A 25 de janeiro de 2011, os egípcios saíram, pela primeira vez, à rua para exigir o fim do regime de Hosni Mubarak. Um ano depois, a praça Tahrir continua a atrair manifestações
Um ano após a realização da primeira manifestação de contestação ao regime de Hosni Mubarak — convocada através do Facebook —, a mítica praça Tahrir, no centro do Cairo, continua a ser palco de protestos.
A grande reivindicação popular de há um ano foi conseguida — Mubarak cairia a 11 de fevereiro —, mas o regime continua (quase) intacto. Herdeiros do poder do Presidente, o Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF) tarda em transferir o poder para os civis, como prometeu.
Nas ruas, cresce a desconfiança em relação aos militares, outrora vitoriados pelo povo por se recusarem a disparar contra os manifestantes. Ainda assim, durante os 18 dias de protestos na praça Tahrir, morreram cerca de 850 mortos e 6000 feridos.
Acusado de ter ordenado os disparos contra os manifestantes, Hosni Mubarak — que está a ser julgado desde agosto de 2011 — incorre na pena de morte por enforcamento.
Islamitas no poder
As eleições legislativas realizadas para a câmara baixa do Parlamento, entre novembro de 2011 e janeiro de 2012, ditaram uma maioria islamita no Parlamento. Sem surpresa, a Irmandade Muçulmana (Partido Liberdade e Justiça) arrecadou 47,2% dos votos. Era a fação mais bem organizada, ainda que remetida para a clandestinidade durante a era Mubarak.
A grande surpresa eleitoral foi o segundo lugar conquistado pelo Partido An-Nour, salafita — uma interpretação integrista do Islão, inspirada no waabismo saudita —, que conquistou 24,3% dos votos. Esta formação política foi criada na sequência da revolução e é financiada pela Arábia Saudita.
O novo Parlamento começou a funcionar na passada segunda-feira. Terá como uma das principais funções nomear uma assembleia encarregue de elaborar uma nova Constituição.
ElBaradei fora da corrida
De acordo com o último calendário apresentado pelos militares, o Egito deverá realizar eleições presidenciais ainda durante o primeiro semestre de 2012.
O ex-secretário-geral da Liga Árabe, Amr Moussa, mantém-se na corrida. Mas Mohammed ElBaradei — antigo diretor da Agência Internacional para a Energia Atómica e Nobel da Paz — atirou a toalha ao chão, a 14 de janeiro.
“A minha consciência não me permite concorrer à presidência ou a qualquer outra posição oficial, a menos que seja dentro de um quadro democrático”, afirmou.
Tal como muitos egípcios, ElBaradei considera que os militares têm vindo a governar o Egito como que se a revolução não tivesse acontecido e o regime anterior estivesse ainda intacto.
Segunda fase revolucionária
Ontem, numa tentativa de conter a euforia que se adivinha para os protestos associados ao aniversário da revolução, o SCAF levantou, parcialmente, o estado de emergência que vigorava no país (quase ininterruptamente) desde 1967.
Esta legislação — que implica a suspensão de direitos constitucionais e confere às forças de segurança poderes adicionais na repressão de protestos, por exemplo — foi imposta durante a Guerra dos Seis Dias com Israel, levantada em 1980 e reintroduzida em 1981, após o assassinato do Presidente Anwar Sadat.
Num discurso transmitido pela televisão, o líder do SCAF, marechal Hussein Tantawi, disse que, apesar do fim do estado de emergência, as leis continuariam a ser aplicadas a “bandidos”.
Na terminologia do SCAF, “bandidos” são também os organizadores dos protestos anti-regime. Os mesmos que, um ano depois, dizem que a revolução precisa de entrar numa segunda fase.
Manifestação da “Sexta-feira na Unidade”, a 29 de julho de 2011, na Praça Tahrir, no Cairo Ahmed Abd El-Fatah / WIKIMEDIA COMMONS
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 25 de janeiro de 2012. Pode ser consultado aqui