Os iranianos escolhem, esta sexta-feira, um novo Presidente. Apesar de não ser dos cargos mais influentes na complexa estrutura política iraniana, o chefe de Estado é o rosto que representa e defende o país fora de portas. Há quatro candidatos nos boletins de voto, nenhum assumidamente reformista

Desde o início do ano que tanto os Estados Unidos como Israel renovaram as respetivas lideranças. Joe Biden está na Casa Branca desde 20 de janeiro e Naftali Bennett chefia o Governo de Israel desde domingo passado. Esta sexta-feira, é o Irão que elege um novo Presidente. Só a prazo, combinadas todas as novas sensibilidades, se perceberá como vai evoluir um dos dossiês que mais tensão geram a nível internacional — o programa nuclear iraniano.
“O Presidente é considerado o representante da nação em reuniões oficiais, e fala em seu nome”, explica ao Expresso o iraniano Mohammad Eslami, investigador na Universidade do Minho, que se dedica aos estudos do Médio Oriente. “A diplomacia do país está nas mãos do Presidente. Assim, presidentes diferentes podem seguir abordagens diferentes em relação às políticas externa e interna.”
Biden quer revitalizar o acordo internacional assinado em 2015 (do qual Donald Trump retirou os EUA, três anos depois), que sujeitava o programa nuclear do Irão a supervisão internacional. O israelita Bennett não desafina da posição do seu antecessor, Benjamin Netanyahu, e já afirmou que reativar o acordo seria “um erro”.
Quanto ao Irão, nos últimos anos, tem tido um Presidente defensor do diálogo com o Ocidente, Hassan Rouhani. Acontece que este está de saída e quem lhe sucede pode não pensar de igual forma.
Esta sexta-feira, mais de 59 milhões de eleitores dirão em quem confiam para governar nos próximos quatro anos. Dos 592 iranianos que tentaram candidatar-se — com idades entre os 40 e os 75 anos —, apenas sete passaram no crivo do Conselho dos Guardiães (ver infografia abaixo). Sestes, três desistiram a dois dias do escrutínio. Nos boletins de voto haverá, pois, quatro nomes, nenhum deles assumidamente reformista:
EBRAHIM RAISI
É o candidato do establishment político, apoiado pelos sectores conservadores e da linha dura. É apontado como potencial sucessor do Líder Supremo, o ayatollah Ali Khamenei e, tal como este, usa um turbante preto, indicativo de que é um sayyid, isto é descendente do Profeta Maomé. Tem 60 anos e lidera, desde 2019, o aparelho judicial, onde trabalhou durante décadas e ganhou fama de ser implacável no combate à corrupção. Em 1988, integrou uma comissão que condenou à morte milhares de prisioneiros políticos, após a guerra Irão-Iraque. Integra a Assembleia de Peritos, órgão responsável pela nomeação e exoneração do Líder Supremo. Em 2017, perdeu as presidenciais para Rohani, com 38% dos votos. E em 2019, foi alvo de sanções por parte dos Estados Unidos.
ABDOLNASER HEMMATI
Formado em Economia, tem 66 anos e é um tecnocrata moderado que ocupou o cargo de governador do banco central iraniano desde 2018. Durante este período, este antigo jornalista teve de lidar com uma forte desvalorização do rial e com as sanções norte-americanas ao sector bancário, incluindo ao próprio banco, que deprimiram o país. Serviu em posições destacadas durante as presidências do conservador Mahmud Ahmadinejad e do reformista Hassan Rouhani, o que revela capacidade para trabalhar com fações opostas. É o único não conservador a ir a votos. Poderá concentrar os votos reformistas, que, porém, estão em perda devido ao desencanto com a atual administração Rohani e aos problemas económicos agravados pela reintrodução de sanções ao país.
MOHSEN REZAEI
Candidata-se à presidência pela quarta vez — concorreu em 2005, 2009 e 2013, e perdeu sempre. Em 2000 candidatou-se a um lugar no Parlamento e também não conseguiu ser eleito. Tem 66 anos e uma carreira militar de décadas. Entre 1981 e 1997, foi comandante-chefe dos Guardas da Revolução. Liderou estas forças durante a guerra Irão-Iraque. Desde 1997, é secretário do Conselho de Discernimento, que arbitra disputas legislativas entre o Parlamento e o Conselho de Guardiães. É formado em Economia, pela Universidade de Teerão.
AMIR-HOSSEIN GHAZIZADEH HASHEMI
É médico de profissão, na especialidade de otorrinolaringologia. É deputado desde 2008, de linha ultraconservadora. É primeiro vice-presidente do Parlamento. Tem posições extremadas em relação ao dossiê nuclear, tendo já defendido a saída do Irão do Tratado de Não Proliferação Nuclear. Aos 50 anos, é o mais novo dos quatro candidatos. Prometeu formar um Governo jovem para guiar a Revolução numa nova fase.
Um dos quatro homens passará a ser o rosto o Irão fora de portas, ainda que a presidência esteja longe de ser a instituição mais influente na estrutura política da República Islâmica.
“O Presidente é o braço executivo da liderança e o representante do povo a nível executivo”, diz o professor Eslami. “Conforme os princípios religiosos, o governo da sociedade islâmica é da responsabilidade do jurista (Velayat-e Faqih) que foi nomeado governante da sociedade islâmica”, ou seja, o Líder Supremo ayatollah Ali Khamenei.
“Mas isso não contradiz o facto de o jurista também ter assistentes e conselheiros para fazer avançar a sociedade segundo as regras e leis religiosas. A Constituição prevê três ramos, um dos quais o executivo, e uma vez que o seu chefe é eleito diretamente pelo povo e muitos assuntos executivos são-lhe confiados, o cargo também é considerado liderança. Pode dizer-se que o Presidente é o primeiro vice do líder, responsável pelos assuntos executivos. Ele responde perante o líder.”
No topo da pirâmide do poder está o Líder Supremo. Dele emanam múltiplos centros de poder, compostos por instituições ora nomeadas ora eleitas por sufrágio universal.

Enquanto chefe de Governo, o Presidente tem poderes limitados. Entre as suas obrigações está o dever de nomear os membros do gabinete e fazer uma proposta de orçamento, que depois devem ser aprovados no Parlamento. É eleito para um máximo de dois mandatos de quatro anos.
“Enfatizar a importância da presidência não significa subestimar outras instituições, como os poderes judiciário e legislativo”, conclui o professor Eslami. “Mas como o Presidente é eleito por voto popular direto, também tem um lugar especial na Constituição.” Ainda que quem defina os parâmetros das políticas a seguir seja o Líder Supremo.
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 18 de junho de 2021. Pode ser consultado aqui