A maior guerrilha colombiana celebra hoje 50 anos. No país, as FARC decretaram um cessar-fogo, enquanto na capital cubana negoceiam a paz com o Governo
Aos 50 anos de vida, a guerrilha mais antiga da América Latina acusa o peso da idade. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) assinalam esta terça-feira meio século de atividade, cumprindo um cessar-fogo unilateral, decretado a 20 de maio para vigorar durante as eleições presidenciais. O escrutínio realizou-se no domingo e o seu resultado é revelador do desgaste do povo colombiano relativamente às ações da guerrilha.
Juan Manuel Santos, o Presidente em funções, que tem promovido “negociações de paz” com as FARC desde finais de 2012, não foi além do segundo lugar com 25,6% dos votos. As eleições foram ganhas pelo candidato conservador do Centro Democrático, Óscar Iván Zuluaga (29,2%), um firme opositor a esse diálogo que ganhou popularidade ao defender uma política de tolerância zero para com as FARC. Zuluaga prometeu mesmo suspender as conversações até que a guerrilha “termine todas as atividades criminosas”.
A segunda volta das presidenciais está marcada para 15 de junho. A trégua das FARC termina amanhã.Não é a primeira vez que os guerrilheiros pousam as armas. Durante as conversações em curso com o Governo já o fizeram por três vezes, mas este cessar-fogo unilateral foi o primeiro decretado conjuntamente com o outro grupo rebelde colombiano, o Exército de Libertação Nacional (ELN).
Cessar-fogo inédito
Em entrevista à agência Efe, o chefe do gabinete das Nações Unidas na Colômbia, Fabrizio Hochschild, considerou a trégua conjunta “um sinal do fim do conflito armado e uma esperança de futuro”.
Porém, a confiança mútua escasseia entre as partes… Numa mensagem comemorativa do 50º aniversário das FARC, o seu líder, Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como “Timochenko”, afirmou: “Sabemos bem que a única coisa que a oligarquia espera de nós é uma entrega humilhante, mas na mesa somos duas partes e as nossas aspirações são totalmente diferentes”.
As conversações entre Governo e guerrilha decorrem na capital cubana. “Não fomos para Havana por nos considerarmos vencidos, nem por temer a extinção com a qual pretendem amedrontar-nos todos os dias. Estamos ali porque entendemos que nada está definido na luta de classes e interesses na nossa pátria”, afirmou o líder das FARC.
O Governo colombiano, por seu lado, anunciou que, apesar da trégua, manterá as operações militares. “Não vamos deixar de persegui-los simplesmente porque fazem o favor de deixar de cometer um dos seus tantos crimes”, afirmou o ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzón. “Cada vez que adotamos tréguas bilaterais, isso significa um fortalecimento dos grupos armados. Quando renunciarem às armas, iremos parar de persegui-los, com muito gosto.”
Coca e sequestros são lucro
As FARC nasceram a 27 de maio de 1964 na região de Tolima (região andina da Colômbia) para defender a República de Marquetalia, um pequeno território autónomo, habitado por agricultores comunistas, que o exército pretendia controlar. Entre os que, então, pegaram em armas para defender a comunidade estava Manuel Marulanda, fundador e comandante carismático das FARC. Conhecido como Tirofijo (“tiro certeiro”), dada a precisão dos seus disparos, morreu em 2008. Segundo as FARC, de ataque cardíaco.
Marxistas-leninistas, bolivarianas e anti-imperialistas, as FARC mantêm, 50 anos depois, as reivindicações de sempre: combater a oligarquia burguesa que controla o Estado e liderar uma revolução social no país em defesa dos mais desfavorecidos.
Têm como fontes de financiamento os sequestros, a extração mineira ilegal e a produção e tráfico de drogas. A 17 de maio último, em Havana, a guerrilha comprometeu-se a cooperar com o Governo no sentido de convencer os agricultores a cultivarem colheitas alternativas à coca. Até 2013, a Colômbia liderou a produção mundial de cocaína, hoje é o Peru.
As FARC continuam a controlar grandes áreas rurais do país. Estima-se que o número de combatentes não supere os 20 mil homens e mulheres (há fontes que apontam para menos de metade) e que a guerra civil já tenha morto 200 mil pessoas.
IMAGEM Bandeira das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) WIKIMEDIA COMMONS
Artigo publicado no “Expresso Online”, a 27 de maio de 2014. Pode ser consultado aqui