“Obama será mais inteligente com o Irão” (versão curta)

Entrevista a Hans Blix, ex-director da Agência Internacional para a Energia Atómica

Hans Blix foi ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia entre 1978 e 1979 e diretor da Agência Internacional para a Energia Atómica entre 1981 e 1997 FRANKIE FOUGANTHIN / WIKIMEDIA COMMONS

Há cinco anos, Hans Blix bateu com a porta quando George W. Bush declarou guerra a Saddam Hussein, impossibilitando que a equipa da ONU, liderada por ele, continuasse com as inspecções ao arsenal iraquiano na procura de armas de destruição maciça. Na terça-feira, numa conferência sobre o Nuclear no Norte de África, organizada pelo Fórum Intelligence (do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica) e pela Liga dos Combatentes, o diplomata sueco confessou-se “mais assustado com o aquecimento global do que com as armas de destruição maciça”. Em entrevista ao “Expresso”, Hans Blix revelou que o nuclear, não curando a maleita ambiental, “é parte da solução”. E explicou que conselhos daria a Barack Obama sobre como lidar com o dossiê nuclear do Irão.

O que acha do nuclear enquanto fonte de energia?
Todos queremos mais energia. Não faz sentido apostarmos numa única fonte. Há vantagens e inconvenientes em todas. O nuclear tem fontes em todo o lado. O urânio é um recurso abundante. Se nos reactores nucleares actuais usarmos combustível derivado do urânio e fizermos o reprocessamento usando plutónio e urânio, produziremos 80 vezes mais energia.

E quais são as fraquezas?
Podem acontecer acidentes. Mas os registos de segurança do nuclear são muito bons. Em relação ao terrorismo, nunca um terrorista se apoderou de uma instalação nuclear. Não é fácil. Os pinos de segurança do urânio estão a grande profundidade. E quanto ao uso de explosivos, há muito tempo que a indústria nuclear identificou este problema.

Portugal depende energeticamente da Argélia, que sofre com o terrorismo. E se o nuclear cai em mãos erradas?
Há que distinguir entre reactores de água leve, que dão electricidade e são inofensivos, e o enriquecimento ou reprocessamento, que produz material usado em armas. Os conhecimentos científicos básicos são os mesmos, mas a Suécia tem 10 reactores, a Finlândia está a construir o quinto, a Coreia do Sul tem 20 e nenhum tem enriquecimento. Alguns países têm (como o Brasil e a África do Sul), mas são poucos. Seria notável se a Argélia quisesse enriquecer o seu próprio urânio.

Desde 2006, 13 países do Médio Oriente anunciaram planos nucleares. É a resposta ao Irão?
Em parte, é uma resposta aos EUA, Reino Unido e outros que, a dada altura, disseram: ‘Precisamos de mais energia e vemos alguns problemas com as energias fósseis…’. Há também motivações económicas. O Irão e os países do Golfo pensam: ‘Os preços do petróleo e do gás estão a subir muito. Preferimos produzir a nossa electricidade para podermos vender o petróleo e o gás que utilizaríamos nesse fabrico’. O Irão tem dois reactores de água leve. Porque precisa de uma central de enriquecimento? Para apenas dois reactores, não é economicamente viável. É desejável dissuadir o Irão a não perseguir o enriquecimento.

A dissuasão através de meios militares é válida?
Israel fez essa ameaça e Bush disse que todas as opções estão sobre a mesa. Será que podem bombardear todos os sítios onde suspeitam que os iranianos têm qualquer coisa nuclear? E depois, o que vai acontecer no Médio Oriente? E como vai reagir o Irão? Eu digo ‘Não!’. Há que usar a influência diplomática, económica e política. Não creio que essas possibilidades estejam esgotadas. Estou optimista. É maior a probabilidade da Administração Obama ir por um caminho mais inteligente.

Como aconselharia Obama?
Deve fazer aquilo que já disse: conversações directas com os iranianos, ao nível preparatório, claro. E deve esquecer a exigência prévia de que o Irão suspenda o processo de enriquecimento. Isso não vai acontecer.

Como avalia as acções diplomáticas e o trabalho da AIEA?
Têm feito o possível. É verdade que o Irão continua a fazer experiências que deveria ter declarado, e não fez. Mas julgo que se a AIEA provasse que não havia armas nucleares, os americanos e os israelitas não acreditariam. Talvez mudem de opinião daqui a cinco anos… Os europeus ofereceram algumas contrapartidas inteligentes: a facilitação de investimentos no Irão, o apoio à adesão à OMC e ajudas para um programa nuclear civil. Mas depois disseram que não negociariam se o Irão não suspendesse o programa. É humilhante para os iranianos.

O que pode ser oferecido ao Irão em conversações directas?
Três coisas. A garantia de fornecimento de combustível: ‘Vocês não precisam de ter o enriquecimento porque nós fornecemos’. Assegurar ao Irão que não será atacado do exterior nem que serão usados meios subversivos para derrubar o regime. E propor relações diplomáticas. Não sei se resultaria, mas sinto que ainda não esgotámos todos os meios diplomáticos

O problema do enriquecimento poderia ser resolvido através de multinacionais de Estados?
Existe essa proposta. Mohamed El Baradei sugeriu uma agência internacional de reprocessamento, mas politicamente é complicado. Alguém imagina os americanos ou os russos a abdicarem desse controlo?

Artigo publicado no Expresso, a 22 de novembro de 2008. A entrevista integral foi publicada no “Expresso Online”, no mesmo dia. Pode ser consultada aqui

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