Primeiro a perseguição, agora as monções e os elefantes: o drama sem fim dos rohingya

O pesadelo dos rohingya parece não ter fim. Refugiados em campos do Bangladesh, em áreas onde outrora se erguiam densas florestas, enfrentam agora a época das monções. Recolhidos em “casas” feitas de plástico e bambu, (sobre)vivem vulneráveis a deslizamentos de terras e inundações. E também à visita, inesperada e por vezes mortífera, de elefantes que ali viviam antes

Cerca de 25 mil rohingya correm reais riscos de vida nos campos do Bangladesh, onde pensariam estar a salvo. Para que a tragédia aconteça, basta apenas que as chuvas das monções — o fenómeno natural que recentemente encurralou 12 jovens futebolistas e o seu treinador numa gruta tailandesa — se intensifiquem. Com grande probabilidade, as frágeis tendas de plástico e bambu onde os refugiados estão instalados deslizarão terra abaixo, levando consigo quem está próximo a caminho de uma morte certa — como aconteceu a 25 de julho, com cinco crianças.

“As monções não são uma possibilidade, são uma certeza. E aquela zona tem três vezes mais pluviosidade do que o resto do Bangladesh, que, já de si, é um país muito suscetível a monções”, diz ao Expresso o lisboeta Pedro Matos, de 44 anos, acabado de regressar dos campos, após uma missão de cinco meses com o Programa Alimentar Mundial (PAM), das Nações Unidas. “A grande dúvida é saber como reagirá a zona onde estão os rohingya” assim que as chuvas caírem com maior intensidade.

Entalado entre a Índia e Myanmar, o Bangladesh tem um histórico que pode ajudar a antecipar o efeito das monções no território, mas a área dos campos tem uma especificidade… “A zona onde os rohingya estão era um parque nacional, uma floresta densa, que agora está completamente despida.” As árvores, que ajudavam a prevenir deslizamentos de terras, tiveram de ser arrancadas em nome de uma urgência maior. “A preocupação principal, nos primeiros tempos, foi arranjar sítio para as pessoas, que atravessavam a fronteira ao ritmo de milhares por dia. As monções ainda estavam à distância”, diz Pedro Matos. “Como tudo foi completamente arrasado — até as raízes foram arrancadas, para serem usadas como lenha para as pessoas cozinharem —, toda aquela zona, meio arenosa e argilosa, ficou muito vulnerável aos efeitos das monções.”

Duas emergências numa só

No início deste ano, quando o fluxo de pessoas começou a acalmar, outros desafios ganharam visibilidade. Entre os cerca de 900 mil rohingya que vivem nos campos — uns 200 mil já ali estão há anos, na sequência de vagas de repressão anteriores —, “entre 100 e 200 mil estavam instalados em declives e vales, vulneráveis a deslizamentos de terras e inundações”, explica o funcionário do PAM. “E, desses, 25 mil corriam grande risco de vida.”

Iniciou-se então a segunda fase da emergência: a preparação para a época das monções e também dos ciclones, fenómenos que requerem respostas diferentes. “Os ciclones são ventos fortes, as monções são chuvas fortes. O último ciclone que atingiu aquela zona teve ventos entre os 100 e os 300 quilómetros por hora. Se um ciclone entrar por aqueles campos, nenhuma cabana resistirá. Felizmente, a época dos ciclones passou sem nenhum por perto.”

Atualmente, continua em curso a resposta às monções, que passa por um grande trabalho de engenharia — num esforço conjunto de três agências das Nações Unidas (Organização Internacional para as Migrações, Alto Comissariado da ONU para os Refugiados e PAM) — com o objetivo de criar sítios novos para alojar as pessoas em situação mais vulnerável. “Movemos montanhas, literalmente”, diz Pedro Matos. “Tirámos topos e pusémo-los nos vales, para criar zonas planas onde pudéssemos pôr as pessoas. Felizmente as monções começaram de uma forma mais suave do que estávamos à espera.”

Além dos ciclones e das monções, uma terceira ameaça aos rohingya emergiu da mãe natureza. “Aquela floresta estava cheia de elefantes, centenas deles, que continuam a fazer as suas rotas migratórias. De vez em quando, entram pelos campos adentro e matam pessoas” — até ao momento, pelo menos 12.

Vídeos captados por telemóvel mostram elefantes “perdidos”
no campo de refugiados rohingya de Kutupalong
VÍDEOS UNHCR / MONTAGEM “THE GUARDIAN”

Pedro Matos, que já testemunhou crises humanitárias no Quénia, no Uganda e no Darfur, considera o Bangladesh marcante a dois níveis: a velocidade do último êxodo rohingya e os riscos ambientais, que “nunca tinha visto na vida”, diz. “E tudo agravado por aquilo que já é uma situação de vulnerabilidade de um refugiado que deixa tudo para recomeçar a vida noutro sítio ou para fugir do perigo.”

A experiência nos campos diz ao português que os rohingya querem regressar a Myanmar, o país que consideram seu — a 21 de junho, o número exato de rohingyas nos campos do Bangladesh era de 918.936. “Querem voltar, mas têm a ideia clara de que, neste momento, não há condições para que isso aconteça. Todos os problemas que existiam antes, incluindo o de não serem reconhecidos como cidadãos de Myanmar, continuam a existir, com problemas acrescidos, como o facto de as aldeias terem sido arrasadas e eles já não terem sítios para onde voltar. E a solução que Myanmar dá são campos já não de refugiados mas vedados — quase campos de concentração.”

(Foto: Sacos de areia ajudam a segurar as terras, no campo de Balukhali, em Cox’s Bazar, Bangladesh OLIVIA HEADON / IOM / UN MIGRATION AGENCY)

Artigo publicado no Expresso Diário, a 7 de agosto de 2018. Pode ser consultado aqui

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