica do Irão na região é possuir um “arco de infuência xiita” no mundo árabe, maioritariamente sunita — o país não é árabe, antes persa. São exemplos de grupos aliados do Irão o Hezbollah no Líbano, forças paramilitares na Síria, milícias armadas no Iraque e os huthis no Iémen.
Um segundo recado é a promessa de retaliação iraniana sobre alvos sensíveis como o Dubai e Haifa. O Dubai é um dos sete emirados que compõem os Emirados Árabes Unidos, país aliado dos EUA na região, e Haifa é uma cidade de Israel, o país que mais tem pressionado os americanos no sentido de um confronto militar com Teerão. Um ataque a estes dois alvos arrastaria o Médio Oriente para uma guerra total, com consequências em todo o mundo.
Um ataque do Irão a Israel ou ao Dubai arrastaria o Médio Oriente para uma guerra com impacto em todo o mundo
Um terceiro aspeto de grande significado neste ataque tem que ver com a utilização de mísseis balísticos, projéteis com capacidade para transportar ogivas nucleares. Uma vitória do Irão aquando da negociação do acordo internacional sobre o seu programa nuclear, em 2015, foi a não inclusão dos mísseis balísticos no programa. Este ataque prova que, apesar de condicionado na produção de armas nucleares, o Irão tem capacidade para ameaçar com o seu veículo de entrega, ou seja, os mísseis balísticos.
Ao atacar sem provocar vítimas, o Irão procurou o maior efeito psicológico com o mínimo de estragos. Em Washington acredita-se que Teerão não derramou sangue americano de forma deliberada, apesar de o Governo iraniano ter anunciado, para consumo interno, a morte de “80 terroristas”. O Irão revelou não querer a escalada e a predisposição para o diálogo possível.
(FOTO Mural no exterior do edifício da antiga embaixada dos EUA em Teerão KAMYAR ADL / WIKIMEDIA COMMONS)
Artigo publicado no “Expresso”, a 11 de janeiro de 2020

