“Prepara-te Rússia!” Foi nestes termos que, esta quarta-feira, o Presidente dos Estados alertou a Rússia, fiel aliado de Bashar al-Assad, para um ataque iminente com mísseis norte-americanos a alvos na Síria. Donald Trump admitiu também que a relação entre Washington e Moscovo está pior do que nos tempos da Guerra Fria
Há sensivelmente um ano, Donald Trump demorou 63 horas entre ameaçar com um ataque na Síria e concretizá-lo. A 4 de abril de 2017, o mundo conhecera mais um ataque com armas químicas na Síria, então na província rebelde de Idlib (noroeste), na sequência de um bombardeamento à cidade de Khan Shaykhun, que provocou a morte de 86 pessoas, incluindo 30 crianças, e inundou as redes sociais com imagens de pessoas a asfixiar e a espumar da boca.
Contrariamente a Barack Obama — que traçara uma “linha vermelha” na Síria (o uso de armas químicas) que, se ultrapassada, forçaria os EUA a intervir (o que não aconteceu) —, Donald Trump deu ordem de fogo contra posições militares sírias. Mostrava a Damasco que o uso de armas químicas não era aceitável em tempos de guerra e provava que, ao contrário do seu antecessor, ele, sim, era um homem de palavra, e de ação.
Esta quarta-feira, na sequência de notícias de um ataque químico, no sábado, na região de Ghouta Oriental (arredores de Damasco), o líder norte-americano ameaçou voltar a atacar a Síria, alertando, para tal, o fiel aliado de Bashar al-Assad: “A Rússia promete derrubar todo e qualquer míssil disparado contra a Síria. Prepara-te Rússia, porque eles estão a chegar, bons, novos e ‘inteligentes’! Vocês não deveriam ser parceiros de um Animal que Mata com Gás, que mata o seu próprio povo e desfruta!”, escreveu no Twitter.
Esta quarta-feira, a Organização Mundial de Saúde confirmou as suspeitas, informando que 43 pessoas tinham morrido em Douma, com “sintomas consistentes” decorrentes da “exposição a químicos altamente tóxicos”, e que mais de 500 pessoas tinham recebido tratamento.
Pior do que durante a Guerra Fria
Para já, e apesar de, para “preparar a resposta dos EUA” – que o levaria ao Peru (para a Cimeira das Américas) e à Colômbia -,Trump ter cancelado a sua primeira visita oficial à América Latina, o mais recente braço de ferro entre Washington e Moscovo não tem passado de uma intensa batalha retórica.
Esta quarta-feira, após os “tweet” de Trump, o Ministério dos Negócios estrangeiros da Rússia respondeu, no Facebook, que “mísseis inteligentes deveriam voar na direção de terroristas, não contra o governo legítimo”, aludindo aos rebeldes sírios e ao regime de Assad, respetivamente.
No aviso que fez à Rússia, Donald Trump não se furtou a comentar os danos que a questão síria estão a provocar na relação bilateral entre Estados Unidos e Rússia, países em lados opostos da barricada nesta questão.
“A nossa relação com a Síria está pior agora do que alguma vez antes, incluindo durante a Guerra Fria. Não há razões para isto. A Rússia precisa da nossa ajuda a nível económico, algo que seria muito fácil de fazermos, e nós necessitamos que todos os países trabalhem juntos. Parar com a corrida às armas?”, escreveu o chefe de Estado do país que mais armas exporta em todo o mundo.
Os Estados Unidos não estão sós nesta decisão de atacar a Síria: França e Reino Unido apoiam-nos. Na terça-feira, Donald Trump, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e a primeira-ministra britânica, Theresa May, conversaram ao telefone, separadamente. Todos concordaram que “a comunidade internacional precisa de responder para defender a proibição mundial do uso de armas químicas”, lê-se num comunicado do Governo de Londres.
No mesmo dia, a Eurocontrol, organização europeia de segurança na navegação aérea, divulgou uma “advertência rápida” às companhias aéreas a operar no leste do Mediterrâneo contra “o possível lançamento de ataques aéreos com mísseis ar-terra e/ou de cruzeiro”, contra a Síria, “nas próximas 72 horas”.
São já demasiados indícios para que o som dos tambores da guerra não resulte num ataque militar. Mas, a concretizar-se nos mesmos moldes do ataque de há um ano, não trará grandes consequências para o regime — nem paz para os sírios.
Artigo publicado no “Expresso Diário”, a 11 de abril de 2018. Pode ser consultado aqui