Mundo esquece cristãos do Oriente

No Parlamento Europeu, o Papa denunciou “o silêncio vergonhoso” face à perseguição aos cristãos no Médio Oriente

Placa toponímica assinalando o bairro cristão na Cidade Velha de Jerusalém MARGARIDA MOTA

“Não podemos resignar-nos a pensar o Médio Oriente sem os cristãos, onde durante dois mil anos confessaram o nome de Jesus.” O alerta foi dado recentemente pelo Papa Francisco, confrontado com lancinantes pedidos de ajuda vindos das minorias cristãs do Médio Oriente — sobretudo as comunidades das áreas conquistadas pelos extremistas do Estado Islâmico, no Iraque e na Síria.

O Cristianismo nasceu nessa região — Jesus Cristo nasceu na atual Palestina, São Paulo na atual Turquia, Abraão no atual Iraque. Mas hoje, sobretudo após a erupção da ameaça jihadista, muitos cristãos são forçados a negar a sua fé para sobreviverem. “É uma ironia do correr da História. Mas o mais irónico e dramático é que desde há 10 a 12 anos há instituições a apontar essa situação sem que quase ninguém tenha tomado iniciativa alguma”, diz ao “Expresso” Paulo Mendes Pinto, responsável pela área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona.

“Foi preciso que, depois de morrerem milhares de cristãos locais, morressem uns escassos ‘ocidentais’ para que a questão fosse colocada nas agendas. Mais do que a ironia do Cristianismo estar a ser perseguido na região onde nasceu, é essa ainda mais estranha ironia dos cristãos do resto do mundo não terem ligado aos seus irmãos, apesar de todos os apelos.”

As feridas do século XX

Antes da sua viagem à Turquia, o Papa Francisco discursou no Parlamento Europeu, na terça-feira, onde não esqueceu o drama dos cristãos e de outras minorias vítimas de “atos bárbaros” — “despejados de suas casas e das terras onde nasceram, vendidos como escravos, mortos, decapitados, crucificados ou queimados vivos, perante o silêncio vergonhoso e a cumplicidade de tantos”.

A verdade é que os problemas dos cristãos do Médio Oriente — de onde o Cristianismo se difundiu para se tornar a religião com mais fiéis em todo o mundo — não começaram com o Estado Islâmico. “Chegámos ao século XX, na herança do Império Otomano, com um leque relativamente vasto de minorias religiosas no Médio Oriente. As hierarquias locais e regionais seguiam a política do sultanato de integrar a diversidade. Contudo, o século XX teve profundas feridas regionais”, explica Paulo Mendes Pinto, embaixador do Parlamento Mundial das Religiões, cuja próxima sessão será em setembro de 2015 em Salt Lake City, nos Estados Unidos.

“Olhamos para as duas grandes guerras como quase exclusivamente europeias, mas no Médio Oriente, começando pelo mundo otomano (atual Turquia), as identidades regionais foram esmagadas pelo colonialismo que se instalou no quadro da I Grande Guerra. Com o fim do califado, do Império Otomano e dos equilíbrios regionais e com o crescente peso das potências europeias, as minorias tornam-se o elo mais fraco.” Sobreviveram às ditaduras, mas viram a sua condição agravar-se dramaticamente após a fragmentação dos poderes autoritários, especialmente no pós-Saddam.

Artigo publicado no Expresso, a 29 de novembro de 2014

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