Chuvas abundantes combinadas com o rápido degelo dos glaciares colocou quase um terço do Paquistão debaixo de água. Cerca de 33 milhões de pessoas ficaram com a vida virada do avesso e mais de 1400 morreram. Após visitar o país, o secretário-geral das Nações Unidas alertou para o contributo das alterações climáticas nos fenómenos extremos que devastam o Paquistão desde meados de junho. “Hoje no Paquistão, amanhã no seu país”, avisou António Guterres
Antes de ser nomeado secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres liderou o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados. Nessa qualidade, visitou locais tomados por grandes tragédias humanas — do Sudão do Sul à ilha de Lesbos, na Grécia.
Nada do que viu então é, porém, comparável ao que testemunhou há dias no Paquistão. “Já vi muitos desastres por todo o mundo, mas nunca vi uma carnificina climática a esta escala”, afirmou Guterres ao fim de dois dias no país.
Desde meados de junho que o Paquistão sofre chuvas de monção quase ininterruptas, seguidas de inundações repentinas e deslizamentos de terra. Estima-se que quase um terço do país tenha ficado submerso e que cerca de 33 milhões de pessoas andem ao deus-dará.
Uma razia na agricultura e na pecuária
Nos meses de julho e agosto, caiu no Paquistão 190% de chuva a mais do que a média dos últimos 30 anos. Na província de Sindh, no sul do país, choveu 466% a mais do que a média.
O dilúvio levou à frente casas, ruas e autoestradas, vias férreas, gado e campos de cultivo. Os prejuízos estão calculados em 30 mil milhões de euros.
“Hoje é no Paquistão, amanhã pode ser no seu país onde quer que viva. Esta é uma crise global”, apelou Guterres, “requer uma resposta global.”
Já morreram pelo menos 1400 pessoas, incluindo mais de 450 crianças. Estima-se que ter-se-ão perdido à volta de 700 mil cabeças de gado, o que coloca sobre o país a nuvem negra da insuficiência alimentar.
Lago de 100 km no meio do Paquistão
Às chuvas torrenciais junta-se o efeito do rápido degelo dos glaciares das montanhas a norte. Quer o governo do Paquistão, quer o secretário-geral da ONU insistiram no contributo das alterações climáticas e dos fenómenos extremos para esta tragédia.
Ironicamente, o Paquistão — com mais de 220 milhões de habitantes — contribuiu menos de 1% para as emissões globais de dióxido de carbono.
Numa conferência de imprensa ao lado de Guterres, em Islamabade, o ministro paquistanês dos Negócios Estrangeiros, Bilawal Bhutto-Zardari, foi a voz da impotência em relação ao desafio que o país tem pela frente.
Disse o filho da ex-primeira-ministra Benazir Bhutto: “Quando temos um lago de 100 quilómetros que se desenvolveu no meio do Paquistão, qual o tamanho do dreno que temos de construir para gerir a situação? Não há estrutura feita pelo homem que possa esvaziar esta água.”
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Chuvas de monção mais intensas do que o habitual inundaram quase um terço do Paquistão, uma área correspondente ao Reino Unido FIDA HUSSAIN / AFP / GETTY IMAGES
Uma cama e roupa a secar, é tudo o que resta a este homem, na localidade de Nowshera FAYAZ AZIZ / REUTERS
Duas meninas socorrem-se de uma jangada improvisada para seguir pelas ruas por onde costumam correr RIZWAN TABASSUM / AFP / GETTY IMAGES
As chuvas intensas provocaram deslizamentos de terras que levaram tudo atrás HUSSAIN ALI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Água por todo o lado, no solo e nos potes e jerricãs à cabeça das mulheres AMER HUSSAIN / REUTERS
A ameaça da fome, após as cheias devastarem o sector agrícola, destruindo colheitas de arroz, milho e trigo PAULA BRONSTEIN / GETTY IMAGES
Duas pessoas recolhem bambus intactos, junto a uma casa totalmente destruída, em Dera Allah Yar AMER HUSSAIN / REUTERS
As canas de bambu são preciosas para ajudar a improvisar pontes, esta em Shikarpur ASIF HASSAN / AFP / GETTY IMAGES
Na cidade de Khaipur Nathan Shah, as ruas transformaram-se em rios GIDEON MENDEL / CORBIS / GETTY IMAGES
Militares da Marinha paquistanesa asseguram ações de resgate de populações, nas áreas mais afetadas AAMIR QURESHI / AFP / GETTY IMAGES
As inundações destruíram casas e pontes e encobriram estradas e pastagens para o gado ADEEL AHMED / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
As cheias já afetaram 33 milhões de pessoas, muitas das quais passaram a viver em tendas, montadas em campos improvisados AHMED ALI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Em Sohbatpur, nas escassas extensões de terra que ficaram à superfície, tendas acolhem quem tudo perdeu FIDA HUSSAIN / AFP / GETTY IMAGES
Com a casa inabitável, esta família salvou a louça que pode e espera por abrigo, em Khairpur AHMED ALI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Perante a ameaça de novas cheias, militares erguem uma barreira de proteção, junto a uma importante central elétrica, em Dadu SALMAN RAO / REUTERS
Ficaram sem casa, vivem na berma de uma estrada, em Sukkur, e não veem a hora da chuva parar de cair ASIF HASSAN / AFP / GETTY IMAGES
As consequências da intempérie já provocaram pelo menos 1400 mortos HUSSAIN ALI / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Tristeza nos rostos de quem, por estes dias, está proibido de correr e saltar em total liberdade FIDA HUSSAIN / AFP / GETTY IMAGES
Distribuição de ajuda alimentar doada pela Turquia, em Mirpur Khan FARHAN KHAN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Uma manada de búfalos desbrava as águas, onde normalmente passa uma autoestrada, em Sehwan AKHTAR SOOMRO / REUTERS
Água pelo pescoço, numa zona da província de Sindh, no sul do Paquistão FARHAN KHAN / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Dificuldades acrescidas nas ruas de Karachi, a maior cidade do Paquistão, com mais de 16 milhões de habitantes RIZWAN TABASSUM / AFP / GETTY IMAGES
Crianças deslocadas pelas inundações e a viver num campo improvisado aguardam pela distribuição de comida, em Sehwan HUSNAIN ALI / AFP / GETTY IMAGES
Uma corrida contra o tempo para salvar fardos de pasto, antes que a água suba mais um pouco ADEEL AHMED / ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES
Um novo ano letivo começou e, em Dera Ghazi Khan, o caminho para a escola só é mesmo possível de barco SHAHID MIRZA / AFP / GETTY IMAGES
Um rasto de lama numa casa engolida pela água, em Nowshera FAYAZ AZIZ / REUTERS
Junto a um posto de combustíveis alagado, em Mehar, populares fazem muros com sacos para impedir o transbordo das águas AAMIR QURESHI / AFP / GETTY IMAGES
O caos citadino acentuou-se em Karachi AKRAM SHAHID / AFP / GETTY IMAGES
Uma família segue na direção de um porto seguro, transportando tudo aquilo que consegue, em Jamshoro. As cheias no Paquistão, este verão, afetaram milhões de pessoas YASIR RAJPUT / REUTERS
Água a perder de vista, na região de Dadu, província de Sindh (sul), uma das zonas mais gravemente atingidas SUSANNAH GEORGE / GETTY IMAGE
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 14 de setembro de 2022. Pode ser consultado aqui
Jornalista de Internacional no "Expresso". A cada artigo que escrevo, passo a olhar para o mundo de forma diferente. Acho que é isso que me apaixona no jornalismo.