Na hora do regresso a casa, soldado português que serviu pela primeira vez no teatro afegão partilha memórias e a sua frustração perante as dúvidas que existem em Portugal sobre a missão no Afeganistão. Reportagem no Afeganistão

A bordo do A310 operado pela HiFly, estacionado no aeroporto internacional de Cabul, a azáfama é grande entre os militares portugueses que terminam missão no Afeganistão. “Olhem, diz ali para apertarmos os cintos”, comenta um soldado de forma descontraída. “Deve ser por causa da crise em Portugal!” A gargalhada contagia a parte traseira do avião, onde se acomodam os praças do contingente nacional.
Apesar dos cerca de 7000 quilómetros de distância, os militares em missão no teatro afegão estão informados acerca das dificuldades que o país atravessa. Através da RTP Internacional e dos contactos diários com as famílias, facilitados pelas novas tecnologias, sabem que “o país está mal”, comenta um jovem soldado, ansioso pelo regresso a casa, após a sua primeira missão no Afeganistão. “Sabe que nos cortaram nos vencimentos quando estávamos aqui?”
Grécia e Irlanda pouparam militares
Após os cortes salariais que atingiram os salários da Função Pública em finais do ano passado, e que abrangeram também os militares, estes foram surpreendidos em fevereiro com a notícia de um novo corte em 10% (com retroativos a janeiro) no Suplemento de Missão — uma ajuda de custo que beneficia os militares destacados em missões humanitárias e de paz.
Igualmente em crise, Grécia e Irlanda, por exemplo, não adotaram igual medida. “Eu sei que o país está em crise e que todos temos de ajudar”, continua o soldado. “Mas gostava de saber o que vão fazer com o dinheiro que nos cortaram. Olhe, mais valia darem-no ao povo afegão, que vive com tantas dificuldades…”
No Exército, este militar recebe 583 euros por mês — um luxo, comparado com os 150 euros que lhe ofereceram na última proposta de trabalho recebida antes de decidir ingressar no Exército. “Tenho sorte em trabalhar e morar na região de Lisboa. Agora imagine os meus colegas do Norte. Com o que ganham não conseguem ir a casa…”
Perigos quotidianos
Filho de mãe desempregada e com irmãos mais novos dependentes, este soldado com 21 anos feitos no Afeganistão diz ser “o pilar da casa”. Não esconde que se voluntariou para servir no Afeganistão seduzido pelos 2500 euros do Suplemento de Missão. “Há muita gente no nosso país que diz que vimos para aqui só para ganhar dinheiro e passar férias. Claro que o dinheiro é importante! Mas não fazem a mínima ideia dos perigos que corremos todos os dias!”
Ao longo de seis meses, este militar desempenhou as funções de “apontador”. Durante as saídas dos veículos Hummer — em missões de proteção aos mentores portugueses que dão assistência na formação de soldados afegãos, por exemplo, ou de proteção ao Expresso em situações de reportagem —, o “apontador” é o militar que segue todo o percurso com metade do corpo fora da viatura, agarrado à metralhadora e com concentração absoluta em relação a tudo o que possa constituir uma ameaça ao veículo.
“Sinto que vim bem preparado para o Afeganistão. Mas no terreno é sempre diferente.” O perigo é real e, na berma da estrada, debaixo de um monte de pedras, de pedaços de lixo ou de um animal morto pode estar um explosivo de fabrico artesanal fatal, já para não falar dos bombistas suicidas, uma ameaça diária.
Regressar com a roupa do corpo
Na hora de fazer a mala para regressar a casa, o jovem ofereceu toda a sua roupa civil a trabalhadores afegãos de Camp Warehouse. “Dei tudo o que tinha: roupa de desporto, o pijama e até cuecas. Não fui só eu, outros militares fizeram o mesmo. Vou embora outra pessoa. Vi coisas que me marcaram muito. No inverno nevou bastante e vi crianças descalças com os pés na neve, sem terem o que calçar…”
Durante a longa viagem de regresso a Portugal — interrompida por uma escala em Bucareste para reabastecimento —, o jovem descreve as situações que mais o marcaram e mostra fotografias de momentos de convívio e de ações de formação com as tropas norte-americanas. “Gostei muito desta experiência!”
E partilha os seus planos para o futuro: “Com o dinheiro que ganhei no Afeganistão quero ir aos Estados Unidos e à Suíça tentar arranjar trabalho na área que mais gosto. Se não conseguir, regresso a Portugal e volto a voluntariar-me para o Afeganistão”.
(Militares portugueses, no aeroporto internacional de Cabul, a minutos do regressarem a casa MARGARIDA MOTA)
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 19 de abril de 2011. Pode ser consultado aqui